Memória: William English, dom Pedro Casaldáliga e Enio Mainardi
O inventor, o bispo e o publicitário
Os americanos ainda choravam o assassinato de Martin Luther King, em abril. Na Broadway, pela primeira vez um espetáculo com nu explícito mesmerizava as plateias, em Hair. As barricadas de Paris ecoavam pelo mundo, porque era proibido proibir naquele mágico ano de 1968. Era assim lá fora, nas ruas — mas dentro de um laboratório de Stanford, na Califórnia, uma dupla de cientistas, que depois chamaríamos de nerds, tratava de reinventar a civilização. Douglas Engelbart (1925-2013) e William English desenvolviam um mecanismo de computador que permitisse a facilidade de uso “manipulando imagens numa tela”. Engelbart inventou um acessório movido a mão e que fazia andar um cursor, a distância. Encomendou a construção do objeto a English, “que fazia tudo acontecer”, segundo um de seus colaboradores. Nascia ali o mouse — um tanto trambolhudo, meio improvisado, mas evidentemente revolucionário. Em 9 de dezembro daquele ano ele seria apresentado em um evento em São Francisco que faria história como The Mother of All Demos, a “mãe de todas as demonstrações”. No centro do palco, um sistema inteiro de computação, o oNLine System. Deu-se, a partir daquela máquina, a apresentação de hiperlinks, como só veríamos em browsers da internet em 1993, o uso de monitores e, manipulado como marionete por English, o mouse. O inventor morreu em 26 de julho, aos 91 anos, em São Rafael, na Califórnia, de insuficiência respiratória.
O bispo vermelho
Nascido na Catalunha, o bispo emérito de São Félix do Araguaia (MT), dom Pedro Casaldáliga, ficou conhecido internacionalmente como defensor dos direitos humanos, sobretudo dos povos indígenas. Ajudou a criar o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e foi atuante na criação das chamadas comunidades eclesiais de base, que deram profundidade à militância política, abertamente marxista, da Igreja Católica, sobretudo durante os anos do regime militar no Brasil. Ele renunciou à prelazia em 2005, já com a saúde abalada pela doença de Parkinson. Morreu em 8 de agosto, aos 92 anos, em Batatais, no interior de São Paulo, de problemas respiratórios.
Um frasista brilhante
“O bom uísque você conhece no dia seguinte” — e um grande publicitário pode ser identificado pela permanência de campanhas e slogans que brotaram de sua mente. É o caso de Enio Mainardi, o inventor da máxima atrelada a uma conhecidíssima marca de destilados, a Old Eight, e que seria repetida à exaustão, como se tivesse sempre existido. É dele pelo menos uma outra obra-prima do domínio do idioma e da propaganda: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. O dilema, tal qual o do ovo e da galinha, ganhou o imaginário popular, foi citado em teses acadêmicas e passou a ser tratado como aforismo filosófico de primeira grandeza.
Na década de 60, Mainardi migrou do jornalismo para a publicidade. Começou na Norton, foi para a Denison e a Proeme, até fundar a própria empresa — passagens sempre relevantes e de sucesso. Nos últimos anos, tornara-se divulgador de ideias conservadoras, de apoio ao presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores nas redes sociais. Tinha 85 anos. Morreu em São Paulo, em 8 de agosto, de complicações relacionadas à Covid-19.
Publicado em VEJA de 19 de agosto de 2020, edição nº 2700