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Fantasmas do passado

Um colega de Bolsonaro está disposto a revelar bastidores de sua participação no planejamento de um atentado terrorista em 1987

Por Gabriel Castro Atualizado em 15 jun 2018, 06h00 - Publicado em 15 jun 2018, 06h00

Líder nas pesquisas de intenção de voto, o deputado Jair Bolsonaro é refém de um episódio nebuloso ocorrido há trinta anos. Em 1987, quando era capitão do Exército e servia numa unidade do Rio de Janeiro, ele liderou um movimento que reivindicava aumento salarial para os militares. Na época, esse tipo de manifestação era visto como um perigoso ato de insubordinação diante da frágil democracia que dava seus primeiros passos. Impetuoso, o jovem Bolsonaro radicalizou. Uma reportagem de VEJA, publicada em outubro daquele ano, revelou que ele articulou um plano terrorista: detonar bombas dentro dos quartéis com o objetivo de pressionar o governo. Depois da denúncia, Bolsonaro deixou o Exército. O caso, apesar de ter decretado o fim de sua carreira militar, assegurou ao capitão uma certa popularidade dentro e fora da caserna. Tanto que, em 1988, ele foi eleito vereador com 11 062 votos e, dois anos depois, obteve o primeiro de sete mandatos como deputado federal.

Agora, o mesmo atentado que garantiu o ingresso do ex-capitão na política volta como uma ameaça à sua candidatura ao Palácio do Planalto. Bolsonaro sempre negou ter planejado o ataque a bomba. A seu favor, exibe uma sentença do Superior Tribunal Militar (STM), que o absolveu depois que o Exército decidiu expulsá-lo da corporação. Mas a história pode sofrer uma reviravolta que tem sabor de chantagem. Na época, um segundo militar — o também capitão Fábio Passos da Silva — foi apontado como parceiro de Bolsonaro no planejamento das explosões. Assim como Bolsonaro, ele foi absolvido pela Justiça Militar. Mas, ao contrário de Bolsonaro, continuou no Exército, aposentou-se com a patente de coronel e, durante essas três décadas, cumpriu um voto de silêncio sobre o caso. VEJA localizou o ex-militar, que deixou o Rio de Janeiro e se mudou para Fortaleza depois da aposentadoria. Ele se recusou a dar entrevista, mas fez uma revelação: disse que contaria a verdadeira história do plano terrorista em troca de 250 000 reais — e tudo sugere que, em troca do mesmo dinheiro, está disposto a manter seu voto de silêncio.

Bomba - O croqui que teria sido feito pelo então capitão Bolsonaro (//Reprodução)

Jair Bolsonaro e Fábio Passos se conheceram em 1977, como cadetes da Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, no interior do Rio de Janeiro. Tinham uma relação pessoal muito próxima. As filhas de Passos chamavam Bolsonaro de “tio”. Os dois eram vizinhos na Vila Militar, e as esposas, ativas nos movimentos por melhores salários. (Até hoje é comum que mulheres de militares assumam a linha de frente dos movimentos para proteger os maridos de punições.) Na época, Bolsonaro era casado com Rogéria Nantes, de quem se divorciou em 2001. A esposa do coronel é Lígia D’Arc Passos, com quem ele está casado até hoje.

Vou falar sobre o que está nos autos e sobre o que ficou de fora.

coronel Fábio Passos

Em outubro de 1987, a reportagem publicada por VEJA sobre os detalhes do atentado batizado de Beco sem Saída informava que o plano fora traçado numa reunião ocorrida no apartamento de Passos, com a presença de sua mulher, Lígia D’Arc, e de Bolsonaro. A reportagem mostrou, inclusive, um croqui de uma bomba, desenhado de próprio punho por Bolsonaro. O Exército instaurou uma investigação. Passos e Bolsonaro foram considerados culpados por “conduta irregular e aética e atitudes incompatíveis com o pundonor militar e o decoro da classe”. No Superior Tribunal Militar, porém, a dupla reverteu a decisão. Dois laudos periciais atestaram que os desenhos foram, de fato, feitos por Bolsonaro. Mas outros dois laudos disseram que não havia como determinar com certeza absoluta a autoria dos desenhos. Na dúvida, o tribunal militar absolveu os dois capitães por 9 votos a 4. Depois disso, Bolsonaro partiu para a política, e Passos continuou sua carreira, até a aposentadoria, em 2000.

