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Força, Arthur

Coluna publicada na edição nº 2538 de VEJA

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 8 jul 2017, 06h00 - Publicado em 8 jul 2017, 06h00

O BRASILEIRO Arthur recebeu, antes de nascer, a competente saudação de boas-vindas ao Rio de Janeiro. Uma bala perdida atingiu-o na barriga da mãe, que voltava das compras em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, na sexta-feira 30. Formou-se um coágulo em sua cabeça e suas pernas perderam os movimentos. O parto teve de ser antecipado em alguns dias, e os médicos, na quinta-feira da semana passada, mantinham a esperança de salvar a criança. Coragem, Arthur. Naqueles mesmos dias:

1. A Polícia Federal deixou de emitir passaportes e a Polícia Rodoviária Federal diminuiu a vigilância nas estradas por falta das verbas que atenderiam a tais serviços. Era um sinal de que o Rio de Janeiro de hoje pode ser o Brasil de amanhã. Bem-vindo ao Brasil, Arthur. Vivemos um momento em que o presidente da República deixou de presidir a República para canalizar os esforços para a permanência no cargo.

2. No Senado, o parlamentar que havia sido afastado por força de decisão judicial fez sua reestreia alegando que o dinheiro recebido de um empresário foi uma operação legal. “O empréstimo seria regularizado e pago”, disse. “Tratou-se de um negócio entre pessoas privadas.” Então ficamos assim, Arthur: ao pedir um empréstimo, mesmo perfeitamente legal e de estrito interesse privado, convém levar uma mala para recebê-lo; e não se esquecer de, em vez de ir pessoalmente, escalar um primo para o serviço.

3. Em outro desdobramento da política, o presidente da República disse que nada tem a ver com a mala de dinheiro recebida por um intermediário de sua mais estrita confiança. Como o intermediário é pessoa de boa índole, e portanto nunca se apropriaria de dinheiro indevidamente obtido, então toda a atenção é pouca, Arthur, porque pode sobrar para você. Absurdo por absurdo, pode ser o leitor, pode ser o colunista e pode ser também você. Alguém tem de ser o culpado pelo conteúdo daquela mala empurrada em passos apressados e fugidios à porta de uma pizzaria em São Paulo.

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Balas perdidas não são tão perdidas assim. São efeitos lógicos de um certo estado de coisas

4. Prepare-se, Arthur, para uma vida de perigos. Fora da barriga de sua mãe, você continuará exposto às balas. A menina Vanessa Vitória, de 11 anos, foi morta dentro de casa, numa favela de Lins de Vasconcelos, na última terça-feira. Na quarta-feira, a menina Samara, de 14, foi atingida no pátio da escola — caçar crianças na escola virou uma obsessão das balas. Samara teve o pulmão perfurado e passou a lutar pela vida.

5. Ô Arthur, que irresponsabilidade a sua, nascer neste tempo, nesse lugar. Segundo contabilidade do jornal O Globo, balas perdidas fazem três vítimas por dia no Estado do Rio de Janeiro. Escreveu a colunista Cora Rónai: “Em qualquer lugar que se proclame em paz, todo esse sangue derramado causaria uma crise nacional, com demissão e renúncia de autoridades, processos, investigações. Aqui, como em outras cidades sitiadas, as notícias caem como pedras na água, traçam alguns breves círculos de comoção e pronto, nunca mais se fala no assunto”.

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6. Aprenda a desconfiar, Arthur. Primeira lição: balas perdidas não são tão perdidas assim. Elas são a consequência lógica de um certo estado de coisas — político, social e moral. Ao denunciar um político preso na semana passada, o Ministério Público afirmou que o político em questão, até outro dia um dos principais no Palácio do Planalto, era um “criminoso em série”. O Brasil é um país em que os corruptos seriais assumiram o comando. A podridão moral deles é o fio invisível que dirige a bala, do alto em que habitam até os cafundós, Brasil afora, em que saem ao encalço das crianças.

7. Você nasceu empapado de sangue, Arthur — o seu sangue, não o de sua mãe, e sobreviveu graças à heroica atuação da equipe do Hospital Moacyr do Carmo. Sua mãe, que naquele mesmo dia tinha comprado o carrinho de bebê, foi socorrida, no mesmo hospital, da bala que lhe perfurou os quadris e chegou ao útero. Na quinta-feira, ela passava bem. Os otimistas dizem que o Brasil se encontra na encruzilhada entre o velho e o novo. O velho resiste, mas será inevitável a vitória do novo. Você foi baleado logo de saída, mas é o novo, Arthur. Vamos em frente. Força, Arthur.

Publicado em VEJA de 12 de julho de 2017, edição nº 2538

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