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Arquivamento à vista

Com argumentos contundentes, como a distribuição de verbas e cargos aos deputados, Michel Temer tem tudo para se livrar de processo por corrupção passiva

Por Daniel Pereira Atualizado em 29 jul 2017, 06h00 - Publicado em 29 jul 2017, 06h00

Os mesmos deputados que em 17 de abril do ano passado foram ao microfone do plenário da Câmara votar a favor do impeachment de Dilma Rousseff estarão nesta quarta-feira — salvo manobras de última hora — cumprindo uma missão semelhante com relação ao destino do presidente Michel Temer. Em 2016, na hora do voto, ouviram-se discursos tonitruantes em defesa da ética. “Por um Brasil melhor e mais decente, pelo futuro de nossos filhos, pelo fim da corrupção e dos fichas-sujas, por minha querida Rio Verde, pelo meu Estado de Goiás, eu voto sim ao impeachment”, disse um deputado. “Gente de bom coração, pelo amor ao Brasil, pelo amor a esta bandeira, pelo amor à vida, pelo amor aos 115 294 eleitores, pelo fim da corrupção, eu voto sim”, disse outro. “Esta não é uma história de ricos contra pobres nem da direita contra a esquerda, mas é da nação contra a corrupção. Eu voto sim!”, anunciou um terceiro.

Nesta quarta-feira, a enorme maioria dos deputados que conclamavam ao combate sem tréguas à corrupção em nome dos filhos, da bandeira e da nação estará do outro lado, rejeitando a denúncia de corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. Seus argumentos — antes como agora — pouco importam: flutuam ao sabor das conveniências da hora, nos termos da hipocrisia própria da má política. Para que a denúncia seja aceita pela Câmara, são necessários os votos de 342 dos 513 deputados. O governo estima que pelo menos 250 deputados já estão do seu lado. Espera que outros tantos, entre 50 e 80, ajudem o presidente, votando a favor dele ou faltando à sessão. Nas contas do governo, a oposição tem apenas 170 votos, a metade do que é preciso para que o presidente seja derrotado.

A rejeição da denúncia significa, na prática, que os deputados acham desnecessário que o Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta corte do país, abra uma investigação sobre a suspeita de que Temer incorreu no crime de corrupção passiva ao associar-se ao seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, filmado com uma mala de 500 000 reais de propina que acabara de receber. O flagra ocorreu depois que Temer foi gravado em conversa com o empresário Joesley Batista, o dono da JBS, na qual o presidente indicou Rocha Loures como um interlocutor confiável: “Pode passar por meio dele, viu?”, disse o presidente, sem que ficasse claro o que deveria ser repassado. Em sua defesa, Temer afirma que não há um fiapo de prova de que os 500 000 foram parar no seu bolso — e, a seu favor, não há mesmo. Para esclarecer a questão, a investigação do STF seria fundamental, mas os deputados devem julgar que, se não há prova, também não há razão alguma para procurá-las.

A tropa indignada com a corrupção há um ano amainou seu fervor cívico à base dos ingredientes de sempre: cargos, verbas e, novidade destes tempos lavajatistas, medo de ir para a cadeia. A mudança de humor é resultado de um trabalho pessoal do presidente Temer, que se empenhou no toma lá, dá cá com os deputados. Apesar do risco crescente de apagão fiscal, o governo assumiu formalmente o compromisso de pagar 2 bilhões de reais em emendas parlamentares nas três primeiras semanas de julho, de acordo com o site Contas Abertas. De janeiro a maio, foram apenas 100 milhões de reais. Temer também pôs a máquina pública na mesa de negociação. Quem aceitou a denúncia, na votação prévia ocorrida na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), perdeu cargos. Quem a rejeitou recebeu a promessa de uma gorda recompensa.

