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Desserviço público

É justo que concessões de TV sejam usadas para espalhar preconceito?

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 31 jan 2018, 15h45 - Publicado em 12 jan 2018, 06h00

O histórico de concessões de emissoras de televisão no Brasil nunca foi bonito, mas, hoje, enquanto alguns canais trabalham duro para se sintonizar com os novos tempos, outros abusam do direito de ser “concessões públicas” para atuar como uma fonte de transmissão de ideias ultrapassadas.

Na semana passada, um apresentador de TV usou suas redes sociais para dizer que a dramaturgia da concorrente estava infestada de “viados” e que estavam colocando “viados” até em histórias de época, quando “isso” não existia. Além de faltar às aulas de história e ignorar, por exemplo, os amores entre os filósofos gregos e seus aprendizes, o personagem em questão usou do seu prestígio (ou da falta dele) para dizer algo que parece inocente (era uma “piada”, afinal), mas que pode ser extremamente perigoso quando se leva em conta a escalada de assassinatos de gays em crimes de ódio. Quem já teve estômago para ver no YouTube o espancamento de uma travesti por um grupo de machões sabe do risco de que estou falando.

Recentemente, outro apresentador da mesma emissora postou mensagens em que faz graça da youtuber Alexandra Gurgel, que havia participado de uma linda reportagem sobre a necessidade de respeitar os gordos. Como ela bem lembrou, ser gordo não é sinônimo de safadeza — muitas vezes o fato se deve a questões hormonais ou à simples opção de não seguir o padrão de beleza do Photoshop.

Escolha qualquer tipo de preconceito e pode ter certeza de que ele já foi propagado por esse canal de TV: lgbtfobia, racismo, gordofobia, machismo. O exemplo às vezes vem de cima. Em um deles, o cabeça da emissora, e também apresentador, debochou de uma menina que sonhava em ser cantora por causa do seu cabelo, típico de afrodescendentes. A outra convidada, disse que era “graciosa, embora negra”. Já ofendeu uma colega no ar por ser magra e, portanto, supostamente inapta para o amor e para o sexo (“Quem gosta de osso é cachorro”). Estimulou cenas constrangedoras de assédio entre dois apresentadores, deu exemplos sólidos de machismo e calou uma comentarista contratada com o argumento de que ela não estava lá para dar opinião. Divertiu­- ­se ainda dizendo a uma mulher (gorda) que ela daria dois prazeres ao parceiro com quem fizesse amor — um seria quando saísse de cima dele. Num país com o déficit educacional do Brasil e péssima qualidade do ensino público, esse tipo de atitude caracteriza grave desserviço à sociedade. Uma emissora tem de emitir luz, e não trevas.

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Tenho comigo um certo senso de Pollyanna: acho que muitos dos episódios ocorreram sem dolo, sem a intenção de machucar, pois seres primitivos ainda habitam a nossa TV. Mas talvez eu seja muito ingênuo e otário porque, de fato, não só machucam como estimulam um clima de ódio e segregação. Fica aqui meu apelo a essas figuras: construam uma biografia da qual seus descendentes possam se orgulhar. Vocês estão passando vergonha.

Publicado em VEJA de 17 de janeiro de 2018, edição nº 2565

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