Missão: emocionar
'Extraordinário', sobre um menino com deformidades faciais que começa a frequentar a escola, cumpre seu contrato com habilidade e certa circunspecção
Se o espectador resistir a se comover com Extraordinário (Wonder, Estados Unidos, 2017), já em cartaz no país, não terá sido por falta de empenho da autora R.J. Palacio, em cujo best-seller homônimo — lançado no Brasil pela Intrínseca — o filme se baseia, ou do diretor Stephen Chbosky. A história de August “Auggie” Pullman, um menino com graves deformidades faciais causadas por uma síndrome genética, toca em todas aquelas sensibilidades que ficam mais à flor da pele — solidão, rejeição, amor familiar, cumplicidade, desejo de proteger. Por via das dúvidas, até a perda de uma mascote querida entra no rol, e fica assim garantido o aliciamento dos que se dobram mais prontamente à lealdade canina que às desventuras humanas. Faz parte do contrato, claro: filmes como Extraordinário destinam-se a emocionar, e a plateia que os vai ver exige que o contrato seja cumprido na íntegra, até a última letra miúda. O que não quer dizer que Chbosky se dispense de aplicar delicadeza e habilidade ao seu filme. Conhecido pela adaptação de seu próprio sucesso literário para jovens adultos, As Vantagens de Ser Invisível, o escritor-diretor tem faro para a medida correta de sentimentalismo e sabe combiná-la com um humor tão alegre quanto desconcertante. Mais que tudo, é um professor simpático, que transmite lições sobre aceitação sem soar demasiado piegas — embora, sim, caia na armadilha habitual de considerar que as tragédias alheias têm sobretudo valor educativo.
Ensinado em casa até ali, o esperto Auggie (Jacob Tremblay, de O Quarto de Jack) acaba de completar 10 anos, e sua mãe (Julia Roberts) acha que é hora de ele ingressar numa escola comum. O pai (Owen Wilson) tem sérias dúvidas. “Vai ser como mandar um cordeiro para o abate”, diz ele à mulher. Mas os pais e a irmã mais velha de Auggie, a doce Via (Izabela Vidovic), concordam que em algum momento ele terá de enfrentar o mundo, e que poucas pessoas parecem tão aptas a zelar por ele quanto o senhor Tushman (Mandy Patinkin), o diretor da escola, e o senhor Browne (Daveed Diggs), o professor da 5ª série. Por precaução, três alunos mostram a escola a Auggie antecipadamente. Julian (Bryce Gheisar) se finge de bonzinho para os adultos mas, com outras crianças, é um bully incorrigível. Charlotte (Elle McKinnon) representa outra corrente, aquela em que o tato é mais questão de treino que de índole. Jack Will (o encantador Noah Jupe) é a coisa verdadeira, um menino que está ali porque a mãe mandou mas que é generoso demais para não acolher de fato Auggie — e então esquecer que as feições dele são estranhas, e se deixar fascinar por sua amizade.
O acerto fundamental de Extraordinário está em não se resumir às dificuldades de Auggie e abrir capítulos para Jack Will, para Via e para a melhor amiga que parou de falar com ela. Em qualquer hipótese, aprender a lidar com o mundo é algo que vem com seus tormentos. Os de Auggie estão apenas mais à vista.
Publicado em VEJA de 13 de dezembro de 2017, edição nº 2560