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Com seu trabalho, Temer conseguiu mudar a direção dos ventos. Quando o ex-ministro Geddel Vieira Lima foi preso e um deputado contrário a Temer se tornou relator da denúncia na CCJ, a derrocada do presidente parecia uma possibilidade real. Seus principais aliados chegaram a pensar numa saída negociada em troca de sua renúncia, como a aprovação de uma regra que ampliasse o foro privilegiado a ex-presidentes — mas, nesse balaio, entrariam também Lula e Dilma. E como ficariam os parlamentares que há um ano estavam civicamente enojados da corrupção? Agora, até os oposicionistas apostam que Temer conseguirá arquivar o caso. A dúvida é sobre o resultado final da votação, que explicitará o tamanho da força, ou da fragilidade, de Temer.

Espertamente, assessores presidenciais espalharam em Brasília o boato de que, tão logo a denúncia seja devidamente arquivada, Temer realizará uma reforma ministerial para contemplar seus soldados mais leais. O chamado “centrão”, grupo fisiológico montado por Eduardo Cunha, coça os dedos diante da possibilidade de assumir orçamentos mais polpudos na Esplanada dos Ministérios. O céu é o limite para legendas como PP, PTB e PR, todas, aliás, protagonistas do mensal��o. A resiliência de Temer também decorre da falta de apetite de outros partidos para apeá-lo do cargo. O PT não organiza manifestações de massa pela saída do peemedebista. Só não se sabe se não o faz porque perdeu a massa ou se prefere deixar Temer sangrando no posto até 2018, o que daria a Lula a oportunidade de jogar na oposição, campo em que é craque consagrado. Já o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que assumiria interinamente o lugar de Temer em caso de afastamento, não quer conspirar abertamente contra o peemedebista. Nos bastidores, Maia já fechou uma coalizão de partidos para apoiá-lo caso ascenda à Presidência, apresentou um programa à plutocracia nacional, que consiste em votar a agenda reformista em tramitação no Congresso, e escalou sua equipe de governo. Henrique Meirelles continuaria no Ministério da Fazenda, enquanto as raposas peemedebistas seriam expulsas do Planalto. “Temer tem um governo novo com palácio velho”, disse Maia numa conversa reservada. O primeiro a cair, pelo que se especula nos bastidores, seria o ministro Eliseu Padilha.

CENÁRIOS – Rodrigo Maia e Geraldo Alckmin: conversas, articulações e planos para 2017 ou 2018 (Renato S. Cerqueira/Futura Press/Estadão Conteúdo)

Pressionado a demonstrar lealdade a Temer, Maia tenta mais nos bastidores do que na ribalta. Mas, seja qual for o desfecho da votação da denúncia, ele já é o parlamentar mais influente do país ao reunir um ativo que vale ouro em política: a expectativa de poder. Na semana passada, o deputado se encontrou com o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, presidenciável do PSDB, para uma conversa que pode resultar numa parceria nas eleições de 2018. Por exemplo: uma chapa formada por Alckmin e Maia. Outra possibilidade é Alckmin concorrer a presidente com o apoio do DEM, e Maia sair candidato ao governo ou ao Senado pelo Rio numa aliança com os tucanos. Fortalecido, o deputado vem travando disputa com o PMDB de Temer por quadros do PSB. Sua meta é duplicar a bancada do DEM na Câmara. Como deputados do PSB estão fazendo muxoxos ideológicos, dizendo-se incomodados por sair de uma legenda de esquerda para uma de direita, Maia refundará o DEM. A ideia é que o partido adote um programa mais moderado e passe a se chamar Centro Democrático, ou CD, o que daria discurso aos “socialistas” para aderir ao velho PFL dos coronéis.

Temer não se importa de perder essa queda de braço com Maia, desde que os deputados continuem com ele, independentemente da camisa que vistam. No fim da semana passada, o presidente disse que o placar final da análise da denúncia deixará claro que seu governo tem força de sobra até para aprovar a reforma da Previdência. A votação seria a sua redenção. Numa solenidade, Temer, cuja popularidade nunca esteve tão próximo do traço, afirmou: “Vivemos num país de muito otimismo”.

Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2017, edição nº 2541

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