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Coluna publicada em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543

Por J.R. Guzzo
Atualizado em 12 ago 2017, 06h00 - Publicado em 12 ago 2017, 06h00

QUEM colocou o deputado federal Wladimir Costa em sua cadeira na Câmara? A propósito, quem colocou lá os seus 512 colegas? Costa é o “deputado da tatuagem”. Nunca se destacou por algum grande feito parlamentar, até que ganhou dos meios de comunicação seus quinze minutos de fama, fazendo tatuar o nome “Temer” no ombro direito. Seu voto a favor do governo, como tantos outros, corria o risco de passar altamente despercebido; por causa da tatuagem, apresentada como uma importante denúncia política, foi para o horário nobre dos noticiários e para as primeiras páginas da imprensa. Melhor para ele: garantiu que não será esquecido pelos atuais gerentes da máquina pública na hora de discutir o que realmente interessa, como as verbas devidas às emendas parlamentares e outras grandes atrações do nosso regime republicano. Dez entre dez membros das classes civilizadas deste país ficaram escandalizados com o “deputado da tatuagem”. Mas não gostam de considerar que ele, e gente como ele, só está no Congresso Nacional porque os eleitores decidiram, com seus votos, que deveria estar lá.

O “deputado da tatuagem”, da bancada do Pará, está no seu quarto mandato. Foi cassado pela Justiça Eleitoral por compra de votos, mas até agora não lhe aconteceu nada: está recorrendo da sentença. No momento responde a indagações no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados — depois de muito se discutir se seria ético ter uma tatuagem com o nome do presidente. Eis aí outra questão-chave da crise política atual, como já tinha sido, antes da votação, o intenso debate sobre a verdadeira natureza da tatuagem: seria hena? (Aparentemente, o delito ficaria mais grave se fosse hena; estaria provado, nesse caso, que sua fidelidade a Temer não era eterna.) É óbvio que essa comissão não vai fazer coisa nenhuma; Jack, o Estripador, em pessoa, se fosse deputado brasileiro hoje, sairia de lá absolvido, e com um diploma de honra ao mérito no bolso. Para encerrar: no ano que vem há eleições e o “deputado da tatuagem” será reeleito pela quinta vez, a menos que não esteja mais interessado nesse tipo de vida. A moral da história é simples. O eleitorado do Brasil vota horrivelmente mal.

Como acreditar que nossos políticos são péssimos, mas os eleitores são ótimos?

Preconceito, elitismo, raiva do povo, negação da democracia, coisa de direita etc. — escolha qualquer uma dessas expressões para condenar a afirmação apresentada acima, como fazem nossos mais distintos pensadores, e, a partir daí, deixe-se enganar à vontade. Se é errado dizer que o brasileiro vota mal, por que os deputados e senadores do Brasil, para não falar do resto da tropa, são tão ruins assim? De quem é a culpa pela entrega dos cargos públicos ao que a sociedade tem de pior? A culpa é dos eleitores brasileiros, é claro — ou seria dos eleitores mexicanos? Não há, muito simplesmente, como fugir dessa realidade. A verdade é que o tempo passa e o desempenho da população brasileira na escolha de seus governantes continua sendo definido com perfeição em duas frases que causaram grande escândalo na época em que foram ditas — e que não querem ir embora.

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A primeira é de Pelé, de quarenta anos atrás, e se mostra cada vez mais certeira. “O brasileiro não sabe votar”, disse Pelé. Na ocasião, e por muito tempo depois de sua declaração, ele foi considerado um monstro por nossa elite pensante — boçal, ignorante, fascista, serviçal da ditadura militar, inimigo do povo e mais um monte de coisas. Foi intimado a calar a boca, contentar-se com seu lugar de jogador de futebol e não se meter em conversas de que não entendia. A segunda frase, dita há 25 anos, é do ex­-presidente Lula. “Há uma maioria de 300 picaretas no Congresso”, afirmou ele. Lula, sendo Lula, não foi fuzilado como Pelé; fizeram até música em homenagem à sua tirada. Houve apenas um silêncio envergonhado entre as massas intelectuais que o admiram e que até hoje evitam tocar no assunto. Mas o que realmente interessa, nos dois casos, é o seguinte: quem está disposto a dizer em público, hoje em dia, que o brasileiro sabe votar muito bem, ou que o Congresso Nacional é um lugar de gente séria? Lula, por sinal, só errou na conta: em vez de dizer “300” deveria ter dito 500.

O eleitorado brasileiro é esse, e não dá para trocá-lo por outro. O máximo que se pode fazer é reduzir suas possibilidades de decidir errado — e isso poderia ser conseguido com uma reforma nas leis eleitorais que os políticos se recusam a aprovar. O resto é hipocrisia. Como acreditar que nossos políticos são péssimos, mas os eleitores brasileiros são ótimos? É um almoço grátis moral. O Brasil de hoje é especialista nisso.

Publicado em VEJA de 16 de agosto de 2017, edição nº 2543

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