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Cobrar para não faltar

O preço é essencial para regular o consumo de recursos hídricos. Só não faz sentido sobretaxar os poupadores 

Por Marcelo Sakate Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 16 mar 2018, 06h00 - Publicado em 16 mar 2018, 06h00

No auge da crise hídrica de São Paulo, em fevereiro de 2014, a Sabesp, empresa de água e saneamento da região metropolitana e de mais de 300 cidades do estado, ofereceu um benefício àqueles que poupassem água. No lugar de apenas multar o desperdício, a companhia daria um desconto de até 30% na conta a quem reduzisse o consumo em pelo menos 20%. A estratégia foi um sucesso: contribuiu para economizar mais de 330 bilhões de litros, volume suficiente para abastecer 20 milhões de pessoas na região metropolitana por quatro meses. A queda no consumo e os descontos, entretanto, representaram uma redução nos lucros da Sabesp, uma estatal com ações negociadas na bolsa. Como evitar que desequilíbrios financeiros semelhantes voltem a ocorrer no futuro? A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp) apareceu com a proposta de criar um gatilho para o preço. Toda vez que ocorresse uma queda superior a 10% no consumo, haveria um reajuste automático das tarifas. Na tese brilhante dos burocratas financeiros, os poupadores, em vez de ser premiados, acabariam castigados com um aumento para rechear os cofres da empresa. A proposta, que entraria em vigor em maio, era tão desajuizada que foi (ao menos por ora) engavetada. A Sabesp deve se manter uma empresa lucrativa e saudável para investir na qualidade do serviço, mas, para isso, não pode penalizar os consumidores.

Desde o trabalho seminal do economista inglês Ronald Coase, agraciado com o Nobel em 1991, sabe-se que boa parte da solução de problemas como a falta de água passa pela criação de mercados regulados, com direito de propriedade bem definido e negociação voluntária entre as partes. Mais eficaz que multar é criar um sistema no qual, pelas forças de mercado, o preço final da mercadoria (no caso a água) contribua para equilibrar a oferta e a demanda. A esse respeito, o Brasil possui leis razoavelmente adequadas, de acordo com os especialistas, mas que, como tantas outras, não são aplicadas na prática. Por exemplo: milhares de produtores rurais não pagam, até hoje, pela água captada nas bacias hidrográficas. Esse pagamento está previsto em lei há mais de duas décadas, dentro da política nacional de recursos hídricos. Muitas indústrias também não pagam pela água captada de rios e poços. Se o custo do produto é virtualmente zero, o incentivo para desperdiçá-lo é infinito.

Mesmo algumas companhias de saneamento não pagam pela água captada — apesar de cobrarem de seus usuários finais. Existem comitês responsáveis pelo planejamento de cada bacia, e são eles que estabelecem a fixação do preço de uso. Entre seus integrantes, no entanto, estão representantes dos grandes consumidores, diretamente interessados em driblar essa tarifa. Na maioria das bacias nacionais, não há pagamento pelo uso dos recursos hídricos. Assim sendo, não surpreende que o Brasil, uma das nações mais ricas em água, passe por crises recorrentes de fornecimento. “É importante que haja um sinal de preço para os recursos hídricos”, diz o pesquisador Gustavo Velloso, do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas. No curto prazo, a maioria dos consumidores pode interpretar um reajuste apenas como um aumento de custos, mas trata-se de um pensamento limitado. “Os usuários precisam ter uma visão de que o preço contribui para racionalizar o uso”, conclui Velloso.

Para os consumidores das cidades, a água também custa relativamente pouco, em comparação com a de outros países — e isso, mais uma vez, incentiva o mau uso. “O valor pago pelo serviço, na grande maioria dos municípios, é baixo e irrealista”, diz Sérgio Ayrimoraes, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da Agência Nacional de Águas (ANA). Segundo ele, há um consenso no setor de que a maneira como a tarifa é calculada precisa ser revisada. “Sempre que há uma crise hídrica, as autoridades pensam em formas para ampliar a oferta. É um raciocínio correto, mas limitado.” Nas grandes capitais mundiais, as tarifas de água estão consagradas como o instrumento mais utilizado para administrar o consumo, de acordo com levantamento recente da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Isso significa cobrar um preço que reflita adequadamente todos os custos envolvidos — e não para cobrir perdas sofridas com a queda no consumo.

Publicado em VEJA de 21 de março de 2018, edição nº 2574

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