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“Não me sinto heroína”

Cabo da PM, Kátia da Silva Sastre, 42 anos, matou um assaltante no entorno da escola de sua filha

Por Eduardo F. Filho Atualizado em 18 Maio 2018, 06h00 - Publicado em 18 Maio 2018, 06h00

Era um dia de festa, e estávamos todas felizes. Fui com a minha filha mais velha, de 7 anos, à comemoração do Dia das Mães na escola dela, em Suzano, na região metropolitana de São Paulo. À espera, na porta da escola, devia haver umas sete mães, cada uma com pelo menos um filho, e a toda hora chegava mais gente. Um pouco mais longe na rua, uma mãe estacionava quando um assaltante pediu a chave do carro. De onde eu estava, não dava para ver nada disso. A mãe que saíra do veículo não viu que o rapaz estava armado e correu até nós, como aparece no vídeo da segurança da escola que tanto circulou pela internet. “É ladrão, é ladrão”, ela disse. “Onde?”, perguntei. Eu estava sem visão por causa dos carros.

As outras mães olhavam para a rua, com cara de medo. Foi quando vi o rapaz, já tirando a arma de debaixo do braço. Ele foi em direção ao responsável pela segurança da escola, o único homem ali presente. Usei esse tempo para pegar a arma na minha bolsa. Contando isso agora, pode parecer que foi uma eternidade, que tive tempo para pensar em como reagir — mas não: no vídeo, foram dois segundos. O que me passou pela cabeça na hora era que eu tinha de impedir a ocorrência.

O stress da pessoa que está assaltando é muito grande, a gente nunca sabe o que ela vai fazer. Havia dezenas de crianças ali. Pensei: será que ele vai atirar nelas — atirar na minha filha, que estava ao meu lado? E se ele revistar todo mundo e achar a minha arma na bolsa? Iria me matar — policiais à paisana são sempre mortos por bandidos que descobrem a profissão deles. Então, peguei a arma na minha bolsa. Tive o cuidado de efetuar os disparos o mais perto possível dele, para não acertar alguém que cruzasse a linha de fogo.

Primeiro, dei voz de prisão. Gritei “polícia!”. Ele se virou para mim e atirou duas vezes. O primeiro tiro não pegou ninguém, graças a Deus. Logo que ele fez esse primeiro disparo, eu efetuei dois. Conforme ele foi caindo, deu um segundo tiro, que não saiu — a munição falhou. Aí, atirei uma terceira vez, na perna dele. Ainda tentei me abrigar atrás de um carro, mas não deu certo, pois o carro saiu em seguida. Depois que ele estava imobilizado no chão, eu me virei para pedir ajuda, mas todo mundo tinha ido embora. O medo faz isso. Peguei o celular e liguei para o 190. Pedi uma ambulância. Não consegui ouvir o que o ferido dizia. Só ouvia a minha filha, chorando na calçada. Acredito que Deus também estava ali, junto comigo, me protegendo. Hoje, a minha filha aparentemente está tranquila, mas buscamos o acompanhamento de um psicólogo. Conversei com ela, expliquei que a mamãe precisou tomar aquela atitude para que o rapaz não machucasse as outras mamães, não machucasse os amiguinhos dela.

A homenagem do governador Márcio França foi de repente, uma surpresa. Aceitei de bom grado as flores que ele me deu em tributo a todas as mães. Estão focando demais o governador, mas esquecem que as homenagens têm vindo do Brasil inteiro. Ninguém está comemorando a morte do assaltante — essa nunca foi a intenção. Não me sinto heroína, mas vi que estou sendo chamada assim. Naquele momento, tive uma atitude profissional, mas foi tudo misturado ao lado materno, à proteção da minha filha. Outras pessoas não devem reagir a assaltos, mas com o policial é diferente; ele tem o dever, mesmo em dia de folga, de combater o crime, de proteger vidas.

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A vida do policial é assim. Não passei todo o Dia das Mães com minhas duas filhas — a mais nova tem 2 anos —, porque trabalhei muito. Mas consegui um tempinho com elas e com minha mãe. Vivemos nosso momento da melhor maneira possível. Foi maravilhoso porque eu estava ali com elas, no Dia das Mães. Todas juntas. E vivas.

Depoimento a Eduardo F. Filho

Publicado em VEJA de 23 de maio de 2018, edição nº 2583

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