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No primeiro contato telefônico para entrevistar o coronel, VEJA foi atendida por Lígia D’Arc, a esposa. Falando em nome do marido, ela, de início, mostrou-se refratária. Dias depois, refez contato e marcou um encontro em Fortaleza. Foi direto ao assunto. “Se você pagar 250 000, terá a entrevista”, disse. Sobre a necessidade do pagamento, o próprio coronel se encarregou de tentar explicar. “Isso vai gerar muita retaliação contra mim”, afirmou, sem explicar a que se referia. VEJA não paga por entrevistas, mas quis saber o que o casal teria para contar. A resposta de Lígia D’Arc: “Tudo”. Ela ainda disse que contar a verdade seria um alívio após três décadas de silêncio. “Por um lado vai ser bom. A gente vai ficar liberto”, afirmou. Perguntado sobre o que teria para revelar, o coronel foi genérico: “Vou falar sobre o que está nos autos e sobre o que ficou de fora”. Lígia D’Arc não é uma mera coadjuvante no episódio da bomba. Na época da denúncia, ela foi a primeira a falar a respeito do atentado à reportagem de VEJA. Atualmente evangélica, afirma que, por causa de sua fé, não mente. Indagada se era verdade que os atentados foram planejados em sua casa, com a participação de seu marido e do hoje deputado Bolsonaro, esquivou-se: “Não vou responder nem que sim nem que não”.

Périplo - Lígia com Eduardo Bolsonaro: conversa sobre dinheiro com o pai (//Reprodução)

Não foi apenas a VEJA que Lígia e Passos tentaram vender seus segredos. Em março, a esposa do coronel esteve com o próprio Jair Bolsonaro em Brasília. Acompanhada de sua filha Fabia Karennina — pré-candidata a deputada estadual pelo PSL, o partido do deputado —, Lígia foi ao gabinete, tirou fotografias com o amigo presidenciável e, sem rodeios, disse estar passando por dificuldades financeiras. A VEJA, Bolsonaro confirmou o encontro e disse que, ao perceber que a conversa estava migrando para um perigoso terreno financeiro, tratou de encerrar a audiência. O deputado explica: “Eu sei o que é chantagem. Por exemplo: a pessoa me chantageia agora, eu dou 3 000 na mão dela. No mês que vem ela vai pedir mais 3 000. A gente sabe que isso não tem fim”. Afinal, a mulher teria de fato algo a revelar? “Qualquer coisa que ela falar contra mim vai falar contra o marido dela. Complicaria a situação…”, disse o deputado. E logo emendou: “Não é que complicaria, não complicaria nada. Mas ela pode fantasiar, inventar coisas, até para poder valorizar a história”.

Se você pagar 250 000, terá a entrevista. Vai ser bom. A gente vai ficar liberto.

Lígia D’Arc passos, esposa do coronel

Lígia também procurou o deputado Marco Feliciano (Podemos-SP), aliado de Bolsonaro, para pedir ajuda financeira. Antes, esteve com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL­-SP), filho do presidenciável. Contou ao parlamentar que estava sendo procurada por VEJA e não sabia como reagir. Eduardo Bolsonaro confirma o encontro e a conversa, e garante que não se falou em dinheiro. Diz apenas que orientou a mulher a se precaver contra as distorções da imprensa.

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O coronel Fábio Passos é uma figura instável. Segundo os registros do Exército, ele foi o pior aluno de sua turma. Além disso, à época do episódio das bombas, ele havia abandonado o prestigiado Instituto Militar de Engenharia (IME). Também vivia um conflito existencial por ter se aproximado das Testemunhas de Jeová, grupo religioso cujos membros se recusam a servir no Exército. O achatamento dos salários nos tempos de hiperinflação do governo Sarney parece ter sido o estopim para a radicalização. Sua ficha funcional o descreve como um militar de talento mediano e poucas palavras.

RELATÓRIO - O Exército concluiu que Passos era culpado por “conduta irregular e aética e atitudes incompatíveis com o pundonor militar” (Cristiano Mariz/.)

Nos anos 2000, enquanto o deputado Bolsonaro aumentava sua base eleitoral, Passos, já na reserva, formou-se em matemática e engenharia elétrica, fez mestrado e deu aula como professor substituto na Universidade Federal do Ceará entre 2014 e 2015. Os ex-alunos dizem que o professor era hábil tecnicamente, mas rigoroso demais. Chegou a ser acusado de humilhar alunos, pois expunha publicamente as notas dos estudantes que considerava pouco empenhados. Alguns alunos ficaram sabendo do passado do ex-militar e, durante uma aula, perguntaram sobre o atentado terrorista. Na ocasião, segundo o depoimento de um ex-estudante que estava presente à aula, o professor ficou visivelmente incomodado e foi seco. Limitou-se a dizer que acusações foram distorcidas. Nunca mais tocou no assunto.

Publicado em VEJA de 20 de junho de 2018, edição nº 2587

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