Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Cambalachos conceituais

As contradições da política nacional fazem um país esquizofrênico

Por João Cezar de Castro Rocha
Atualizado em 16 mar 2018, 06h00 - Publicado em 16 mar 2018, 06h00

– GREGORY BATESON, pensador inglês de difícil classificação, pois, onívoro, se dedicou a diversas disciplinas, propôs uma teoria fascinante sobre certo tipo de esquizofrenia, produzida por relações de duplo vínculo (double bind).

– Readymade: em 1913, Marcel Duchamp fixou uma roda de bicicleta de ponta-cabeça num banco impecavelmente branco. Gesto em aparência singelo; porém, exposto em espaços de canonização — galerias e museus —, rompeu radicalmente com a distinção, em tese incontestável, entre obras de arte e objetos industriais.

– Manuel Bandeira, poeta cuja força de experimentação pouco se reconhece, escreveu um readymade que certamente seria assinado por R. Mutt: Poema Tirado de uma Notícia de Jornal.

– O duplo vínculo estudado por Bateson se desenvolve em situações nas quais duas ordens contraditórias são dadas simultaneamente: “faça isso!” e “não faça isso!”. O duplo vínculo é agravado pela impossibilidade de questionar o óbvio absurdo da cena. Sua repetição pode engendrar formas de esquizofrenia, pela cisão continuada entre discurso e prática.

– Nos primórdios da cultura brasileira, os índios caetés já tinham inventado o readymade! Em 1556, devoraram o bispo da cidade de Salvador. Albert Camus ficou encantado com a saborosa história, narrada por Oswald de Andrade: o prelado se chamava dom Pero Fernandes Sardinha. Capturado após um naufrágio, foi devidamente grelhado o bispo Sardinha.

Continua após a publicidade

– Método Manuel Bandeira: leitura-colagem de manchetes recentes.

– Revista VEJA: “Barroso muda indulto de Temer e exclui presos por corrupção”. Duplo vínculo como autoproteção? Nem uma mente brilhante como a de Gregory Bateson antecipou a possibilidade.

Folha de S.Paulo: “Patrimônio de Aécio triplica depois das eleições de 2014”. Previsível paradoxo tropical: Brasil: país no qual perder enriquece…

O Estado de S. Paulo: “Associação de juízes propõe greve para discutir auxílio-moradia”. Mas não defendem os doutos magistrados que uma greve somente é legítima após o esgotamento das discussões?

Continua após a publicidade

– Na Sé Primacial do Brasil, o malogrado bispo Sardinha foi substituído por dom Pedro Leitão. Dizem que sempre manteve distância prudente dos caetés — isto é, o bispo Leitão.

– Um país atravessado por duplos vínculos torna-se esquizofrênico? Vejamos: o Executivo tentou premiar corruptos por meio do indulto presidencial; o Legislativo transformou Brasília, pólis pós-política, num balcão de negócios; o Judiciário se aferra a benefícios que contrariam o espírito da mesma Constituição cuja letra deveria defender com denodo.

– Caso de rara explicitude: O Globo: “Sobrinho do líder do PTB na Câmara levou três colegas do futebol para o Ministério do Trabalho”. Exemplo que vale ouro, pois reúne, autêntico cambalacho conceitual, double bind e readymade. Previsível paradoxo tropical: Brasil: país no qual a política é mesmo um jogo de várzea — um vale-tudo.

– Pois é: por onde andam os caetés?

Continua após a publicidade

Publicado em VEJA de 21 de março de 2018, edição nº 2574

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.