Devemos ao historiador britânico Angus Maddison, morto em 2010, muito da compreensão atual sobre o avanço das nações nos dois últimos séculos. Foi dele a iniciativa de trabalhar seriamente dados econômicos de longo prazo e construir séries históricas de PIB per capita ao redor do globo. A partir daí, as comparações entre países ganharam um caráter mais científico, o que abriu as portas para uma sequência de refinamentos ainda em curso. Maddison confirmou — e talvez tenha sido essa sua maior contribuição para o conhecimento — a hipótese de que o mundo como se apresenta hoje, com um punhado de países muito ricos e a maioria ainda pobre, seria uma criação do século XIX. Foi aí que se deu “a grande divergência”, para pegar emprestado o título de um notável livro de outro historiador, Kenneth Pomeranz.
O caso brasileiro é exemplar. Inauguramos o século XIX com cerca de 70% do PIB per capita americano. Terminamos com 20%. Nosso subdesenvolvimento deve-se, em larga medida, àquele período. A partir daí melhoramos bastante: em boa parte do século XX, dividimos com o Japão a liderança em crescimento do PIB. Tivemos até o nosso milagre. Mas terminamos o século exatamente como começamos, na comparação com os Estados Unidos — nossa renda média continua sendo um quinto da dos americanos. Dito de outra forma: paramos de ficar para trás, mas não conseguimos recuperar um mísero metro na corrida.
Por que a trajetória dos países passou a ser tão distinta é uma daquelas perguntas que jamais serão satisfatoriamente respondidas. O mundo da economia e o da política interagem, e nem sempre é claro qual deles é a locomotiva a puxar o trem: se é o sucesso econômico que permite aos políticos sustentar o crescimento ou, em vez disso, se é a classe política que primeiro adota medidas corretas que fazem o PIB crescer. Em relação a esse aspecto, é interessante notar no Brasil a diferença na forma como a política e a economia foram tratadas ao longo do tempo. A percepção da intelectualidade sobre as nossas possibilidades econômicas sempre foi mais otimista: seríamos o tal país do futuro, que cedo ou tarde despertaria para o sucesso. O bom desempenho registrado em parte do século passado reforçou essa noção. Mas somos bem mais céticos quanto às chances de termos a boa política. Durante muito tempo, a democracia foi vista com desconfiança ou mesmo com aversão. Novamente, a comparação com os americanos é reveladora.
No entanto, como tem chamado atenção o economista Samuel Pessôa, é difícil sustentar o crescimento sem que haja certo consenso de que a maioria pode dele se beneficiar. Talvez seja essa a principal mensagem dos países que romperam a armadilha da renda média, que aprisiona muitas economias no estágio em que nos encontramos atualmente. A boa política pode ser uma arma decisiva para produzir um crescimento mais inclusivo — algo desejável não apenas do ponto de vista social, mas também para que se possam sustentar as decisões econômicas. Estamos mergulhados até o pescoço na maior crise de nossa história. Mas é na esfera política que reside a essência de nosso mal.
Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537