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Fim de jogo: Temer ficou

De costas para a opinião pública, deputados arquivam segunda denúncia contra Michel Temer — e penduram conta de 45 bilhões de reais no bolso dos brasileiros

Por Daniel Pereira Atualizado em 27 out 2017, 06h00 - Publicado em 27 out 2017, 06h00

Não havia dúvida de que o destino da segunda denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra Michel Temer seria a gaveta. Mesmo assim, o arquivamento não ocorreu sem sobressaltos para o presidente da República. Às 12h50 da quarta-feira 25, Temer chegou ao Hospital do Exército, em Brasília, com um coágulo na bexiga (veja o quadro). Enquanto era atendido pela equipe médica, seus aliados fracassavam na tentativa de arregimentar o número mínimo de deputados para que a denúncia começasse a ser votada. Por falta de quórum, a primeira sessão convocada para tratar do assunto encerrou-se às 14h23, logo depois da notícia da internação do presidente. Àquela altura, a fragilidade de Temer parecia crescente, e os governistas falavam da possibilidade de adiamento da votação. Em questão de horas, o quadro clínico e político virou. Às 20h13, Temer deixou o hospital caminhando. Às 20h35, a Câmara colheu o voto decisivo para o arquivamento da denúncia da PGR. Estava selada a sua redenção. Estava sacramentada — mais uma vez — a vitória de um método de fazer política.

Em junho, Temer livrou-se de um processo de cassação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em que eram abundantes as provas de que, junto com a sua colega de chapa, Dilma Rousseff, usara dinheiro sujo para reeleger-se. Em agosto, escapou da primeira investida da PGR, estrelada por um de seus homens de confiança, cuja imagem saltitando na rua com uma mala com 500 000 reais de propina da JBS entrou para os anais da corrupção nacional. Agora, safou-se da segunda investigação, na forma de uma acusação de obstrução de Justiça e participação em organização criminosa que teria embolsado 587 milhões de reais em propina.

25/10/2017- Brasília- DF, Brasil- Oposição comemora a falta de quórum na primeira sessão que discuti denúcia de temer e ministros. Deputado Darcísio Perondi fazendo contas dos deputados presentes. Foto: Lula Marques/AGPT
Barganha – Darcísio Perondi: conferindo a lista de pedidos dos deputados (Lula Marques/PT)

Nos três casos, as vitórias de Temer não decorreram da consistência de seus argumentos de defesa, das explicações ou de contraprovas, mas da combinação de fatores políticos. Nenhum partido de ponta, nem mesmo o PT, queria apeá-lo do poder. Houve um consenso tácito de que não fazia sentido trocar o presidente a um ano da eleição — ainda mais um presidente que não cobiça um novo mandato, faz acenos a favor de reformas estruturais e, aparentemente, não se incomoda em ocupar a posição de presidente mais impopular da história democrática do país nem em ouvir protestos frequentes, como o de artistas no Rio de Janeiro na semana passada. Com o jogo a favor, Temer acionou a ferramenta que seu partido, o PMDB, manipula com destreza ímpar: o fisiologismo.

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Para afastar o risco de ser derrotado na Câmara, o presidente abriu o cofre do governo, liberando dinheiro de emendas parlamentares, fazendo concessões fiscais a devedores e adiando projetos que, de outro modo, poderiam incrementar a receita (veja abaixo). Somando-se todas as operações, a conta para o contribuinte brasileiro é da ordem de 45 bilhões de reais. Houve ainda custos pesados que extrapolam a questão financeira. O mais recente deles foi a mudança nas regras sobre combate ao trabalho escravo. “Os esforços para recusar a denúncia e processar o presidente Michel Temer não são, como muitos pensam, apenas uma questão orçamentária”, escreveu o professor da FGV Direito Rio Joaquim Falcão em artigo lapidar publicado em O Globo. “Trata-­se de algo mais. Trata-se de leiloar a Constituição. Conceder direitos que valem mais do que recursos financeiros. Direitos contra acordos internacionais, contra a dignidade da pessoa humana, direitos contra os cidadãos.”

(Arte/)

Para que a Câmara autorizasse o Supremo Tribunal Federal (STF) a investigar o presidente, eram necessários os votos de 342 deputados, mas apenas 233 defenderam essa iniciativa — seis a mais do que o registrado na análise da primeira denúncia. Outros 251 deputados se manifestaram pelo arquivamento, doze a menos do que no caso anterior. Nesse ritmo, com seu apoio caindo doze votos a cada votação, seriam necessárias mais sete denúncias da PGR contra Temer para que a investigação fosse autorizada.

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Como boa parte dos deputados também é alvo da Operação Lava-Jato, defender o presidente significava, em última instância, defender a si mesmos. Um caso clássico de solidariedade em causa própria. O primeiro voto a favor de Temer foi do notório deputado Paulo Maluf (PP-SP). Já o voto que selou o arquivamento da denúncia, o de número 171, simbólico como o seu correspondente no Código Penal, partiu de Celso Jacob (PMDB-­RJ), que, cumprindo pena em regime semiaberto, só pode sair da cadeia para dar expediente na Câmara. Durante a sessão, os ministros que se licenciaram dos cargos para retomar o mandato e votar a denúncia eram cobrados a todo momento pelos colegas.

