Carta ao Leitor: Um futuro presente
A consagração da IA nos obriga a uma incontornável reflexão: em que medida ela pode servir ao ser humano e, ao mesmo tempo, ameaçá-lo?
O futuro costumava durar muito tempo. Como o jornalismo tem, entre suas indisputáveis funções, a tarefa de contar a história do presente, flagrar o momento em que as previsões abandonam essa condição para começar a ganhar contornos de realidade também faz parte do DNA da imprensa. Com quase meio século de vida, VEJA nunca se desviou dessa incumbência. “Depois da revolução agrícola e da revolução industrial, movimentos que mudaram radicalmente a vida no planeta, há indícios de que uma nova revolução, a revolução tecnológica, se arma no horizonte”, dizia o texto da reportagem de capa de 2 de janeiro de 1980, com a chamada “O futuro e a ciência”.
O “futuro visível”, com seu inexorável impacto sobre “o ato cotidiano de viver” de que tratou a revista naquela e em tantas outras edições, tem durado cada vez menos. Mistura-se, hoje, de tal modo com o aqui e o agora que, no auge da Era Interconectada em que estamos mergulhados, pode ser descrito como sinônimo perfeito de outro tempo: o presente. Poucos sintomas revelam tanto a indissociabilidade atual entre futuro e presente como a onipresença da inteligência artificial (IA) em nosso dia a dia, tema de uma reportagem especial.
“Nos últimos cinco anos houve uma evolução brutal das tecnologias de IA, a ponto de podermos dizer que softwares desse tipo já conseguem literalmente olhar o mundo e aprender com o que observam”, disse a VEJA o cientista da computação americano Jeff Dean, a inteligência natural por trás da inteligência artificial que guia o funcionamento dos produtos do gigante Google.
A consagração da IA nos obriga a uma incontornável reflexão: em que medida ela pode servir ao ser humano e, ao mesmo tempo, ameaçá-lo? Evidentemente, é melhor ter robôs e não pessoas na execução de tarefas mecânicas, como assentar tijolos, e, no entanto, como resolver o problema do desemprego que a troca acarretará? É espetacular que, por meio de reconhecimento facial conduzido por uma inteligência artificial, seja possível desbloquear um smartphone, mas o que fazer quando, analisando com essa mesma tecnologia fotografias numa rede social, um estudo classifica os indivíduos como gays ou heterossexuais? Será incrível entrar em um carro que você não precisa dirigir e poder aproveitar a corrida para relaxar, só que há um problema: se ele atropelar alguém, quem responderá por isso?
O advento da IA tem, sem dúvida, um lado claro, fértil, empolgante, mas também uma face escura, infernal, ameaçadora. Todas essas questões são debatidas na reportagem assinada pelo editor de Ciência e Tecnologia da revista, Filipe Vilicic, e pela repórter Jennifer Ann Thomas, que se completa com um provocador artigo, publicado com exclusividade no Brasil por VEJA, sobre a possibilidade de as máquinas se tornarem artistas, da lavra do historiador israelense Yuval Noah Harari, autor de Homo Deus: uma Breve História do Amanhã.
Publicado em VEJA de 27 de setembro de 2017, edição nº 2549