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Condenado

Lula é sentenciado a nove anos e seis meses de prisão por receber suborno de R$ 2 milhões de uma das empreiteiras envolvidas com a corrupção na Petrobras

Por Policarpo Junior, Rodrigo Rangel, Daniel Pereira, Robson Bonin e Thiago Bronzatto
Atualizado em 13 jul 2017, 14h06 - Publicado em 13 jul 2017, 12h59

Eleito duas vezes com mais de 50 milhões de votos, Lula teve todas as condições de passar para a história como o presidente que priorizou políticas que beneficiaram os mais pobres, ajeitou a economia e reposicionou o Brasil na agenda mundial. Mas acaba de ganhar em sua biografia uma marca indelével: é o primeiro presidente da República condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no âmbito de um colossal esquema de roubalheira revelado pela maior investigação já realizada no país. Na quarta-feira 12 de julho de 2017, uma data que entrará para o calendário nacional, o juiz Sergio Moro condenou o ex-presidente a nove anos e seis meses de prisão — e manteve a coerência nas sentenças que vem prolatando no âmbito da Lava-Jato. Mesmo previsível, a decisão é assombrosa em razão do histórico de impunidade no Brasil, que sempre protegeu corruptos de modo geral e corruptos poderosos em particular.

Ameaça de prisão – Lula: propina em troca de serviços prestados a empreiteira do petrolão (Cristiano Mariz/VEJA)

Eram 13h52 quando Moro assinou a sentença, de 218 páginas. A decisão foi proferida depois de um processo em que o ex-presidente foi acusado de ser, ao mesmo tempo, mentor e chefe de um esquema planejado para perpetuar o PT no poder e, de quebra, assegurar luxos e mordomias para alguns. O ex-presidente, de acordo com a acusação, locupletava-se das propinas recolhidas junto às empreiteiras que prestavam serviços à Petrobras. No processo julgado pelo juiz Sergio Moro, o primeiro a chegar ao fim de um total de cinco em que o ex-presidente é réu, Lula foi acusado de receber como suborno um apartamento tríplex de frente para o mar do Guarujá, em São Paulo. Um “presente” providenciado pela OAS, uma das integrantes do chamado “cartel das empreiteiras”, grupo que durante os governos petistas dividia entre si os contratos da petrolífera. Na sentença, Moro considerou que o apartamento foi uma “fração” desse esquema bilionário.

Para o juiz, a quantia destinada pela OAS ao ex-presidente foi de 2,2 milhões de reais, o que inclui o valor estimado do tríplex e as obras feitas pela empreiteira para deixá-lo ao gosto da família presidencial, que chegou a visitar o apartamento mais de uma vez, sugeriu mudanças no projeto e aprovou cada um dos itens — embora, durante o processo, Lula tenha negado sistematicamente ser o dono do imóvel. Também entraram na conta móveis sob medida e eletrodomésticos — um micro-ondas, um fogão e uma geladeira dúplex — comprados pela empreiteira. O dinheiro, ressaltou o magistrado com base no testemunho de ex-dirigentes da própria OAS, saiu de uma conta de 16 milhões de reais que o PT mantinha junto à empresa e cujo saldo tinha origem em contratos para a construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Dinheiro de propina, portanto.

O veredicto – Sergio Moro disse que só não decretou a prisão imediata do ex-presidente para “evitar certos traumas” (Heuler Andrey/AFP)