“E a minha liberação? Está confirmada?”, perguntou Lindomar Garçon (PRB-RO) a Leonardo Picciani, ministro do Esporte, assim que o viu pisar no plenário. “Eu só marco presença depois do senhor”, emendou. Garçon ouviu a promessa de que a construção de uma vila olímpica pleiteada por ele sairá do papel. Ato contínuo, votou com Temer. No plenário, Darcísio Perondi (PMDB-­RS), vice-líder do governo, não se desgrudava de uma lista com pedidos de deputados. Com ela em mãos, puxou pelo braço o ministro do Desenvolvimento Social e Agrário, Osmar Terra. “Quando te dou a minha listinha para tu aprovar?”, perguntou. “Eu libero tudo, Perondi, já disse, mas quando tiver orçamento, porque agora eu tô sem dinheiro”, respondeu Terra. Fez-se a tréplica: “Amanhã eu vou lá te visitar”. Na tentativa de sepultar a denúncia, o governo passava por cima até de seu discurso de que não tolera traições. O Podemos, cuja presidente votou contra Temer nas duas denúncias, conseguiu duas diretorias da Funasa para apadrinhados dos deputados Aluisio Mendes (MA) e Ademir Camilo (MG). Foi mais um dia de festa para o baixo clero.

RIO DE JANEIRO, RJ, 24.10.2017: PROTESTO-RIO - Manifestantes e artistas realizam o protesto ''Inaceitável'', contra o presidente Michel Temer, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), e o ministro do STF, Gilmar Mendes, na região central do Rio de Janeiro (RJ) nesta terça-feira (24). O protesto é organizado pelo #342 artes, liderado pela produtora Paula Lavigne, (Foto: Ricardo Borges/Folhapress)
Fora, Temer – Protesto de artistas no Rio de Janeiro: o presidente mais impopular da história democrática (Ricardo Borges/Folhapress)

Cientistas políticos ouvidos por VEJA dizem que a barganha, apesar de provocar repulsa na opinião pública, está dentro da regra do jogo. Em regimes democráticos, o presidente precisa partilhar recursos orçamentários, cargos na máquina pública e nacos de poder para formar maiorias. A lógica não é uma exclusividade do chamado presidencialismo de coalizão brasileiro. Doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Rui Tavares Maluf afirma, no entanto, que é possível estreitar a margem da barganha. Uma alternativa seria a adoção da cláusula de desempenho, já aprovada pelo Congresso, acompanhada do voto em lista e/ou distrital. Essas medidas resultariam em menos partidos e, ao mesmo tempo, em partidos mais representativos, o que tornaria menos custosas as negociações do presidente com o Congresso. Para o cientista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, o problema não está na barganha em si, mas no resultado que ela produz. Temer, por exemplo, deixou de lado a agenda reformista para, em troca da preservação de seu mandato, atender a interesses particulares e setoriais.

Cortez ressalta que o eleitorado não vê com bons olhos os termos das barganhas, mas, quando tem a oportunidade, nem sempre vota para mudar os agentes políticos, substituindo-os por atores comprometidos a perseguir, em suas negociações, o interesse público. Há indignação demais para reação de menos. A eleição de 2018 será um momento ideal para romper esse ciclo. “Ou outros atores buscam ocupar esse espaço ou vai continuar esse sentimento de insatisfação e desconexão entre a política tal como é praticada e as expectativas do eleitorado”, diz Cortez. Enquanto esse abismo existir, o que hoje é considerado velho e ultrapassado continuará atual e produzindo espetáculos como o de quarta-feira, quando a última coisa levada em conta na decisão da maioria dos deputados, inclusive os de oposição, foi o interesse público.

Com reportagem de Marcela Mattos

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Coágulo na bexiga

A obstrução urinária que levou Michel Temer, de 77 anos, a ser internado em Brasília na quarta-feira 25 foi provocada por um coágulo na bexiga. Divulgou-se, inicialmente, que o presidente havia sofrido uma hiperplasia prostática, o aumento da glândula, comumente associada a problemas urológicos. Não foi o que ocorreu. Há seis anos, Temer foi submetido à extração total da próstata, tratamento que em alguns poucos casos pode levar a incontinência e impotência.

A origem do trombo na bexiga ainda será investigada a fundo, mas a hipótese mais considerada pelos médicos é que a formação do coágulo esteja relacionada à própria cirurgia de retirada da próstata. A extirpação pode tornar os vasos nos órgãos ao redor da glândula inchados e, portanto, suscetíveis ao desenvolvimento de trombos, sobretudo em homens com mais de 70 anos. Temer toma regularmente ao menos dois antiagregantes para inibir a formação de trombos — Aspirina e clopidogrel.

(Arte/)

O presidente começou a sentir os sintomas da obstrução (desconforto na região abdominal e dificuldade para urinar) na própria quarta-feira de manhã. No dia anterior, havia participado de um jantar, sem apresentar nenhum mal-­estar. Procurou o departamento médico do Palácio da Alvorada, onde a obstrução foi detectada. O profissional de plantão recomendou-lhe a internação hospitalar. Temer chegou ao Hospital do Exército, em Brasília, no começo da tarde, caminhando e foi levado ao centro cirúrgico. Um exame endoscópico (que rastreia os órgãos internamente) identificou o coágulo, facilmente extraído por meio de uma punção. Em seguida, foi submetido a uma cistoscopia, que consiste na introdução de uma sonda na uretra para retirar a urina da bexiga.

Temer teve alta no início da noite, depois de ter permanecido sete horas no hospital. O avião presidencial estava preparado para a transferência imediata do presidente para São Paulo, caso houvesse alguma emergência. Só no sábado, depois de retirar a sonda que leva na cintura, é que ele deve viajar para a capital paulista. Será submetido a um check-­up completo no Hospital Sírio-Libanês. O quadro de saúde de Temer é bom e não pede cuidados especiais.

Adriana Dias Lopes

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Publicado em VEJA de 1º de novembro de 2017, edição nº 2554

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