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O alívio não chegou

Na contramão do que era de esperar, juros dos financiamentos permanecem em alta. Foi a maneira que os bancos encontraram para se proteger da inadimplência

Por Bianca Alvarenga Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 30 mar 2018, 06h00 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00

Brasil, finalmente, vai deixando de ser o país com os maiores juros do mundo. O Banco Central fez doze cortes na Selic, a taxa básica brasileira, que foi reduzida para 6,5% ao ano — o menor valor registrado na história. Nova redução deve ocorrer em maio. Descontando-se a inflação, o chamado juro real caiu abaixo de 3%, inferior ao da Argentina, da Turquia e da Rússia. O alívio só foi possível graças à queda da inflação, que saiu do patamar de dois dígitos em 2015 para menos de 3% em 2017. Os juros mais camaradas deverão ajudar na retomada da economia. Os benefícios, entretanto, não serão sentidos amplamente pelos consumidores e pelas empresas. Isso porque as taxas comerciais, aquelas cobradas pelos bancos em financiamentos e no crediário, não caíram, até o momento, na mesma proporção da queda na Selic. Na verdade, permanecem nas alturas.

(VEJA/VEJA)

Segundo dados do Banco Central, os juros dos financiamentos determinados livremente pelas instituições financeiras estão em alta nos últimos três meses, na contramão do que ocorre com a Selic. A taxa média paga pelas pessoas físicas está em 57% ao ano, bem acima do juro médio de 40% cobrado há cinco anos, quando a Selic era bem mais elevada. Por que tamanho descompasso? Durante a crise econômica, os bancos foram elevando as suas margens, com o propósito de se proteger de perdas com os inadimplentes e assim manter a rentabilidade. Para eles, a estratégia deu mais do que certo. No ano passado, o lucro somado de Itaú Unibanco, Bradesco, Santander, Caixa e Banco do Brasil chegou a 70 bilhões de reais, alta de 22% em relação ao ano anterior. As instituições financeiras souberam ganhar mais emprestando menos.

Agora, com a retomada da economia, começa a ocorrer um aumento na demanda por crédito — como para a troca do carro, a compra de um apartamento ou a aquisição de eletrodomésticos. Com o tempo, portanto, a disputa por clientes deverá levar a uma redução dos juros na ponta final. “Existe uma melhora perceptível de alguns indicadores que compõem o custo do dinheiro”, afirma Miguel José de Oliveira, da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac). O número de pessoas com nome sujo permanece elevado, mas há tendência de retração.

Enquanto isso, o Banco Central vem pondo em prática medidas regulatórias para reduzir o custo dos financiamentos. Na semana passada, liberou parte dos depósitos compulsórios, volume de recursos que ficam represados nos bancos para conter o fluxo de dinheiro na economia. A decisão permite que os bancos coloquem 25 bilhões de reais em circulação. Além disso, o BC está atacando as modalidades mais caras de financiamento. Em 2017, alterou as regras do cartão de crédito rotativo. O cliente pode ficar nessa alternativa por apenas um mês — depois deverá migrar para um financiamento com juros mais baixos. Os bancos também foram pressionados a repensar o funcionamento do cheque especial, opção que, a pretexto de comodidade, castiga os correntistas com juros acima de 10% ao mês e mais de 300% ao ano. Um novo sistema deverá ser apresentado em abril.

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Seria de grande ajuda se houvesse mais concorrência no setor bancário. Depois das fusões e aquisições dos últimos anos, os cinco maiores bancos controlam 80% dos ativos totais. Trata-se de um dos sistemas mais concentrados do mundo. A falta de competição é um incentivo à menor efi­ciência. Os custos administrativos representam até o dobro dos registrados nos Estados Unidos ou na Europa. “Os bancos vão ter de se adaptar. As fintechs (empresas tecnológicas de finanças) e as cooperativas de crédito estão mostrando que é possível diminuir as taxas, embora não consigam ainda gerar pressão competitiva sobre as grandes instituições”, diz António Bernardo, presidente da consultoria Roland Berger. Como em qualquer outro mercado, o consumidor só será beneficiado se houver mais opções disponíveis.


O drama dos viciados em dívidas

Nome limpo – Giovanni Santos: contas fora do controle e renegociação (Emiliano Capozoli/VEJA)

Apesar dos sinais de recuperação da economia, o número de brasileiros endividados chegou a 61,7 milhões em fevereiro passado — o equivalente a 40% da população adulta. O número é alto porque o hábito de manter as contas em dia não é apenas uma questão financeira decorrente do estado geral da economia — pode ser uma questão comportamental. Por isso, há grupos especializados que promovem reuniões semanais com devedores com a finalidade de trocar experiências sobre consumo impulsivo e propensão a viver no vermelho. Uma dessas organizações é o Devedores Anônimos (DA), que funciona nos mesmos moldes do Alcoólicos Anônimos (AA).

“Não tenho rendimento fixo. De pouco adianta ter diversos diplomas e não ganhar o suficiente. Quando consigo renda por algum trabalho, gasto tudo rapidamente”, diz Rosana (nome fictício), ex-atriz e ex-publicitária que, com a ajuda do DA, conseguiu quitar seus débitos. Às vezes, a compulsão financeira vem acompanhada de outros vícios. O paulistano Cleber, por exemplo, só procurou o DA depois de começar a frequentar o AA. Ao notar sua compulsão para o álcool, ele entendeu que tinha outra: a para o gasto descontrolado. “Tinha perdido minha empresa, estava com dívidas impagáveis”, conta ele.

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Pertencer a uma classe social mais alta não livra ninguém do problema. As pessoas de maior renda são justamente as que têm maior resistência em admitir a compulsão. Pior. É comum que, diante dos apuros, como a perda do emprego, algumas tentem manter o mesmo padrão de vida em vez de cortar gastos para se encaixar à nova realidade. Pedir um empréstimo para quitar outra dívida é um comportamento recorrente entre os endividados. A tendência é recorrer, num primeiro momento, a modalidades como cheque especial e cartão de crédito — de longe as mais caras.

Para sair do vermelho, aceitar o vício é o primeiro passo. Uma vez que o devedor reconhece o problema, a próxima etapa é se planejar. Foi o que conseguiu fazer o operador de cobrança Giovanni Cardoso dos Santos, de 24 anos. Como ele não pagava a fatura toda do cartão e continuava a consumir acima do seu padrão, o débito se multiplicou e atingiu 2 100 reais. “Foi um descontrole. Tinha quatro cartões.” No último Feirão Limpa Nome da Serasa, ele renegociou a dívida, que caiu para 597 reais. Recém-saído da lista de devedores, Santos diz que não pretende voltar a usar o cartão de crédito tão cedo. “Quero manter o meu nome limpo.”

Felipe Machado e Tatiana Babadobulos

Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576

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