Carta ao Leitor: Sobre fatos e versões
Na era das 'fake news', cabe ao jornalismo profissional, que é rigoroso, crítico e independente, separar o joio do trigo
Em períodos de crises globais como a que vivemos, com a pandemia de Covid-19, é natural, embora indesejado, inaceitável mesmo, que se disseminem informações exageradas ou simplesmente erradas. Foi sempre assim, ao longo da história da humanidade — seja durante a gripe espanhola, em 1918, seja na II Guerra Mundial, entre 1939 e 1945, ou mais recentemente, logo depois do 11 de Setembro de 2001. A explosão das redes sociais, talvez a marca maior do nosso tempo, tornou o movimento ainda mais acelerado e daninho, com a proliferação das chamadas fake news — muitas delas propositais, com objetivos escusos de manipulação, outras produzidas a partir de relatos incompletos, com conclusões precipitadas. Cabe ao jornalismo profissional, este que VEJA se orgulha de praticar há mais de cinquenta anos, rigoroso, crítico e independente, separar o joio do trigo — ou, para recorrer a uma espécie de bússola da imprensa, discernir os fatos das versões.
Em todas as áreas do conhecimento, mas especialmente na que contempla a ciência e a saúde, os fatos são decisivos, obrigatórios, incontornáveis. São eles que permitem afastar tudo o que é mera briga ideológica — como a que opõe os defensores da cloroquina (supostamente de direita) aos detratores da droga (supostamente de esquerda) — daquilo que, no fim das contas, importa. Dito de outra forma: apartar a razão e o bom senso da imprudência e do desespero alimentado por meras impressões. É a estatística contra a improvisação. A certeza contra o achismo.
Duas reportagens da presente edição de VEJA andam nesta direção: a da busca da notícia onde ela está, límpida e ancorada por especialistas, de modo a iluminar possíveis caminhos de saída da necessária quarentena. No Rio de Janeiro, as repórteres Sofia Cerqueira e Carolina Barbosa e o repórter fotográfico Ricardo Borges (devidamente protegidos por macacões, máscaras e luvas) tiveram acesso exclusivo à fábrica de testes para o coronavírus da Fiocruz, depois de cruzar quatro portas de segurança — e “testar, testar e testar”, como já demonstrou a OMS, é o melhor atalho para a volta à normalidade, com a diferenciação entre sãos e doentes, imunes e não imunes. De São Paulo, a editora Adriana Dias Lopes e o repórter fotográfico Egberto Nogueira se deslocaram para Santos (também resguardados com proteções) para colher o depoimento de Gina dal Coletto, uma senhora de 97 anos que teve Covid-19 e se recuperou. Conhecer o comportamento clínico dos curados, sobretudo o dos idosos, é outra estrada para entender o presente e o futuro da pandemia, com o cauteloso otimismo baseado na investigação científica e na correta divulgação jornalística. Boa leitura.
Publicado em VEJA de 22 de abril de 2020, edição nº 2683