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Aula para gostar de ler

O mundo digital, apontado como o vilão que afasta as crianças dos livros com seus games e vídeos, começa a contribuir para incentivar a boa leitura

Por Maria Clara Vieira e Bruna Motta
Atualizado em 13 abr 2018, 06h00 - Publicado em 13 abr 2018, 06h00
(Arte/VEJA)

Ler é um prazer. Ao contrário de tantos outros prazeres, não custa muito caro e está ao alcance de todos. A leitura estimula a mente, ativa a criatividade e amplia o conhecimento. Crianças que aprendem a gostar de livros desde cedo serão adultos mais capazes de se concentrar, de relacionar conteúdo e ideias e de lidar com suas emoções. Por mais que se listem benefícios, porém — e a lista é enorme —, o Brasil continua a ser um país pouquíssimo afeito à leitura (veja o quadro ao lado), ainda mais num tempo em que livros competem com videogames, séries, desenhos e barulhos de todo tipo nas telas brilhantes de smartphones e tablets. Em um esforço para mudar a prosa, um conjunto de iniciativas nascidas justamente no mundo digital vem aliando tecnologia a boas histórias com o propósito de atrair principalmente o público infantil.

A nova safra de recursos não tem nada a ver com o truque muito usado de apresentar aos pequenos um enredo, às vezes sem pé nem cabeça, que apenas serve de trampolim para joguinhos e entretenimento. A matéria­-prima das atuais ferramentas é a boa literatura. Os efeitos especiais, as brincadeiras e as competições existem, sim, mas são acessórios, e não a atividade principal. “Brincadeiras têm o efeito de tornar a leitura um ato de prazer, o que ajuda a sedimentar o hábito e contribui para a formação de futuros leitores”, diz o neurocientista Ariovaldo da Silva Júnior, especializado em aprendizagem. O mesmo sentimento prazeroso acompanha o momento em que os pais se sentam para ler com os filhos, outra associação valiosa e duradoura na mente infantil.

Uma das iniciativas mais simples e bem-sucedidas nesse ramo é a Árvore de Livros, uma espécie de Netflix da literatura. Criação do administrador de empresas carioca João Leal, de 34 anos, a plataforma funciona tal qual o serviço de streaming por assinatura: cada escola paga uma mensalidade e pode explorar um acervo de mais de 10 000 livros, entre obras teóricas, romances, quadrinhos, clássicos, jornais e revistas. Até o sistema de inteligência que mapeia o tempo de consumo e as preferências dos alunos é semelhante ao da Netflix, com a diferença de que os resultados são reportados aos professores e a mais ninguém.

A plataforma, exclusiva para instituições de ensino, firmou acordo com as editoras para a divulgação dos títulos e já atendeu cerca de 100 000 alunos de 221 escolas públicas e privadas; nelas, a média de leitura é quatro vezes maior do que a brasileira. O estudante que acessar os livros da Árvore pode nela mesma comentar as obras e trocar indicações com os colegas. “Criamos também campeonatos de leitura entre as escolas participantes”, conta Leal. A disputa é medida pelo número de livros lidos — e não dá para burlar o controle: ele se baseia em uma tabela que calcula o tempo médio despendido em cada página. Morador de Natal, no Rio Grande do Norte, Caio Lima, de 14 anos, fã incondicional das histórias de detetive de Agatha Christie, sagrou-se campeão nacional de leitura da Árvore em 2016, ano em que leu mais de 100 livros inteiros. “Para ele, foi a descoberta de um mundo novo”, afirma a mãe, Katiusca Lima.

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Clicar é bom – Cauã lendo Nautilus: “Monstros se mexem e fazem barulho” (Jefferson Coppola/VEJA)

A tecnologia pode ser, de fato, uma excelente alavanca do interesse da garotada pela leitura, aponta o neurocientista Silva Júnior. “Quando se desperta a curiosidade da criança sobre um assunto, ela faz a informação passar da memória de trabalho — a que usamos momentaneamente, para nos lembrarmos de uma informação rápida — para a memória de longo prazo. Assim ela vai percebendo quanto a leitura lhe faz bem”, diz. Outra vantagem de começar cedo, destaca, é poder explorar a plasticidade do cérebro em plena formação. Isso permite conexões mais numerosas e variadas entre os neurônios, o que, em outras palavras, amplia a capacidade de raciocínio da criança.

