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“É caro ser pobre”

Para Daniel Schulman, CEO do PayPal, a era das transações digitais é a única saída para incluir no sistema financeiro a grande massa sem dinheiro

Apresentado por Atualizado em 17 ago 2018, 19h33 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00

O americano Daniel Schulman interfere na vida financeira de 244 milhões de pessoas, entre consumidores e comerciantes. Esse é o alcance do PayPal, o pioneiro programa de pagamentos on-line criado em 1998 por nomes estelares da indústria da tecnologia, como o americano Peter Thiel, que se tornaria o primeiro investidor do Facebook, e o sul-africano Elon Musk, fundador da fabricante de carros elétricos Tesla. O PayPal é tido como protagonista de uma transformação radical pela qual passa o sistema bancário. Em 2014, aos 56 anos, Schulman assumiu o cargo de CEO, depois de trabalhar em multinacionais como a AT&T, a líder da indústria telefônica nos Estados Unidos. Tornou-se uma das maiores referências quando o assunto é o vaivém da economia, cada vez mais pautada por inovações como as criptomoedas e o blockchain, o sistema que dispensa a intermediação de bancos em negociações virtuais. Nesta entrevista a VEJA, Schulman explica como essas novidades mudarão a forma de lidar com o dinheiro.

Depois da revelação de que o Facebook compartilhava dados privados de usuários com uma consultoria política, aumentou a preocupação com as informações armazenadas na internet. Como garantir que são seguras as transações financeiras on-line? A questão da segurança é central. Nos últimos vinte anos, avanços em inteligência artificial permitiram o aperfeiçoamento de sistemas financeiros como o PayPal. Mesmo quando consegue invadir uma conta, um hacker não tem acesso ao dinheiro em si. Considere o nosso exemplo. Desenvolvemos um token que criptografa todas as negociações, sem revelar nenhum detalhe da operação, o que inviabiliza vazamentos. Para empresas do ramo financeiro, a segurança dos dados é o principal pilar. Há criminosos sofisticados, e a indústria de serviços bancários é obviamente o mais ambicioso de seus alvos. Do nosso lado, considerando o mercado como um todo, temos a nosso favor mais de sessenta anos de experiência em transações eletrônicas. Isso não começou com a internet, como supõe a maioria, e sim com os cartões de crédito. Evidentemente, sempre teremos de manter os olhos abertos. Nisso, porém, estamos à frente dos mal-intencionados.

As moedas digitais, como a bitcoin, são o futuro do dinheiro? Quando pensamos nas criptomoedas, é necessário separar algumas coisas. Um elemento é a bitcoin. Outro é a tecnologia por trás dela, o chamado blockchain (corrente de blocos, no termo em inglês). As moedas virtuais são impróprias, não são legítimas, principalmente por serem voláteis demais. Um vendedor comum poderá perder 10% de um negócio, do dia para a noite, caso aceite criptomoedas como pagamento. Por outro lado, a bitcoin tem papel no fortalecimento de um mecanismo inovador, que é o blockchain. Sem a primeira, não existiria o segundo.

O que tem de tão inovador no blockchain? Por esse método, a confiança que antes era inteiramente depositada em uma instituição mediadora das transações, como um banco, passa a ser compartilhada entre todos os que participam das negociações com as moedas virtuais. Quem checa a confiabilidade é a própria comunidade que usa o blockchain. Assim, eu e você podemos concluir uma transação financeira sem nos conhecermos e sem que seja necessário confiar em uma autoridade central. A própria máquina, por meio do software, é capaz de garantir, com seus algoritmos, que a confiança não seja quebrada.

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“Os banqueiros terão de entender que perderão o papel de simplesmente servir de depósito de confiança do dinheiro. O protocolo da bitcoin acaba de vez com essa centralização”

Quem checa se nada correu fora do combinado? Todos aqueles que dependem do blockchain para executar suas transações comerciais. As criptomoedas podem ou não evoluir, tornando-se, ou não, legítimas. Independentemente disso, o blockchain se desenvolve e ganha força como uma solução incrível. As pessoas têm se distraído demais com as notícias que põem as moedas digitais em dúvida, esquecendo o papel principal delas, que é servir de base para a criação desse sistema.

Os bancos vão se adaptar a essa lógica? Os banqueiros terão de entender que perderão o papel de simplesmente servir de depósito de confiança do dinheiro. O protocolo da bitcoin acaba de vez com essa centralização e se volta para uma lógica bem antiga, a de responsabilizar os indivíduos por essa garantia de credibilidade. Levará uns dez anos para percebermos o imenso impacto dessa transformação. Este, porém, é o momento em que todos os que trabalham no sistema financeiro devem repensar como vão agir diante da mudança. Acredito que os bancos vão se adaptar, apoiando-se no valor de outros serviços que oferecem — como os de aconselhamento, ajudando clientes a poupar, a encontrar melhores preços, em resumo, servindo de referência para quem quer administrar corretamente as finanças pessoais.

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Quem regulará esse novo modelo, de evidente alcance global e que, logo mais, terá de se adaptar a economias em estágios distintos de desenvolvimento? Está aí um ponto que ainda precisa ser determinado. Hoje, cada país observa o fenômeno por um ângulo diferente. Legisladores têm tido trabalho para compreender qual seria o jeito certo de lidar com esse cenário. O que realmente se sabe é que algo precisa ser definido. Mas é inescapável: inovações como as dos pagamentos digitalizados são definitivas.