“O condenado recebeu vantagem indevida em decorrência do cargo de presidente da República, ou seja, de mandatário maior. A responsabilidade de um presidente da República é enorme e, por conseguinte, também a sua culpabilidade quando pratica crimes”, escreveu Moro. Em abril de 2015, uma reportagem de VEJA revelou que Léo Pinheiro, empreiteiro da OAS, rascunhava na prisão uma proposta de delação em que prometia atingir em cheio o ex-presidente Lula. Um dos pontos mais importantes era o capítulo reservado ao tríplex do Guarujá. Ao admitir a participação da OAS no esquema do petrolão, Pinheiro assumia pela primeira vez que a construção do Edifício Solaris fora negociada devido a um pedido direto de Lula para que a empreiteira incorporasse obras da Cooperativa dos Bancários (Bancoop). Na reportagem, além do tríplex, VEJA revelou as negociatas que envolviam o até então desconhecido sítio de Atibaia, reformado pela OAS também a pedido de Lula e que Léo Pinheiro enquadrava na lista de gastos feitos pela empreiteira para beneficiar o petista. Seis meses depois, uma reportagem de VEJA voltou a abordar o caso, dessa vez para apresentar as primeiras provas de que a OAS bancava financeiramente a reforma no imóvel da família presidencial.

O condenado ocultou e dissimulou vantagem indevida recebida em decorrência do cargo de presidente da República.

Juiz Sergio Moro
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(JF Diorio/Estadão Conteúdo; Cristiano Mariz; Nilton Fukuda/Estadão Conteúdo; Jefferson Coppola/VEJA)

A reportagem narrou em detalhes a reforma do apartamento, que ganhou churrasqueira e elevador privativo. “Nos dias em que eles marcavam para visitar a obra, a gente tinha de parar o trabalho e ir embora. Ninguém era autorizado a permanecer no apartamento. Só ficamos sabendo quem era o dono muito tempo depois, pelos vizinhos e funcionários do prédio, que reconheceram dona Marisa e o Lulinha (Fábio Luís Lula da Silva, o filho mais velho do ex-presidente)”, disse a VEJA um dos profissionais que colaboraram na reforma. Lula negava ser o proprietário, mas funcionários da empreiteira entrevistados confirmaram que o apartamento pertencia mesmo à família. “Para entrar aí, só com autorização da cúpula da construtora. Só eles e o Lula têm a chave”, contou o então zelador do prédio, José Afonso Pinheiro. Era o início do processo de investigação que durou dois anos e levou o ex-presidente à sua primeira condenação.

Na sentença, Moro desconstruiu os argumentos de defesa do ex-presidente, que ele chamou de “álibis contraditórios”. “As reformas eram de caráter personalizado”, pontuou o juiz. Além disso, contatos telefônicos interceptados pela Lava-Jato o ajudaram a formar essa convicção. Nesse pacote estavam mensagens reveladas por VEJA em que dirigentes da OAS tratavam das reformas e ligavam as obras ao “chefe” e à “madame”, em referência a Lula e sua esposa, Marisa, que faleceu há cinco meses. Moro ainda recorreu a uma prova testemunhal considerada decisiva: o depoimento em que Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, confirmou que o tríplex era de Lula e confessou que a benesse ao ex-presidente tinha origem nas propinas devidas pela empreiteira ao PT pelos contratos na Petrobras. “Do montante da propina acertada, cerca de R$ 2 252 472,00, consubstanciado na diferença entre o pago e o preço do apartamento tríplex (R$ 1 147 770,00) e no custo das reformas (R$ 1 104 702,00), foram destinados como vantagem indevida ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva”, concluiu o juiz.

Em 1980, em plena ditadura militar, o então líder sindical foi preso porque organizava greves de trabalhadores — um crime contra o Estado naqueles tempos sombrios. Lula passou um mês na cadeia, saiu de lá como herói, fundou o PT, decidiu entrar para a política, disputou três eleições presidenciais e, finalmente, elegeu-se na quarta tentativa, em 2002. Era um triunfo histórico, que os trabalhos da Lava-­Jato desmontaram. De acordo com as descobertas dos investigadores, logo nos primeiros dias de poder os petistas dividiram o governo em setores. A cúpula do PT, então comandada pelo braço-direito de Lula, o ex-­ministro José Dirceu, recebeu a missão de preencher os principais cargos da administração com pessoas leais à legenda — lealdade que, sabe-­se agora, incluía a arrecadação de recursos para o caixa do partido. Não é novidade, nem foi invenção do PT, mas sob o comando petista a ocupação partidarizada do poder ganhou organização, método e dimensão inaudita.

