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Furacão à vista

Temer está cada vez mais frágil e Rodrigo Maia desponta como seu sucessor, mas Eduardo Cunha negocia delação em que entrega a cabeça dos dois

Por Rodrigo Rangel, Thiago Bronzatto, Daniel Pereira e Robson Bonin
Atualizado em 8 jul 2017, 06h00 - Publicado em 8 jul 2017, 06h00

Durante uns dois ou três anos, o então deputado Eduardo Cunha foi o político mais poderoso da República. Tão poderoso que sem ele o impeachment de Dilma Rousseff não teria acontecido. Com Michel Temer no poder, Cunha fatalmente seria alçado à condição de eminência do governo, um tipo de primeiro-ministro, um homem ainda mais poderoso. Picado pela mosca azul, Cunha chegou a cogitar, ele mesmo, sentar-se na cadeira presidencial. A Lava-Jato cortou sua ambição pela raiz. Investigado por corrupção, ele perdeu o mandato parlamentar, está preso há quase nove meses e, na primeira sentença, já foi condenado a mais de quinze anos de cadeia. Sem perspectiva de liberdade, decidiu trilhar o mesmo caminho da maioria dos figurões encrencados no escândalo: o da delação.

Nos próximos dias, Cunha deverá entregar ao Ministério Público a primeira leva dos segredos que pretende revelar — segredos, segundo ele, devastadores para o presidente Temer e seus principais auxiliares, como Eliseu Padilha e Moreira Franco. Segredos que também prometem criar no mínimo embaraços para outra autoridade federal de importância crescente: o presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia, do DEM do Rio.

Cerco – O presidente Temer seria o “chefe da quadrilha do PMDB”, segundo o relato de Eduardo Cunha (Sergio Lima/AFP)

Na semana passada, VEJA conversou com personagens diretamente envolvidos no processo de delação de Eduardo Cunha. Um deles, braço-­di­reito do ex-deputado, contou que Cunha está há quinze dias em uma sala reservada do Complexo Médico-Penal de Pinhais, em Curitiba, em que se encontra preso, redigindo os anexos que vão compor sua proposta de delação. Dez deles são dedicados exclusivamente ao presidente Temer. Neles, Cunha se dispõe a narrar histórias que mostram que Temer não só sabia dos esquemas de corrupção montados no coração do governo desde os tempos de Lula e Dilma como tinha poder de mando sobre eles. Além disso, de acordo com o ex-deputado, o presidente beneficiava-se diretamente das propinas recebidas. O deputado já redigiu mais ou menos 130 capítulos de histórias que pretende contar. Não quer dizer que tudo isso será entregue à Procuradoria. “O cardápio da delação está sendo elaborado”, diz um auxiliar de Cunha, que pede para se manter no anonimato porque não está autorizado a falar publicamente do conteúdo da delação em negociação.

Na sua proposta, Cunha pretende demonstrar que Temer é o “verdadeiro chefe” da organização criminosa formada pelo “PMDB da Câmara”. Segundo ele, Temer atuou pessoalmente nas negociações para o repasse de propinas em diversas áreas — da diretoria internacional da Petrobras ao FI-FGTS, um fundo de investimento administrado pela Caixa. Ele prometeu detalhar, por exemplo, os bastidores da liberação de recursos para a concessionária ViaRondon, uma das empresas da família Constantino, fundadora da companhia aérea Gol. Contará que a empresa distribuiu dinheiro a campanhas de políticos do PMDB em troca da decisão que permitiu o financiamento. Tudo, diz, com o aval de Temer. Certa vez, logo depois de ser preso, Cunha chegou a dizer a um de seus defensores que não ficaria na cadeia sozinho. Motivo? “Uma daquelas contas no exterior não guarda dinheiro para mim.” A força-­tarefa da Lava-Jato quer puxar a ponta do novelo que, suspeitam os procuradores, pode ligar o próprio presidente Temer a contas secretas no exterior.

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Recado – De Cunha para Rodrigo Maia: “Avisa que ele será lembrado” (Cristiano Mariz/VEJA)

A delação de Cunha é um furacão que chega em hora particularmente delicada para Temer. No sábado 1º, o presidente festejara duas boas notícias. No dia anterior, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, mandara libertar o ex-assessor Rodrigo Ro­cha Loures, o homem da mala dos 500 000 reais. Marco Aurélio Mello, outro ministro do STF, devolvera o mandato de senador a Aécio Neves, que, enrolado até a medula na Lava-Jato, tornou-se o principal defensor da permanência do PSDB no governo. O Judiciário, alegava Temer, estava finalmente devolvendo o país ao reinado da legalidade e garantindo tranquilidade a sua gestão. Diante de notícias tão boas, Temer retomou os planos, antes abandonados, de viajar para a reunião do G20, na Alemanha.