Em 1998, quando foi criado, o PayPal sofreu resistência similar à hoje encarada por essas novidades? Um novo modelo de negócio começa em um ponto inicial e precisa se transformar com o decorrer do tempo para se adaptar a demandas, ser aceito e, assim, ter impacto significativo no futuro. Há resistência contra cada transformação. É cedo para definir o tamanho da aversão com que será recebida a tecnologia do blockchain. Mas podemos tomar o PayPal como exemplo de como evoluir a partir dessa rejeição inicial. No começo, nós nos limitávamos a ofertar serviços de pagamento por meio de dispositivos do estilo palm, que hoje nem são mais usados. Desde então, evoluíamos para uma plataforma que aceita qualquer variedade de dinheiro. Somos uma empresa inteiramente distinta até do que éramos quatro anos atrás. Insistimos e progredimos.

Quais as principais vantagens de tornar o dinheiro totalmente digital? Há um enorme benefício: a democratização do sistema financeiro. Estamos transformando o modo como segmentos desfavorecidos da sociedade movimentam o próprio dinheiro. Serei direto: hoje é caro demais ser pobre. Para quem não tem dinheiro, qualquer tipo de transação custa muito mais e demora tempo demais. Por vezes, isso representa ficar horas em filas e pagar juros crescentes. No fim, quem mais precisa de ajuda para estabelecer uma saúde financeira acaba sendo excluído da economia.

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“A China deu um salto do sistema antigo em direção ao novo. A Índia também. Nos dois casos, são caminhos para que mais chineses e indianos possam participar da economia de seu país”

De quantas pessoas o senhor está falando? Pode parecer que me refiro a um pequeno grupo. Mas na verdade esses excluídos somam mais de 1,7 bilhão de pessoas. Mesmo em um país rico, o cenário não é o ideal. Nos Estados Unidos, 50% dos cidadãos não conseguem levantar nem 400 dólares em situações de emergência, como os casos de urgência médica. Assim, quando ocorre um imprevisto, eles acabam por mergulhar numa espiral sem fim de destruição financeira. É isso que o blockchain pode resolver.

Como? Avanços tecnológicos permitiram à maior parte das pessoas ter um smartphone. No Brasil, se não me engano, a porcentagem da população que possui um celular do tipo já é de aproximadamente 50%. Quando se conecta esse dispositivo a aplicativos como o nosso, constrói-se todo um sistema financeiro, gratuito, na palma da mão. Assim, podem-se executar transações financeiras, antes custosas, de forma quase instantânea. É desse modo que se democratiza a economia, trazendo para o sistema os excluídos.

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Como essa democratização pode ser sentida na sociedade? Quando se incluem pessoas que nem eram consideradas consumidoras pelas instituições tradicionais, isso acaba por conscientizá-las sobre como poupar e como gastar sem se render a taxas e juros desnecessários. E isso muda tudo. Cada pessoa, cada empresa, por menor que seja, ganha o direito de ingressar na economia global, inteiramente conectada. Permite-se assim o desenvolvimento de muitos novos negócios.

Já há bons exemplos dessa transformação? A China deu um salto do sistema antigo em direção ao novo. Na Índia, o governo incentiva a população carente a usar smartphones e aplicativos para realizar transações comerciais. Nos dois casos, são caminhos para que mais chineses e indianos possam realmente participar da economia de seu país.

Por cerca de uma década, o PayPal praticamente monopolizou esse novo cenário. Recentemente, surgiram empresas concorrentes, como a Apple e o Google. A democratização chegou também ao topo da pirâmide? Isso é bom. Em vez de encararmos as novidades como concorrentes, optamos por nos integrar a elas. Criamos parcerias que possibilitaram que, via PayPal, a pessoa pague da maneira que quiser. Seja por meio de bancos tradicionais, seja pelo Apple Pay, pelo Google Pay, pelo Visa Checkout. A revolução financeira pela qual passa o mundo só será viável se todos os atores envolvidos nesse jogo se unirem para tal — incluindo aí bancos e governos.

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Será o fim do dinheiro em cédula e dos cartões? Os clientes verão cada vez mais as vantagens dos pagamentos digitais, principalmente por meio de dispositivos móveis. No PayPal, os pagamentos via celular cresceram 52% apenas no último ano, o que representa agora um volume total de 49 bilhões de dólares. O caminho para o futuro está se desenhando.

Até agora, pessoas do mesmo tipo, em geral homens brancos, dominaram as maiores fortunas. Essa democratização de que o senhor tanto fala chegará à elite global? A diversidade do mundo é um fato. Já a inclusão é escolha. Quando se democratizam as possibilidades financeiras, é natural que se distribua o poder. Isso deve mostrar às empresas que é inteligente ter times igualmente diversos, inclusive entre os executivos no topo. Tome o PayPal como exemplo. Sei que temos melhor desempenho por apostarmos nessa diversidade na liderança. No quadro de diretores, 45% são mulheres e outras minorias. Não à toa, é com essa equipe que montamos um sistema de pagamento inclusivo, pelo qual se julgam números, jamais diferenças de gênero ou etnia.

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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