Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

Bagunça interessante

Acertos e equívocos chocam-se quase a cada fotograma de 'Pantera Negra' — mas a superprodução afrofuturista da Marvel pode romper barreiras significativas

Por Isabela Boscov Atualizado em 16 fev 2018, 06h00 - Publicado em 16 fev 2018, 06h00

A capital do reino de Wakanda é deslumbrante: protegida dos olhos alheios por uma cordilheira impenetrável, a cidade tem edifícios que reeditam, nas alturas, a cobertura de palha das choças tribais; tem animados mercados de rua e tecnologia de ponta; seus moradores usam têxteis coloridos da África Central e adereços tradicionais, mas partilham de uma doutrina política de igualdade interna e neutralidade externa. O mundo acredita que essa seja apenas mais uma das nações pobres do continente, e à rica (além de fictícia) Wakanda convém que a crença persista. Caso um forasteiro consiga espiar as bordas do reino, encontrará apenas pastores em palhoças — na verdade, uma força de elite dedicada a proteger as fronteiras. Igualmente ambíguo é Pantera Negra (Black Panther, Estados Unidos, 2018), já em cartaz no país. Com frequência, tudo o que há de acertado e de equivocado no filme — e há muito de ambos — vem junto e misturado no mesmo fotograma, e entrelaçado do começo ao fim do enredo.

Atuações excelentes, como as de Daniel Kaluuya, Danai Gurira, Letitia Wright e Lupita Nyong’o (o filme é repleto de mulheres fortes), convivem com desempenhos de canastrice irremediável, como os de Angela Bassett e Forest Whitaker. Discussões pertinentes — existe uma base sólida de experiências para que os negros de nações dentro e fora da África se considerem um só povo? — às vezes retrocedem para o sentimentalismo. A vibrante visão afrofuturista que guia o desenho de produção volta e meia inclui rituais que lembram shows para turistas. E em nenhum momento questiona-se que essa nação voltada para o futuro seja uma monarquia absolutista — e isso num continente em que os ditadores constituem o flagelo que dá à luz todos os outros flagelos. É uma bagunça indivisível, mas também viva e cheia de aspirações: embora não seja a primeira aventura estrelada por um super-herói negro (Wesley Snipes foi Blade em três filmes entre 1998 e 2004), Pantera Negra é, sim, a primeira na escala agigantada da Marvel e da era em que protagonizar uma produção dessas representa, para uma minoria étnica ou de gênero, um divisor de águas. Quanto de água fica para lá ou para cá é algo que a bilheteria reflete bem — e as previsões para Pantera Negra, de 170 milhões de dólares na estreia, são acachapantes.

Há muito em jogo, portanto, e o diretor Ryan Coogler, de Creed — Nascido para Lutar, ele próprio negro e jovem, calça as suas apostas com vigor. Seu maior acerto é mimetizar a estratégia de Wakanda, isolando o enredo do restante do universo Marvel: todos os eventos têm como epicentro e ponto de destino Wakanda, onde o príncipe T’Challa (Chadwick Boseman) acumula as responsabilidades do super-herói do título e as funções de soberano e tenta evitar que outros países descubram suas reservas do metal vibranium, fonte da sua riqueza e do seu avanço. Dos diamantes ao petróleo, os recursos naturais são a bênção e a maldição africana, mas as preocupações de T’Challa vão além. Têm a ver com discernir se a força está em integrar-se ao mundo ou manter-se à parte — o tópico mais candente na discussão racial americana hoje, que Pantera Negra, com seu elenco e equipe negros de múltiplas origens, ecoa com uma variedade de argumentos tão interessante, e às vezes cacofônica, quanto a do mundo real.

Publicado em VEJA de 21 de fevereiro de 2018, edição nº 2570

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.