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Mentirinhas sinceras

Estudo de psicólogos americanos descobre que, na era do relacionamento virtual, se mente muito menos a um pretendente do que o imaginado

Por André Lopes Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 11 Maio 2018, 06h00 - Publicado em 11 Maio 2018, 06h00

Os aplicativos de namoro facilitaram a tarefa de encontrar um amor que seja infinito enquanto dure. Tendo no smartphone um cardápio cheio de rostos diversos para ser escolhidos, ficou mais simples mesmo. No Tinder, basta deslizar a tela para a direita quando gostar de algum retrato — e torcer para que a outra pessoa tenha a mesma reação para chegar ao esperado match. Em outros programas, como o OkCupid, a procura pela alma gêmea é guiada de acordo com a similaridade de gostos, região em que se vive, amigos em comum etc. No entanto, os paqueradores virtuais alimentam um atávico receio antes do primeiro encontro: será que o flerte do outro lado da tela está sendo honesto? Como na internet é possível mentir sobre quase tudo, o medo é inescapável.

7% de 3 000 mensagens trocadas nesses aplicativos continham informações falsas. Na maioria, “mentirinhas”

 

Um estudo divulgado recentemente, contudo, revela que a desconfiança não precisa ser tão grande assim. A pesquisa, realizada por psicólogos da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, analisou os hábitos de 200 usuários de aplicativos, entre 19 e 28 anos. A ideia era comprovar o abuso de lorotas. A resposta foi surpreendente e alvissareira: ao xavecarem no ambiente digital, as pessoas são mais honestas do que se imaginava.

Para chegar ao resultado, considerou-se o conteúdo de 3 000 mensagens previamente trocadas entre os 200 participantes. Todas as conversas incluídas no levantamento se deram antes de os interlocutores se encontrarem no mundo real, durante o período tido como “a fase de descoberta”. Apenas 30% dos entrevistados pelos psicólogos relataram ter mentido a pretendentes nesses aplicativos. Quando se mergulhou mais atentamente nos textos, percebeu-se que as pessoas, talvez por sentirem culpa, tratam como mentira o que de fato não é. Eram pequenas omissões, frases aceitáveis usadas apenas para despistar o interlocutor de uma impressão ruim. Eram blefes ou desculpas esfarrapadas, com a intenção de aumentar a atratividade diante do parceiro em potencial. A rigor, apenas 7% das mensagens coletadas continham algum tipo de lorota. E reafirme-se, em nome da verdade, que boa parte delas poderia entrar nessa classificação benigna, a da “mentirinha” banal, na definição de uma das cobaias do teste.


O xaveco que engana

As três lorotas mais frequentes dos usuários de apps de paquera

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Exagerar nos interesses pessoais e na disponibilidade para um relacionamento sério (Ex: “Sim, eu gosto muito desse filme e desse diretor. Podemos ver alguma outra obra dele juntos”)
Desmarcar encontros amparados em mentiras (Ex: “Sinto muito, mas acho que não vou conseguir hoje. Minha irmã vai me encontrar mais tarde”)
Alegar problemas, como de conexão com a internet, no celular ou no aplicativo, para justificar a demora em responder às mensagens (Ex: “Desculpe não ter respondido. Meu celular está meio ruim e ainda estava sem sinal”)


Mas o que seriam, afinal, essas mensagens indolores? Exemplos (e atire a primeira pedra quem não lançou mão desse recurso): adicionar alguns centímetros extras quando perguntado sobre a própria altura; dar ares mais pomposos a um emprego que se tem; ou dizer que se ama uma série da Netflix que, de fato, nunca se viu. Seriam farsas bem mais leves do que as usadas pelos, agora se sabe, raríssimos catfishes — termo em inglês que designa os mentirosos compulsivos, que existem, sim, mas em menor número. Esses são perigosos: afirmam ser mulheres, quando na verdade se trata de homens; ou postam retratos de outras pessoas, dizendo que são de si; ou ainda relatam que são heterossexuais, quando são homossexuais, ou vice-versa.

