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O bando dos quatro

No poder, Lula, Dilma, Dirceu e Palocci eram a encarnação do PT, que representava a esquerda ética e intolerante com a corrupção. Era só discurso

Por Thiago Bronzatto Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO 13 jul 2017, 12h57

Há mais de meio século, a bandeira do combate à corrupção era levantada pelos partidos conservadores no Brasil. Mas, antes mesmo de encerrado o ciclo da ditadura militar (1964-1985), a defesa da ética e da lisura com a coisa pública foi tomada por um partido novo: chamava-se Partido dos Trabalhadores. Na cena brasileira, era a primeira vez que uma legenda de esquerda considerava a corrupção uma questão central — e não apenas uma preocupação lateral, quase pequeno-burguesa, que nada tinha a ver com projetos de caráter revolucionário, reformista ou transformador. E assim o PT chegou lá.

Ao conquistar a Presidência da República, Lula era o portador de grandes esperanças, inclusive a de que fizesse um governo intransigente com o desvio de verbas públicas. “O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu governo. É preciso enfrentar com determinação e derrotar a verdadeira cultura da impunidade que prevalece em certos setores da vida pública”, disse Lula em seu discurso de posse, no Congresso, em janeiro de 2003. “Ser honesto é mais do que apenas não roubar e não deixar roubar. É também aplicar com eficiência e transparência, sem desperdícios, os recursos públicos focados em resultados sociais concretos”, acrescentou. Agora, Lula e seus colegas do PT estão atrás das grades ou lidam com processos judiciais justamente por “roubar e deixar roubar”. A sentença do juiz Sergio Moro é outra peça nesse processo da desconstrução da imagem do partido.

O combate à corrupção e a defesa da ética no trato da coisa pública serão objetivos centrais e permanentes do meu governo.

Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 1º de janeiro de 2003

As promessas de ética extrema estiveram nos discursos de todos os cardeais petistas (veja frases ao longo desta reportagem). José Dirceu, ex-ministro que sonhava em suceder a Lula na Presidência e encontra-se em prisão domiciliar, dizia ter aprendido com o seu pai que os valores éticos e morais eram a coisa mais importante da vida. Antonio Palocci, outro que tinha o mesmo sonho de virar presidente e está preventivamente atrás das grades, assumiu postos de alta relevância — Fazenda e Casa Civil — prometendo “a mais estrita legalidade”. Quando os dois se tornaram carta fora do baralho presidencial, Lula sacou Dilma Rous­seff, que assumiu prometendo que não haveria “compromisso com o desvio e o malfeito”. Dilma caiu pelas pedaladas fiscais, mas agora grama para livrar-se de acusações de que sabia de tudo, inclusive de uma conta de 150 milhões de dólares no exterior, destinada a bancar sua campanha.

“Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente” (Evaristo Sa/AFP)

Serei rígida na defesa do interesse público. Não haverá compromisso com o desvio e o malfeito. A corrupção será combatida permanentemente.

Ex-presidente Dilma Rousseff,  em 1º de janeiro de 2011
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Os petistas jamais admitiram a lama em que se jogaram no mensalão, no petrolão e nas adjacências da criminalidade no governo. Os poucos que fazem uma autocrítica, quase sempre anonimamente, dizem que o partido começou bem-intencionado em relação ao combate à corrupção, mas, uma vez alçado ao poder, entregou-se a práticas históricas de fisiologismo, desvio de dinheiro, propina. É verdade que são práticas históricas — como a Lava-Jato está revelando —, mas dizer que o ambiente era corrompido em nada absolve a roubalheira petista. Afinal, o PT sabia que não havia lisura na cena pública, e tanto sabia que prometia fazer um trabalho limpo. E deu no que deu.

Para nenhum outro partido do país o efeito da Lava-Jato foi, até agora, tão devastador como para o PT: nos últimos três anos, foram presos três ex-ministros, um ex-líder do governo no Senado, um ex-vice-presidente da Câmara e dois ex-tesoureiros, entre demais integrantes da legenda. Alguns se sentaram no banco dos réus, outros foram condenados. Ao todo, mais de trinta petistas estão na mira de diversos inquéritos em andamento em Brasília, Curitiba e São Paulo. É um cenário altamente desmoralizador para um partido que se dizia ético.

“Aprendi com meu pai que na vida o mais importante são os valores éticos e os valores morais, e o mais importante é o Brasil.” (Dida Sampaio/Estadão Conteúdo)

Aprendi com meu pai que na vida o mais importante são os valores éticos e os valores morais, e o mais importante é o Brasil.

Ex-ministro José Dirceu, em 2 de janeiro de 2003
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A própria presidente do PT, a senadora Gleisi Hoff­mann, é investigada por suspeita de que suas campanhas teriam recebido 5 milhões de reais em propinas da Odebrecht. Além disso, a parlamentar se tornou ré por sua eleição ao Senado em 2010 ter sido financiada com 1 milhão de reais desviados da Petrobras. O marido de Gleisi, o ex-ministro Paulo Bernardo, também é réu em dois processos da Lava-­Jato — e chegou a ser preso, em junho do ano passado, suspeito de ter feito parte de um esquema que drenou 100 milhões de reais do Ministério do Planejamento. “O PT se posicionava contra a cultura do fisiologismo, mas acabou incorporando muito dessa cultura que predomina na política tradicional”, admite o petista Humberto Costa, líder da oposição no Senado. Como se sabe, o PT foi muito além de acomodar-se no fisiologismo apenas. A roubalheira petista não só destroçou o partido como arranhou a própria esquerda de um modo geral.

“Trabalhei dentro da mais estrita legalidade, respeitando rigorosamente os padrões éticos que se impõem aos homens públicos.” (Gisele Pimenta/Framephoto/Agência O Globo)

Trabalhei dentro da mais estrita legalidade, respeitando rigorosamente os padrões éticos que se impõem aos homens públicos.

Ex-ministro Antonio Palocci, em 8 de junho de 2011

A Lava-Jato revirou as entranhas da roubalheira na Petrobras. Em vez dos 175 milhões de reais desviados no caso do mensalão, o dinheiro surrupiado chegou à casa dos bilhões de reais. Há muitas evidências de que o assalto não visava somente a sustentar o projeto político do PT, mas a fazer a fortuna de gente graúda. Dirceu recebeu 17 milhões de reais em propina. “O mais perturbador em relação a José Dirceu de Oliveira e Silva consiste no fato de que ele praticou o crime inclusive enquanto estava sendo julgado pelo plenário do Supremo Tribunal Federal na Ação Penal 470 (mensalão)”, declarou o juiz Moro em uma das duas sentenças que condenaram o ex-ministro a 32 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Por isso, é muito conveniente simplesmente culpar a “cultura do fisiologismo” ou dos vícios da “política tradicional”. Lula, Dilma, Dirceu e Palocci estão aí para prová-lo.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2017, edição nº 2539

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