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Carta ao Leitor: Os diversos Brasis

O mosaico da pandemia se revela pulverizado: em um país de dimensões continentais, é fundamental o olhar particular e minucioso de cada canto do território

Por Da Redação Atualizado em 3 jul 2020, 12h53 - Publicado em 3 jul 2020, 06h00

“Em se plantando tudo dá”, uma das conhecidíssimas frases de Pero Vaz de Caminha na carta ao rei dom Manuel, em 1º de maio de 1500, talvez tenha sido a primeira e equivocada impressão de que, no Brasil, de ponta a ponta, as possibilidades seriam equivalentes, independentemente das regiões, dos diferentes climas e, com o passar dos séculos, de variados modos de crescimento econômico e ocupação. A trupe de Pedro Álvares Cabral tomava a parte pelo todo, embora, naturalmente, houvesse pisado apenas no chão da Bahia. Nem tudo, porém, em se plantando dá. Em um país de dimensões continentais, é fundamental o olhar cuidadoso, particular e minucioso de cada canto do território — e talvez nunca, como agora, durante a pandemia do novo coronavírus, o mosaico se revele tão pulverizado e sua compreensão tão necessária para a solução do problema.

Há vários Brasis num só. A estatística mostra que, na terça-feira 30 de junho, exatos seis meses depois da eclosão do vírus na China, havia no Brasil 1,4 milhão de casos e quase 60 000 mortes. A incidência era de 667 infectados para cada grupo de 100 000 pessoas e 28 óbitos diante de igual contingente. Em uma semana, houve aumento de 15% de testes positivos — e queda de 6% na mortalidade. Há, contudo, discrepâncias enormes quando são analisadas, separadamente, as unidades da federação. Em São Paulo, por exemplo, o número de mortes caiu 12%, atalho para otimismo e estrada para a retomada do cotidiano possível. Em contrapartida, em Goiás, deu-se triste salto de 74% na letalidade em espaço de sete dias. O Amazonas, que há dois meses era sinônimo de tragédia incontornável, começa a caminhar — as mortes se estabilizaram e um dos hospitais de campanha até foi fechado.

De modo a iluminar esse leque de variações, uma reportagem especial desta edição de VEJA mergulhou nos números de cada estado, minuciosamente — o modelo correto e científico, do ponto de vista epidemiológico e de saúde pública, de interpretar a intermitente valsa de abre e fecha da quarentena. Não há dúvida de que uma única vítima da pandemia é relevante, e não por acaso houve justificada comoção com o anúncio da primeira morte brasileira, no longínquo mês de março — no entanto, exige-se agora uma análise acurada para identificar onde a situação está melhorando e onde não está. Dada sua grandiosidade, o Brasil pode ser comparado aos Estados Unidos e à China — mas não à Alemanha e à Nova Zelândia. Na semana passada, enquanto Nova York respirava, o Estado da Flórida foi obrigado a recuar na abertura. Normal. Em janeiro, Wuhan, onde tudo começou, estava trancada — e Pequim, totalmente aberta. Hoje, o movimento é inverso, com bloqueios e testes em massa na capital e liberdade na província de Hubei. Faz sentido. São realidades diferentes, separadas por milhares de quilômetros.

Assim será por aqui também. Mas a multiplicidade, que irá demonstrar a melhora do quadro de Covid-19 em alguns estados, não apaga o péssimo desempenho do governo federal no combate à pandemia. Ao se comportar infantil e irresponsavelmente em relação ao surto, que tratou como uma “gripezinha”, o presidente Jair Bolsonaro apenas alimentou a inepta guerra política com as autoridades municipais e estaduais, às quais deveria liderar e coordenar. Todos ganhariam com isso e mais vidas seriam poupadas. Resultado: a imagem do país no exterior no que diz respeito à pandemia é a pior possível. Embora para diagnosticar e solucionar o problema não se possa tomar o todo pela parte, da perspectiva de quem olha de fora o que vale é a totalidade. Não por acaso, brasileiros — de qualquer estado, claro — não podem entrar livremente nos Estados Unidos e na Europa, como mostra outra reportagem desta edição. É o preço que pagamos pelo descuido e pela tradução torta dos dados divulgados. Felizmente, vamos superar este momento, sem nunca deixar de lamentar aqueles que se foram.

Publicado em VEJA de 8 de julho de 2020, edição nº 2694

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