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Lição de intolerância

Podem vereadores proibir professores de abordar em sala de aula assuntos relacionados à sexualidade?

Por Mariana Barros Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jul 2017, 19h27 - Publicado em 6 jul 2017, 13h50

Professores da rede pública de ensino encerrarão o semestre sem saber se, ao retornarem de férias, em agosto, poderão ou não abordar em sala de aula assuntos que façam menção à sexualidade e às questões de gênero — aí incluídos temas ligados a homossexualidade e transexualidade. Nos últimos anos, sete municípios do país aprovaram leis que retiram do currículo municipal qualquer matéria que esbarre em tópicos como relacionamento entre pessoas do mesmo sexo ou a existência de pessoas que assumem identidade do sexo oposto ao de seu nascimento, os transgêneros. Os sete casos foram levados pela Procura­doria-Geral da República ao Supremo Tribunal Federal (STF). O ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso da cidade de Paranaguá, no litoral do Paraná, foi o primeiro a se manifestar sobre a questão — e não deixou pedra sobre pedra. Em caráter liminar, posicio­nou-se contra os vetos nos currículos. “Não se deve recusar aos alunos acesso a temas com os quais inevitavelmente travarão contato na vida em sociedade. A educação tem o propósito de pre­pará-los para ela”, afirmou. A decisão do magistrado ainda precisa passar pelo plenário do Supremo, que entra em recesso na próxima semana.

No caso de Paranaguá, o plano de educação da cidade, apresentado pela gestão que terminou em 2016, proibia até mesmo a menção à palavra “gênero” em sala de aula. Tudo começou quando, em junho de 2015, o então vereador Adalberto Araújo (PHS-PR), pastor da Igreja Missionária Jesus É a Verdade, propôs aos políticos locais que os professores das escolas municipais fossem proibidos de falar de homossexualidade em sala de aula. A ideia de Araújo era que o veto fosse incorporado no plano educacional que acabara de ser enviado à Câmara pela prefeitura. Oito dias depois, sua vontade virou lei. O plano foi aprovado e sancionado. Segundo o ex-prefeito da cidade Edison Kersten, a aprovação da lei foi resultado da pressão de grupos evangélicos locais. O receio, afirma, era que a abordagem dos temas “poderia levar as crianças à marginalização”. É isso mesmo que disse Kersten — “marginalização”.

Anunciada pela Secretaria Municipal de Educação, a determinação indignou um grupo de professores. O primeiro passo foi procurar a ONG Grupo Dignidade, com sede em Curitiba, que promove a criação de políticas públicas com o intuito de reduzir a discriminação contra gays, lésbicas e transgêneros. O diretor da ONG, Toni Reis, disse ter recebido queixas de que líderes políticos locais supunham que falar sobre gênero poderia “sexualizar” as crianças, incentivando práticas como aborto e pedofilia. O passo seguinte foi levar o caso à Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que o remeteu, em dezembro de 2016, à Procuradoria-Geral da República. No mês passado, a PGR manifestou-se radicalmente contra os vetos. Para o procurador Rodrigo Janot, eles violam os dispositivos constitucionais que garantem o direito à igualdade, a proibição à censura, a laicidade do Estado e a exclusividade da União de legislar sobre diretrizes educacionais.

O veto à sexualidade é uma costela do movimento Escola sem Partido, que, em 2015, formulou um anteprojeto de lei com o intuito de limitar a discussão, nas salas de aula, de temas ligados a política, religião e também ao que chama de “teoria ou ideologia de gênero”. Neste ano, o Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) chegou a enviar ao governo brasileiro um documento em que alertava para o risco de a aprovação do projeto resultar em “censura significativa” a professores e alunos da rede pública de ensino. O projeto do Escola sem Partido está parado, numa comissão especial do Congresso.

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Na manifestação que suspendeu em caráter liminar os efeitos da lei aprovada pelos vereadores de Paranaguá, o ministro Barroso citou o histórico caso Brown x Board of Education, de 1954. Na ocasião, a Suprema Corte dos Estados Unidos reconheceu a inconstitucionalidade da separação de brancos e negros nas escolas, justificando que a prática perpetuaria a discriminação racial. “Não tratar de gênero e de orientação sexual no âmbito do ensino não suprime o gênero e a orientação sexual da experiência humana, apenas contribui para a desinformação das crianças e jovens a respeito de tais temas, para a perpetuação de estigmas e do sofrimento que deles decorre”, disse o ministro. E tocou no ponto central: disse que o “mero silêncio” sobre a diversidade sexual replica a discriminação, deixa o preconceito prosperar e “contribui para a consolidação da violência às crianças homo e trans”. 

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537

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