Dada a surpresa da pesquisa, convém, então, perguntar: o que faz com que pessoas sejam honestas nas conversas virtuais, quando poderiam se esconder atrás do biombo eletrônico? “Na era das redes sociais, pode ter ficado mais fácil mentir na internet, mas também é mais fácil flagrar o embuste”, disse a VEJA o psicólogo americano David Markowitz, um dos autores do estudo de Stanford. Diferentemente da era das salas de bate-­papo, populares nos anos 90 e pelas quais as pessoas também flertavam, identificadas só por apelidos, hoje os aplicativos que promovem relacionamentos amorosos exibem informações detalhadas de cada usuário, incluindo o histórico de conversas e o modo como navega pelo programa. Além disso, no caso de haver dúvida sobre o que diz um interlocutor, é possível checar as informações em redes sociais como o Instagram e o Facebook — que pretende lançar o próprio programa de paquera ainda neste ano (veja abaixo). Outro caminho de segurança é levar a conversa para esses sites, nos quais normalmente se expõem mais informações pessoais.

“A real e sincera vontade de encontrar um par deixa as conversas ainda mais transparentes, em especial entre pessoas mais maduras”, diz Airton Gontow, criador do site Coroa Metade, dedicado a namoros entre casais com mais de 40 anos. O Coroa Metade realizou no ano passado uma consulta com 1 852 membros. Para 70% dos que responderam, a “honestidade” despontou como a principal característica esperada para o início de um relacionamento.

É praticamente impossível ser autêntico 100% do tempo, seja no mundo virtual, seja no mundo real, que hoje se misturam. Mente-se muitas vezes sem nem se dar conta disso, o que leva um ser humano médio a ter de lidar com cerca de 100 balelas todos os dias. Em plataformas digitais, 21% do conteúdo trocado contém enganações, de pequenas inverdades a trapaças escabrosas, segundo estudos acadêmicos recentes. Por que, então, esse mundo de enganação não se estende à paquera? O psicólogo Markowitz, do estudo de Stanford, responde: “Em última análise, os embusteiros são minoria porque, se saírem enganando, terão menos chance de marcar um encontro amoroso. E, tendo marcado o encontro, seriam inapelavelmente desmascarados”. Soa simples, é simples mesmo — e a boa notícia é que a mentira não está colando mais.

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O Tinder do Face

TAMBÉM NO AMOR – Zuckerberg anunciou o app de paquera Dating (Stephen Lam/Reuters)

“Um em cada três casamentos nos Estados Unidos começa on-line.” Assim Mark Zuckerberg, CEO do Facebook, deu início ao anúncio de um novo produto da empresa, no último dia 1º. Mas o que a estatística apresentada tem a ver com a rede social generalista, na qual cerca de 2 bilhões de indivíduos falam sobre tudo e todos? Acontece que a nova ferramenta do site é justamente um aplicativo de paquera, o Dating.

A notícia instigou usuários. E balançou o concorrido mercado de aplicativos de relacionamentos amorosos, em que as pessoas em busca de um par ideal são disputadas à unha por programas como o Tinder (que perdeu 22% do valor de suas ações na bolsa e 600 milhões de dólares do valor de mercado após o anúncio), o Happn, o Par Perfeito, o Coroa Metade… Há uma infinidade de opções. Zuckerberg, contudo, quer entrar na jogada para transformar seu Dating em uma plataforma única, que possa canibalizar e exterminar todas as outras.

Por ele será possível associar o perfil do Facebook a outro, dedicado exclusivamente ao xaveco. A novidade ainda não tem data para estrear — estima-se que comece a operar no segundo semestre deste ano —, mas a demonstração feita pelo mandachuva já desenha indícios de como o negócio funcionará. Será mais similar ao site OkCupid, pelo qual pretendentes são aproximados de acordo com gostos similares, do que ao Tinder, em que a escolha ocorre tão somente pela foto que se vê do outro.

Para alguns, a novidade pode ter a aparência de um fruto mais inocente do Facebook, recentemente acusado de conivência no uso indevido de informações de 88 milhões de usuários pela consultoria inglesa Cambridge Analytica, que se apoiou nos dados para induzir, com anúncios e posts forjados, eleitores cadastrados na rede social a votar no atual presidente americano Donald Trump na campanha da qual ele saiu vitorioso, em 2016. No entanto, o sinal de alerta deve ser aceso. Com seu Dating, o Facebook, que prometia regular mais o que coleta dos perfis, fará o oposto: terá o controle de ainda mais dados. Além disso, a companhia, também dona do WhatsApp e do Instagram, deve assim estender seu monopólio na internet.

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Publicado em VEJA de 16 de maio de 2018, edição nº 2582

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