Bad boys nunca morrem
'Han Solo — Uma História Star Wars' e 'Deadpool 2' revivem o apelo de um tipo irresistível do cinema
Eu te amo”, declara-se a Princesa Leia, em um momento de trágica e talvez definitiva separação, em O Império Contra-Ataca, filme de 1980. “Eu sei”, retruca Han Solo, um cínico incorrigível até a caminho da própria morte. Como hoje é bem sabido, Solo também amava Leia. Mas perder uma chance de ser infame — isso, nem pensar. Com seu charme vintage de ídolo de matinê dos anos 40, Harrison Ford fez do contrabandista espacial Solo, na trilogia original de Star Wars, um tipo irresistível (e por isso mesmo clássico) do cinema: o sujeito viril, independente e indomesticável, cético, atrevido e quase canalha que, no entanto, se testado, vai revelar sob essa armadura protetora um caráter de prata de lei (e a tanto se resume sua comunhão com a lei: atividades escusas são obrigatórias para um bad boy que se preze). Ser o Solo que Harrison Ford consagrou, e ao mesmo tempo mostrar como ele foi antes de se tornar assim, é a tarefa complexa de que o ator Alden Ehrenreich, de 28 anos, foi incumbido em Han Solo — Uma História Star Wars, que entra em cartaz nesta quinta-feira (leia a resenha).
Se o Han Solo de Alden Ehrenreich é um bad boy em estágio embrionário, já rebelde mas ainda esperançoso, o anti-herói vivido por Ryan Reynolds em Deadpool 2 (leia a resenha), em cartaz no país, é o bad boy formado e diplomado. O ex-mercenário Deadpool esculacha todos e fala sem parar, com um coloridíssimo repertório de palavrões. Também ele, porém, sofre. Em seu primeiro filme, sumia da vida da prostituta Vanessa (Morena Baccarin) para não impor à sua grande paixão o fardo de um câncer terminal. Deadpool é uma decepção para si mesmo: na hora H, a despeito de suas convicções (ou falta delas), ele faz a coisa certa, toma a atitude justa e manifesta o sentimento mais nobre — atitude que, em Deadpool 2, lhe custará dores de cabeça e em todas as outras partes do corpo.
Como o oportunista descrente Rick Blaine vivido por Humphrey Bogart em Casablanca, ou como o presidiário encrenqueiro Luke interpretado por Paul Newman em Rebeldia Indomável — a lista vai longe —, Han Solo e Deadpool seduzem pelo inconformismo. Mas cativam, afinal, pela pureza: se eles se resguardam de todo sentimento, não é porque são duros e indiferentes; é porque sentem demais.
Publicado em VEJA de 23 de maio de 2018, edição nº 2583