A calmaria logo virou tormenta. Na segunda-feira, a Polícia Federal prendeu Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo e “amigo fraterno” de Temer, e a relatoria da denúncia contra o presidente na Câmara recaiu sobre um deputado independente (veja reportagem na pág. 40). Além disso, o Congresso, grande sustentáculo do governo, passou a registrar aquele perigoso clima de traição, que encerrou a semana com pregações explícitas a favor da queda de Temer.

As lideranças de duas das maiores legendas governistas, PSDB e DEM, chegaram a decretar nos bastidores o fim do governo e passaram a tratar Rodrigo Maia, comandante da Câmara, como o nome capaz de conduzir a transição até a eleição de 2018. A insurreição aguarda um “fato novo” — sempre ele — para se tornar ostensiva. A delação de Cunha pode catalisar o processo. O ex-deputado tem condições de esclarecer a cadeia de comando e o papel de cada peemedebista na coleta de dinheiro sujo. Eduardo Cunha já avisou que aceita falar sobre isso. Por isso, seus representantes comunicaram aos investigadores que ele dedicará atenção especial não só à atuação de Temer, mas também à dos ministros Eliseu Padilha, chefe da Casa Civil, e Moreira Franco, secretário-geral da Presidência. “Ele acaba com Temer, Padilha e Moreira”, disse a VEJA um dos interlocutores de Cunha que participam das tratativas. Nas negociações da delação, o ex-deputado também prometeu falar de outros cinquenta parlamentares que receberam propinas desviadas de estatais e fundos de pensão. Cassado pela Câmara, Cunha se sente traído pelos antigos colegas e pretende ir à forra. Além de apresentar uma lista dos membros do propinoduto do PMDB, contará, por exemplo, o caso de uma excelência que pediu 1 milhão de reais para salvá-lo no Conselho de Ética.

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No petardo contra Rodrigo Maia, Cunha o acusará de receber propinas em troca de apoio a medidas provisórias. Como é um chantagista nato, nunca se sabe se Cunha tem mesmo a bala que diz ter ou se está apenas distribuindo ameaças. A um interlocutor que o visitou na cadeia, ele fez questão de mandar dizer ao presidente da Câmara que sua situação estava ruim. “Avisa que ele (Maia) também será lembrado”, pediu Cunha. Para piorar a situação, além da colaboração de Cunha, vem aí a do doleiro Lúcio Funaro, responsável pela execução de grande parte dos negócios orquestrados pelo ex-deputado. Funaro vem atualizando os tópicos de sua proposta. Segundo fonte da Procuradoria, ele confessa, num deles, que recebeu da JBS para ficar calado e registra que os pagamentos foram feitos por ordem do presidente da República. Eduardo Cunha também recebeu 5 milhões de reais da JBS para calar-se. Poderá contar que recebeu o dinheiro, em mais de uma remessa, das mãos do próprio empresário Joesley Batista, no Aeroporto de Jacarepaguá, no Rio, para onde ia acompanhado por seguranças da Câmara. Os 5 milhões resultaram na célebre frase de Temer na conversa gravada com Joesley: “Tem que manter isso aí”.

O que mais preocupa o Palácio do Planalto é a derrocada política. “A página virou”, observa um dos políticos mais influentes do país e general das tropas leais ao presidente. O quadro mudou tanto que, nos corredores do Congresso, Rodrigo Maia é tratado como o próximo presidente da República — e assim age. Na quarta-feira, Maia convidou o senador Tasso Jereissati, chefe interino do PSDB, para uma conversa na residência oficial do presidente da Câmara. Eles falaram sobre a formação de um novo governo. O plano é manter a equipe econômica e a agenda reformista que tanto agrada ao mercado, além de convocar pessoas mais qualificadas para alguns postos estratégicos da administração. Após o encontro, Tasso disse publicamente que o país caminha para a ingovernabilidade e que Maia tem totais condições de, como presidente, fazer a travessia até 2018.

Por sua vez, o senador Cássio Cunha Lima, vice-presidente do Senado, afirmou a um grupo de investidores que o governo Temer acabou. Como resposta, ouviu que a troca de comando já estava precificada pelos agentes econômicos. “O navio é o mesmo. Vai mudar o comandante, com alguns tripulantes e passageiros esperando uma cabine melhor”, declarou Cunha Lima a VEJA. No DEM de Rodrigo Maia, o discurso é igual. Com a palavra, um cacique do partido: “Há um consenso entre nós de que o melhor é que o Temer caia. O Temer ficar só é bom para ele e para o PT. Temer não tem projeto para 2018. O DEM quer ter”. A avaliação entre tucanos e democratas é que Temer, que nunca gozou de popularidade, está perdendo as rédeas do Congresso.

