A LUTA Nº 1 que se trava hoje no Brasil é pelo direito a um governo moralmente sustentável. Contra esse direito avultam nestes dias três grandes forças, a saber: Gilmar Mendes, Carlos Marun e a Bolsa de Valores. Gilmar Mendes dispensa apresentações. O deputado sul-mato-grossense Carlos Marun, aquele corpulento, de cara redonda, cabelo cortado rente e voz forte e firme, para quem não está ligando o nome à pessoa, evoluiu de general da tropa de Eduardo Cunha para general da tropa de Michel Temer, e na terça-feira 12 foi premiado com a relatoria da CPI nominalmente concebida para investigar a famigerada JBS dos Joesley/Wesley, mas na realidade um fortim de onde se pretende acertar a Lava-Jato. A Bolsa de Valores bateu os maiores recordes de sua centenária história, nos últimos dias, em parte pelo regozijo de ver enfraquecido o procurador Janot e, com ele, o combate ao governo Temer (portanto, à corrupção).
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O PEN (Partido Ecológico Nacional, vejam só!), que abriga o famigerado Bolsonaro, mudou o nome para Patriotas. Segue a tendência entre os partidos brasileiros de mudar de nome para disfarçar seu passado e apostar no engodo futuro. Outro partido, o PTN (Partido Trabalhista Nacional), mudou para Podemos. Nesse caso, como antes no do Solidariedade do famigerado Paulinho, copia-se sacrilegamente o nome de celebrados movimentos europeus, o Podemos espanhol e o Solidariedade polonês. As manobras ratuínas do submundo partidário brasileiro trabalham, em outra frente, contra a construção de um país moralmente sustentável.
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Gilmar Mendes e Carlos Marun são dois destemidos, isso não se lhes pode negar. Marun postou-se ostensivamente ao lado de Eduardo Cunha, os dois de pé, a trocar cochichos, até o amargo fim da sessão em que a Câmara votou a cassação de Cunha. Gilmar é destemido não só na agressividade, mas também em não disfarçar as efusões. Num recente fim de semana, ao término de um convescote na residência do presidente da Câmara, todos de roupas esporte, a televisão flagrou Rodrigo Maia a despedir-se de Gilmar, na porta, com um tapinha nas costas. Pode um ministro da Suprema Corte permitir um tapinha nas costas do presidente da Câmara? O colunista, que é ingênuo, acha que não. Magistrados, especialmente de cortes superiores, devem ter gravitas. E gravitas em magistrados supõe distância de agentes políticos.
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O novo nome de Patriotas dado ao partido de Bolsonaro nos leva, numa mágica viagem, a Tancredo Neves. Em seu discurso de vitória, ao ser eleito presidente, em 15 de janeiro de 1985, Tancredo pronunciou repetidamente a palavra “pátria”. A alguns ouvidos, como os do colunista, isso soou a uma epifania. Então já se podia falar em pátria!? Nos anos de ditadura, pátria, tanto a palavra quanto seu conteúdo, era propriedade dos donos do poder. Tanto eles falavam em pátria que quem também usasse a palavra se confundiria com eles; e tanto se identificavam com ela que quem fosse contra seria traidor da pátria. Com Bolsonaro e seu partido, dá-se uma meia-volta, volver. Pátria torna-se de novo propriedade de apreciadores de ditaduras. Melhor ficar com a célebre definição de Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos calhordas”.
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A Bolsa de Valores segue a lógica de certos empresários e economistas que se entusiasmam a cada vitória de Temer (e, portanto, da corrupção) por achar que ajuda as sonhadas “reformas”. Recusam-se a entender que reformas respeitáveis e para durar são exclusividade de governos moralmente sustentáveis. Outros economistas se insurgem, sim, contra a corrupção. Um grupo deles, com Edmar Bacha, Gustavo Franco e Elena Landau à frente, deu um ultimato ao PSDB: ou o partido deixava o governo, ou eles deixavam o partido. Tanto voltaram a ameaçar e recuar, em seguida, que ficaram parecendo, eles próprios, o PSDB. Outro economista, Paulo Guedes, em artigo no jornal O Globo, foi claro em sua posição e lapidar na descrição do presente embate: “Em tempos extraordinários, mais vale uma atabalhoada busca da coisa certa do que uma competente defesa da coisa errada”.
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Tancredo Neves, no seu discurso: “Não há pátria onde falta democracia. (…) A pátria é escolha, feita na razão e na liberdade. Não basta a circunstância de nascimento para criar esta profunda ligação entre o indivíduo e sua comunidade”. Não parece ser o caso da pátria de Bolsonaro.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2017, edição nº 2548