O espírito de competição infantil, tão explorado nos games, também é usado na plataforma de leitura Elefante Letrado, desenvolvida pela gaúcha Scheila Vontobel, de 33 anos. Mãe de três filhos, Scheila inspirou-se em uma ferramenta em inglês que ativou o hábito de leitura em suas crianças na escola americana em que estudavam, em Porto Alegre. “Elas liam um texto durante quinze minutos e em seguida respondiam a perguntas sobre ele. Os acertos rendiam prêmios e pontos em sala de aula. Procurei fazer algo semelhante em português”, relata. Adotada por 113 escolas no país, com a ambiciosa meta de atender meio milhão de estudantes nos próximos três anos, a Elefante Letrado oferece livros consagrados com recursos interativos, além do questionário pós­-leitura. Usada há três anos no 1º ano do ensino fundamental — o da alfabetização — do Colégio Maria Imaculada, de São Paulo, a plataforma tem feito sucesso entre os pequenos alunos. “Eles ficam animados diante de uma biblioteca virtual com tantas opções”, diz a coordenadora pedagógica Marcia Reda.

Exemplo – Escola na Finlândia: no país campeão da leitura de qualidade, a média é de quase três bibliotecas por município (Gilberto Tadday/VEJA)

São várias as explicações para a baixa taxa de leitores no Brasil em todas as classes sociais. O livro não faz parte da vida das pessoas. “Ler significa ter o livro acessível, próximo do leitor. Fora dos grandes centros, não há livrarias nem bibliotecas atualizadas”, diz Luís Antonio Torelli, presidente da Câmara Brasileira de Livros. A falta do hábito de leitura — agravada, no caso dos mais pobres, pela alfabetização capenga — cria um ciclo difícil de romper. “Muitos não entendem o que leem e se sentem desmotivados porque sabem que será um processo desgastante”, diz João Batista Oliveira, do Instituto Alfa e Beto. Os próprios professores penam para encontrar tempo e disposição para a leitura e acabam não dando aos estudantes o empurrão necessário.

Os recursos digitais estão pouco a pouco suprindo o vazio da combalida infraestrutura. Um exemplo são aplicativos como os da startup paulista StoryMax — cada um, um clássico da literatura revisitado —, que já renderam dois prêmios Jabuti, uma das mais prestigiadas honrarias literárias do país, a seus criadores, a editora Samira Almeida, 36 anos, e o programador Fernando Tangi, 38. Lançado em 2013, Frankie for Kids é uma adaptação do clássico Frankenstein, de Mary Shelley, para crianças — com menos terror e muita tecnologia. Nautilus, de 2017, é a simpática versão ilustrada e cheia de animações de Vinte Mil Léguas Submarinas, do francês Júlio Verne. “Não queremos que os recursos de interação desviem a criança da história. Os redatores do texto adaptado trabalham em conjunto com o pessoal da tecnologia”, ressalta Samira.

O paulista Cauã, de 9 anos, mergulhou com entusiasmo na versão digital da consagrada viagem submarina de Verne. “Clicando nos monstros, eles se mexem e produzem sons. Gosto de livros em que eu possa fazer alguma coisa. Ler assim é mais legal do que no papel”, comenta. Outra ferramenta de leitura, a Guten News, criada há quatro anos em São Paulo pela administradora de empresas Danielle Brants, 37 anos, reproduz uma revista semanal com reportagens e notícias em linguagem adaptada ao universo infantil. “O conteúdo trata da realidade das crianças, como o problema da febre amarela. Elas se atualizam e vão atrás de mais informação”, diz Danielle.

Assim, de tablet em tablet, o mundo da literatura vai se abrindo a crianças em um país onde o ambiente é desfavorável à leitura — exatamente o oposto do que ocorre nos países nórdicos, os primeiros do ranking global de leitores, o mesmo em que o Brasil patina na 43ª posição. A título de comparação: a campeã Finlândia tem quase 800 bibliotecas para 311 municípios, e todos eles dispõem de ao menos uma; no Brasil, os 5 570 municípios contam com 7 166 bibliotecas, a maioria concentrada no Sul e no Sudeste, ficando um naco do território à míngua. Nesse cenário inóspito, qualquer iniciativa para estimular os pequenos brasileiros a gostar de ler é muito bem-vinda.

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Publicado em VEJA de 18 de abril de 2018, edição nº 2578

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