Jogando com as aparências, Maia jura lealdade a Temer, e, na semana passada, até ajudou o presidente a conquistar uns votos no Solidariedade, além de pedir pressa na análise da denúncia na CCJ, como quer o Planalto. Nos bastidores, sua campanha está a pleno vapor. Maia segurou a instalação da CPI da JBS, que tinha como alvos ocultos o Ministério Público e o ministro Fachin. Recentemente, ele procurou a presidente do Supremo, Cármen Lúcia, para dizer que seguiria estritamente o rito previsto no processo contra Temer. Passou a negociar com o MP a aprovação, no pacote das dez medidas de combate à corrupção, de uma regra que permita aos procuradores fechar acordo com políticos investigados por caixa dois antes que estes sejam denunciados. A ideia é economizar tempo e dinheiro público, deixando os investigadores livres para apurar casos de corrupção. Se adotada, a medida abrirá brecha para que casos como o que envolve o próprio Maia — acusado de receber 100 000 reais via caixa dois, numa planilha em que é identificado como “Botafogo” — escapem de punição.

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Cada vez mais isolado, Temer torce para que a promessa de lealdade que ouviu de Maia seja cumprida. Na quinta-feira, um de seus assessores acreditava nela: “O Rodrigo está cercado de gente que o incentiva a trabalhar para ser presidente. É enxame de moscas azuis, mas ele não foi picado”. Na sexta-feira, no entanto, o chefe do escritório da Presidência da República em São Paulo, Arlon Viana, amigo de longa data de Temer, acusou o golpe: “Rodrigo Maia, o ‘Botafogo’ investigado pela Lava-Jato, está tentado pela mosca azul, segundo amigos do DF. Ele figura na planilha da Odebrecht!!!”, escreveu numa rede social. A disputa pela cadeira de presidente da República foi deflagrada.


Amigos presos, amigos sumindo assim…

Todos os homens mais próximos do presidente estão enroscados nas investigações de corrupção da Lava-Jato

(Pedro Ladeira/Folhapress; Jefferson Coppola; José Cruz/Ag. Brasil; Lailson Santos; Bruno Santos; Valter Campanato/Ag.Brasil; Ag. Câmara/VEJA)

1 – MOREIRA FRANCO (Secretário-geral da Presidência)
É acusado de ter pedido 4 milhões de reais em propina para abastecer campanhas eleitorais em 2014, quando ocupava a Secretaria de Aviação Civil no governo Dilma

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2 – HENRIQUE ALVES (Ex-ministro do Turismo)
Está preso sob a acusação de receber mais de 7 milhões de reais em propinas pagas por empreiteiras envolvidas na construção do estádio Arena das Dunas, em Natal

3 – CORONEL LIMA (Amigo)
O militar foi acusado de receber 1 milhão de reais em espécie da JBS e bancar despesas pessoais da família Temer, como reformas em um imóvel de uma das filhas do presidente

4 – ELISEU PADILHA (Ministro da Casa Civil)
Talvez o mais próximo auxiliar do presidente Temer, Padilha foi acusado de receber parte de 10 milhões de reais em propina paga pela empreiteira Odebrecht ao grupo político de Temer

5 – EDUARDO CUNHA (Ex-presidente da Câmara)
Foi cassado, preso e condenado a mais de quinze anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, acusado de receber 1,5 milhão de dólares de propina

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6 – JOSÉ YUNES (Amigo e ex-assessor)
Pediu demissão sob a suspeita de atuar como arrecadador de propina para Michel Temer e para o PMDB. Foi citado como destinatário de 1 milhão de reais da empreiteira Odebrecht

7 – TADEU FILIPPELLI (Ex-assessor)
Foi preso depois de uma investigação do Ministério Público Federal ter apurado cobrança de propina das empreiteiras responsáveis pela construção do Estádio Mané Garrincha, em Brasília. Está solto

8 – RODRIGO ROCHA LOURES (Ex-assessor)
“O homem da mala”, Rocha Loures foi flagrado recebendo 500 000 reais de propina em troca de favorecimentos ao grupo JBS. Libertado da cadeia, usa tornozeleira eletrônica

9 – GEDDEL VIEIRA LIMA (Ex-ministro da Secretaria de Governo)
Foi preso na semana passada. Ele é suspeito de ter recebido 20 milhões de reais em propina de empresas favorecidas num esquema de fraudes em empréstimos da Caixa

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538

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