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Conto do vigário

Coluna publicada em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

Por J.R. Guzzo Atualizado em 3 ago 2018, 07h00 - Publicado em 3 ago 2018, 07h00

Está sendo feita hoje no Brasil a que talvez seja a maior campanha pela ilegalidade já tentada neste país desde que os acionistas majoritários da vida pública nacional resolveram, há uns trinta anos, que isto aqui deveria ficar com cara de lugar sério. Fizeram uma Constituição com 250 artigos e mais de 100 emendas — sendo que boa parte dessa maçaroca não foi regulamentada até hoje, de maneira que não dá para saber direito o que vale e o que não vale. Escreveram mais leis do que qualquer outro país do planeta. Criaram uma espécie de Espírito Santo chamado “instituições”, ente invisível que flutua acima de tudo e de todos, embora muito pouca gente saiba realmente o que vem a ser isso. O tempo e os fatos mostraram que esse esforço para montar um Brasil civilizado se transformou numa piada — na verdade, a democracia moderna que se pretendia criar foi sendo desmanchada, na prática, a cada artigo da Constituição que ia sendo escrito. A ofensiva, agora, é para desmontar de vez o princípio básico segundo o qual a lei tem de ser obedecida por todos. É isso, e apenas isso, que quer dizer a campanha para soltar o ex­-pre­sidente Lula da cadeia, achar um jeito de ele concorrer à próxima eleição presidencial e garantir que volte ao Palácio do Planalto.

Trata-se de um conto do vigário de tamanho inédito, a começar pela ambição da mentira contada ao público. Nada do que o sistema de apoio a Lula pretende, e que a mídia divulga diariamente como a coisa mais normal do mundo, pode ser feito sem desrespeitar a lei. É como se alguém quisesse participar de um concurso popular para ser escolhido imperador vitalício do Brasil, ou algo parecido — não dá para fazer uma coisa dessas, não é mesmo? Mas é esse o tema número 1 do debate político do momento. Lula, como se sabe, está no xadrez, condenado a doze anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Recebeu sua sentença de condenação na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal em Curitiba, em 12 de julho de 2017, e, de acordo com a lei, recorreu em liberdade da decisão. Essa sentença foi confirmada e aumentada seis meses depois, em 24 de janeiro de 2018, por unanimidade de votos, por três desembargadores do TRF4 de Porto Alegre, o tribunal superior encarregado de julgar o caso. No último dia 7 de abril, enfim, não havendo mais nada a ser feito, Lula foi preso. Ao longo dessa história, seus advogados entraram com mais de setenta recursos; não dá para dizer, em nenhum momento, que qualquer dos direitos do réu para se defender tenha sido violado.

O ex-presidente está na cadeia porque não poderia, muito simplesmente, estar em nenhum outro lugar — é para lá que a lei penal manda os criminosos depois de condenados em segunda instância. Fazer o quê? Muita gente pode achar que a sentença foi injusta, assim como há muita gente achando que foi justíssima. Mas achar uma coisa ou a outra não muda nada. Só a Justiça, e ninguém mais, tem autorização para resolver, no fim de todas as contas, se alguém é culpado ou não. Em algum momento, mais cedo ou mais tarde, o sistema judiciário precisa dizer se as provas apresentadas contra o réu são válidas ou não; se forem consideradas válidas, o sujeito vai para a penitenciária. Isso não depende da opinião de quem gosta de Lula ou de quem não gosta. É a lei que decide — e ela é igual para todos. Ou se faz assim ou ninguém será condenado nunca, porque os advogados vão continuar dizendo até o fim da vida que seus clientes não fizeram nada de errado. Muito bem: só que Lula e os seus fiéis não aceitam isso. Obviamente, um indivíduo que está preso não pode, ao mesmo tempo, ser presidente da República. A saída da esquerda, então, tem sido manter de pé uma fake news monumental — Lula é um “preso político” que tem de ser solto para candidatar-se à Presidência, ganhar a eleição e recomeçar os seus “programas sociais” em favor dos pobres. Além do mais, “todas as pesquisas” dizem que o presidente tem de ser ele. Onde já se viu uma bobagenzinha como a aplicação da lei penal, mais a Lei da Ficha Limpa, ficar atrapalhando tamanho portento?

É essa novena que vem sendo pregada todos os dias pelo Brasil pró­-Lula — artistas, intelectuais, “celebridades”, a maior parte da mídia, a Rede Globo, os empreiteiros de obras, os fornecedores de lixo enferrujado para a Petrobras e todos os que estão impacientes para voltar a roubar em paz. Não há sequer uma sombra de presença do povo brasileiro, não do povo de verdade, em nada disso aí. É pura sabotagem contra o que ainda sobra de nossa escassa legalidade.

Publicado em VEJA de 8 de agosto de 2018, edição nº 2594

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