Do montante da propina acertada, cerca de R$ 2 252 472,00 foram destinados como vantagem indevida ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Juiz Sergio Moro

Em sua sentença, Sergio Moro passa uma descompostura no ex-presidente. Dissertou sobre a conivência de Lula com a corrupção, citando sua conduta no escândalo do mensalão. “Usualmente, se um subordinado pratica um crime com a ignorância do superior, quando o crime é revelado, o comportamento esperado do superior é a reprovação da conduta e a exigência de que o malfeito seja punido. Não se verificou essa espécie de comportamento por parte do ex-presidente”, escreveu. Moro aproveitou para reprovar também o comportamento do petista ao longo da Lava-Jato — com frequência, ele acusa o próprio juiz e os integrantes da força-tarefa de persegui-­lo politicamente. Escreveu Moro: “Os questionamentos sobre a imparcialidade deste julgador constituem mero diversionismo e, embora sejam compreensíveis como estratégia da defesa, não deixam de ser lamentáveis já que não encontram qualquer base fática e também não têm base em argumentos minimamente consistentes”.

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O magistrado destacou ainda que, no curso do processo, não faltaram razões para a decretação da prisão de Lula. Citando seguidas iniciativas “inapropriadas” do ex-­presidente para intimidá-lo e também intimidar policiais federais, procuradores e jornalistas, além de tentativas de destruição de provas, ele observou que até caberia cogitar a decretação da prisão preventiva do petista. “Entretanto, considerando que a prisão cautelar de um ex­-presidente da República não deixa de envolver certos traumas, a prudência recomenda que se aguarde o julgamento pela Corte de Apelação antes de se extraírem as consequências próprias da condenação”, justificou-se.

O Suborno – Lula visitou o imóvel, reformou-o, escolheu a mobília, mas jura que o tríplex não é dele nem da família (Jefferson Coppola/VEJA)

Além da pena de nove anos e meio de prisão, Lula foi condenado a pagar multa de quase 700 000 reais. Também terá de devolver aos cofres da Petrobras o valor equivalente ao saldo da propina a que o PT tinha direito na conta-corrente que bancou o tríplex. O apartamento foi confiscado. Recursos para pagar a multa e a indenização à estatal não devem ser problema. Desde que deixou o governo, Lula juntou uma fortuna superior a 30 milhões de reais. Boa parte foi conseguida por meio de palestras que o ex-presidente passou a ministrar — das quais, sem nenhuma coincidência, as empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção aparecem como as principais contratantes. Já se sabe que as palestras serviram para dissimular os pagamentos que as empreiteiras faziam ao ex-­presidente como remuneração pelos serviços prestados, incluindo lobby e tráfico de influência. Mesmo fora do Planalto, durante o governo Dilma, Lula continuou intercedendo em favor dos interesses das empresas junto à Petrobras.

A defesa do ex-presidente anunciou que vai recorrer da decisão. Os advogados classificaram a condenação como mais um ato de “perseguição política” contra o ex-presidente e reclamaram que o magistrado desprezou provas que atestariam sua inocência. “As provas da defesa foram simplesmente ignoradas”, queixou-se Cristiano Zanin, um dos defensores do petista. A sentença de Sergio Moro impede o ex-presidente de ocupar cargos públicos por dezenove anos — e seu futuro depende agora apenas da Justiça. O juiz finaliza a decisão com uma máxima que, a esta altura, deveria fazer parte das reflexões de todos os políticos que se consideram inalcançáveis pela espada da Justiça: “Não importa quão alto você esteja, a lei ainda está acima de você”. Lula, como tantos outros políticos ainda hoje em atuação, nunca acreditou nessa possibilidade.

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2017, edição nº 2539

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