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Direito das ruas

Coluna publicada em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

Por J.R. Guzzo Atualizado em 1 dez 2017, 06h00 - Publicado em 1 dez 2017, 06h00

É comum ouvir que as coisas vão realmente mal num país quando você percebe que para produzir alguma coisa tem de pedir autorização a quem não produz nada. É a situação de todos os dias no Brasil — e ela vai ficando pior de governo em governo, com o aumento implacável na quantidade de cidadãos encarregados de dar ou recusar as autorizações para fazer seja lá o que tem de ser feito. Reproduzem-se como coelhos; são pagos com salários extravagantes para regular todos os aspectos possíveis da vida humana, das licenças para cortar um galho de árvore à proibição da galinha de cabidela. Chamam a si próprios de “Estado”, como os padres se chamam de “clero” e os marqueses se chamavam de “nobreza”. São um dos principais motivos pelos quais o Brasil continua sendo um país subdesenvolvido. Já é ruim o suficiente, mas acaba de acontecer uma novidade para pior. Agora se pode dizer, além do que está dito acima, que as coisas também vão muito mal num país quando se vê, como acontece no Brasil de hoje, que cumprir a lei tornou-se um risco.

Os responsáveis pela criação desta nova realidade são os juízes, procuradores e altos burocratas da Justiça do Trabalho que não aprovaram a reforma da legislação trabalhista recentemente aprovada pelo Congresso Nacional — e que passou a ser a lei em vigor na República Federativa do Brasil nas questões relativas a trabalho. Essa porção da magistratura e da máquina trabalhista oficial não concorda com uma série de artigos da nova lei e, embora a sua obrigação, como a dos demais 200 milhões de brasileiros, seja obedecer ao que está escrito nela, declarou que não vai cumprir as disposições das quais não gosta. Parecem, todos eles, envolvidos de alguma forma com uma postura mental que vem sendo chamada de “Novo Direito”, ou “Direito das Ruas”, ou algo assim. Segundo essa maneira de ver o mundo, os juízes só devem aplicar as leis que acham justas, ou que consideram boas para a sociedade, ou que estão de acordo com as suas crenças. No caso, parte dos magistrados trabalhistas acha que a nova lei é ruim — e, por isso, afirma que não vai respeitar as suas determinações.

Há, naturalmente, toda uma discussão de alta teoria jurídica a respeito. Seu ponto central é que a magistratura não deve ser um instrumento cego de aplicação da lei, cabendo-lhe examinar antes da sentença como o texto legal tem de ser executado. É o que diz a exposição de motivos do decreto que criou a Justiça Federal, em 1890; é o que recomenda a boa jurisprudência do direito americano. O fato de alguma coisa ter sido escrita em 1890 não é suficiente para torná-la uma verdade, nem aquilo que se faz num país tem de ser necessariamente bom para outro. Mas o que realmente importa é o seguinte: como é que ficam as coisas, então, na vida real de todo mundo? Se um juiz não estiver de acordo, por exemplo, com o fim do imposto sindical obrigatório, conforme determina a nova lei, o que vai acontecer? Ele pode dar a si próprio o direito de forçar os cerca de 40 milhões de trabalhadores brasileiros com carteira assinada a pagar — e obrigar os empregadores a fazer o desconto em folha? E a empresa — ela se arrisca a ser punida se cumprir a lei e não fizer o recolhimento? O que acontece se o juiz não concordar que o empregado reduza o seu horário de almoço para sair mais cedo? O que a Justiça trabalhista decidir na Bahia vai valer no Paraná? Há outras perguntas. Quem elegeu os juízes para alguma coisa? O fato de passarem num concurso público lhes dá agora o direito de escrever as próprias leis? Mais: quem garante que os juízes são mais importantes para defender os interesses dos trabalhadores do que os empreendedores que criam seus empregos e pagam seus salários?

Isso é insegurança jurídica — nome que se dá a situações de caos em que o Estado não garante o cumprimento das leis. Costuma ser consequência de guerras, golpes de Estado ou outras calamidades; no Brasil de hoje é produzida pela própria Justiça. Trata-se, também, de hipocrisia em estágio avançado. Para muitos, a recusa em obedecer à lei se destina a defender o pesqueiro da Justiça do Trabalho, com seus mais de 40 000 funcionários, cerca de 3 500 juízes (salário inicial: 27 500 reais por mês) e 4 milhões de novas causas trabalhistas por ano, segundo os números de 2016. Têm privilégios que causam espanto no mundo. Têm um fenômeno chamado Ministério Público do Trabalho. Têm, até, um supremo tribunal trabalhista. Não aceitam, é claro, que se mexa em nenhuma das aberrações que sustentam a sua existência.

Publicado em VEJA de 6 de dezembro de 2017, edição nº 2559

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