Carta ao Leitor: Rumo ao interior
A migração intensa para cidades pequenas e médias ajudaria a descongestionar nossas tão castigadas megalópoles. Seria uma ótima notícia para o Brasil
O início da industrialização no Brasil, há pouco mais de 100 anos, gerou um fenômeno socioeconômico que se estendeu por todo o século XX: a migração das zonas rurais para as grandes cidades. Por meio desse movimento, as pessoas antes empregadas em atividades ligadas à agricultura abandonavam suas regiões de origem em busca de melhores condições de vida e trabalho mais bem remunerado. O resultado desse processo é tão marcante que pode ser até observado do espaço, por meio de imagens noturnas feitas por satélite, com as regiões mais populosas iluminadas, quase todas próximo ao litoral, e o interior mergulhado em escuridão — uma situação muito diferente da que aconteceu nos Estados Unidos, que fizeram uma ocupação mais ordenada de seu território (veja foto acima).
Nas últimas duas décadas, esse movimento aparentemente inexorável no Brasil entrou em modo de reversão. As cidades pequenas e médias começaram a ganhar habitantes e a conquistar maior importância econômica. Em princípio de forma tímida, a expansão se concentrou em áreas perto de grandes cidades. Mais recentemente, contribuiu para esse fenômeno o surgimento de novos polos do agronegócio. Com a chegada da pandemia, temos agora outro impulso: a necessidade de isolamento social imposta pela Covid-19, aliada à conectividade propiciada pelo desenvolvimento tecnológico, levou muita gente a rever a relevância das grandes metrópoles como condição básica para sua vida. Algumas dessas pessoas, na verdade, se refugiaram em sua casa de campo ou em aluguéis temporários, mas gostaram tanto da rotina tranquila, longe do frenesi e do alto custo de vida das capitais, que resolveram se mudar de vez.
Atualmente, dois em cada três brasileiros vivem em municípios com até 500 000 habitantes, contingente que cresceu 598% entre 2000 e 2020. Ao mesmo tempo, pesquisas recém-realizadas em São Paulo e Belo Horizonte mostram que até 59% dos habitantes das duas cidades se mudariam para um município menor se pudessem — no Rio, esse índice chega a 67%. A migração intensa rumo ao interior seria uma excelente notícia para o Brasil. Hoje, 58% do produto interno bruto do país, ou o equivalente a 4 trilhões de reais, já é gerado nessas áreas. Além de pulverizar parte da riqueza concentrada nas capitais e induzir novos ciclos de desenvolvimento, esse fenômeno ajudaria a descongestionar nossas tão castigadas megalópoles, estranguladas pelo crescimento desordenado e violência. Confira a reportagem completa sobre o tema na página 58. Boa leitura.
Publicado em VEJA de 20 de janeiro de 2021, edição nº 2721