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Nação em negação

Muitos argentinos ainda esperam um milagre nas buscas pelo submarino desaparecido. Poucos ousam falar em morte

Por Cláudio Rabin, de Mar del Plata
Atualizado em 30 jul 2020, 20h31 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00

Na manhã da terça-feira 28, no programa Buenos Días América, da rede de televisão argentina A24, quatro jornalistas bombardeavam um jovem médico com perguntas: “Quanto tempo o corpo humano pode resistir com pouco oxigênio? E com pouca água? E sob baixas temperaturas?”. O tema não dito da noite era a morte, apesar de as respostas do entrevistado deixarem claro que, após duas semanas isolados do mundo dentro de uma cápsula de aço no fundo do oceano, seria praticamente impossível que os 44 tripulantes do submarino argentino ARA San Juan, que desapareceu no dia 15, ainda estivessem vivos — e isso na otimista hipótese de a embarcação estar intacta. Em vez disso, o foco do programa era sobrevivência.

A conversa ilustra bem o que se passa na sociedade argentina. Não obstante as evidências em contrário, ainda se espera por um resgate dos marinheiros. Os argentinos vivem o primeiro estágio do luto — a negação. Profanar o tabu da morte gera fortes reações. A advogada Itatí Leguizamón, mulher de Germán Suárez, um dos tripulantes do ARA San Juan, foi uma das poucas a declarar que acreditava que todos haviam morrido. Ela teve de ser protegida para não sofrer agressão de familiares de outros tripulantes na base naval de Mar del Plata, na segunda-feira 27. “A realidade é uma só: a vida não é viável depois de tantos dias”, disse Itatí a VEJA.

Ao mesmo tempo, o governo faz o que pode para não ter de enfrentar o segundo estágio do luto — a raiva. Legalmente, devem-se considerar os tripulantes como desaparecidos até que haja prova contrária ou que a Justiça os declare mortos. Além disso, a insistência em afirmar que a situação dos desaparecidos é crítica tira do holofote o atual estado de sucateamento das Forças Armadas argentinas. Nesta semana, familiares se revoltaram com o conteúdo do vazamento de um documento com o último contato da tripulação: um alerta sobre uma infiltração de água, que teria atingido as baterias. Ao longo da semana, os comunicados oficiais destacaram as buscas, com grande foco na ajuda da Rússia e dos Estados Unidos, que exibem seu potencial tecnológico em uma espécie de Guerra Fria do bem.

Para Enrique Stein, um psiquiatra especializado em trauma que tem prestado atendimento aos parentes dos tripulantes do ARA San Juan, a dificuldade de aceitação da perda é agravada pela falta de um desfecho. “As pessoas estão processando o luto ou a possibilidade de uma notícia desagradável. Mas o que existe é um momento em que não há informação conclusiva que acabe com a incerteza”, diz Stein. A psicóloga Gabriela Casellato, fundadora do 4 Estações, um instituto que provê apoio a pessoas enlutadas, em São Paulo, concorda que a negação dos argentinos pode ser fruto da falta de desfecho para o caso. “Há uma realidade ambígua e uma reação tardia, pois não se tem um corpo ou um ritual que ajude na concretização da perda”, afirma Gabriela. Dadas as dificuldades técnicas nas buscas, a agonia ainda pode se estender por muito tempo.

Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

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