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A senhora do destino

O voto de Rosa Weber vai definir o futuro do ex-presidente Lula, da Operação Lava-Jato e da própria Justiça

Por Laryssa Borges e Gabriel Castro
Atualizado em 30 mar 2018, 06h00 - Publicado em 30 mar 2018, 06h00
(VEJA/VEJA)

A ministra Rosa Weber, de 69 anos, só fala nos autos. Ao contrário de alguns de seus colegas de Supremo Tribunal Federal (STF), ela não dá entrevista, não debate política em público e não mantém contato, fora da agenda de trabalho, com partes interessadas nos processos. É uma juíza no estilo tradicional. Há pouco mais de seis anos no tribunal, já atuou em processos de grande repercussão, mas quase sempre como coadjuvante. Nesta quarta­-feira 4, fará sua estreia como protagonista — e justamente no julgamento do habeas-corpus ajuizado pela defesa do ex-presidente Lula, que pretende evitar sua prisão imediata no caso do tríplex do Guarujá. Dos onze ministros do STF, cinco já deram sólidos indícios de que são a favor do recurso do petista e cinco mostraram claramente que são contra. Caberá a Rosa Weber desempatar a questão para um lado ou para o outro.

Não se trata apenas de um desempate. Está nas mãos da ministra decidir sobre o destino do líder da corrida presidencial e, também, da maior operação de combate à corrupção da história do país. A Lava-Jato, afinal, só ganhou enorme dimensão porque os condenados em segunda instância estão indo para a cadeia — e o risco de prisão levou a maioria dos acusados a selar acordos de delação, o que deu impulso inédito à investigação. Derrubar a autorização de prisão em segunda instância significa adiar a cadeia para as calendas gregas, desestimular as delações — e, assim, enterrar a essência da Lava-Jato.

Se o veredicto do STF for favorável a Lula, estará aberto o caminho para livrar da cadeia todos os outros em situação semelhante — como o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, também condenado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4). Além disso, tornará incerto o encarceramento de outros figurões, como os ex-ministros Antonio Palocci e José Dirceu, prestes a ser sentenciados em definitivo em segunda instância. A VEJA, Deltan Dallagnol, chefe da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, fez a seguinte avaliação: “O Supremo poderá colocar uma pá de cal sobre a esperança de realmente alcançarmos justiça na Lava-Jato e em outras grandes investigações. Fulminará os resultados da operação não apenas porque vários réus serão soltos, mas porque a prisão de todos será atrasada por mais de década, até não se sabe quando, com grandes chances de alcançarem a impunidade pela prescrição”. A própria eficácia do sistema judicial, por isso, seria comprometida, a depender da decisão desta quarta-feira.

Na semana passada, o TRF4 rejeitou os últimos recursos da defesa de Lula, consolidando sua condenação na segunda instância. Em tese, está tudo pronto para que a prisão seja efetivada. Para os leigos, é difícil entender por que essa discussão ainda persiste, considerando que Lula já foi condenado por nove juízes — todos, sem uma única exceção — que analisaram seu caso (veja artigo de J.R. Guzzo). No entanto, entre os ministros do STF há os que têm argumentos jurídicos a favor da liberdade de Lula e outros que têm argumentos jurídicos, igualmente sólidos, a favor da prisão de Lula. Tudo depende da interpretação que se dá ao princípio da presunção da inocência inscrito na Constituição. Daí por que a decisão é uma incógnita.

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A prática – Lula: a concessão do habeas-corpus poderia adiar sua prisão em até nove anos (Marlene Bergamo/Folhapress)

Desde 2016, o Supremo vem autorizando a chamada antecipação da pena. O efeito pedagógico está registrado em números. Em 2015, antes da decisão do STF, a Lava-Jato fechou 46 acordos de colaboração. Já no primeiro ano depois da mudança de entendimento, foram 104 acordos. Nos últimos meses, ministros derrotados no julgamento de 2016 lançaram uma ofensiva para que o STF volte atrás. A presidente do tribunal, Cármen Lúcia, comprometeu-se a não pautar o assunto, mas cedeu e levou a plenário a questão individual de Lula. A ala de ministros que quer impedir a prisão antecipada propõe uma solução intermediária: o cumprimento da pena se daria apenas depois de decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ou seja: em vez de prender com condenação em duas instâncias, só se prenderia com condenação em três instâncias. Seria apenas um degrau a mais no rito processual. O problema é o tempo que se leva para dar essa pequena escalada. Um ministro do STF, ouvido sob a condição de anonimato, estima que as bancas de advocacia consigam postergar o desfecho de um caso penal no STJ por até nove anos. Por esse prognóstico, Lula, de 72 anos, só poderia ser preso aos 81.

Fiel da balança do julgamento de quarta-feira, Rosa já manifestou posições divergentes sobre a antecipação da pena. Ao ser sabatinada para o cargo em 2011, mostrou-se simpática à tese: “O cumprimento da pena após o trânsito em julgado da sentença condenatória realmente gera a cada dia na sociedade uma sensação de impunidade do sistema que nós temos de tentar solucionar de alguma forma”. No entanto, no julgamento da questão em 2016, revelou posição oposta: “A mim causa enorme dificuldade ultrapassar barreiras temporais e partir para soluções que envolvam a privação da liberdade sem que pelo menos tenhamos, dentro do que o nosso sistema penal assegura, uma decisão transitada em julgado”. Qual dos dois entendimentos prevalecerá agora?

Discreta – A ministra (no centro, de óculos) com familiares: só confraterniza com parentes e só fala nos autos (//Reprodução)

Apesar de derrotada na votação de 2016, Rosa sempre respeitou a decisão do plenário do STF, que validou a prisão antecipada por seis votos a cinco. Até quando se manifestou favoravelmente à concessão de um salvo-conduto a Lula para que ele não fosse preso antes do julgamento do habeas-­corpus, a ministra frisou que sempre se guia pelas decisões do colegiado, mesmo discordando pessoalmente delas. Para os defensores da prisão imediata do petista, esse seria um indício de que Rosa votará contra a concessão do habeas-­corpus. Na semana passada, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o juiz Sergio Moro, que auxiliou Rosa no julgamento do mensalão, fez uma elegante pressão sobre a ministra. Disse Moro: “Eu tenho um apreço especial pela ministra Rosa Weber. Fui convocado, trabalhei com ela, pude observar a seriedade da ministra, a qualidade técnica da ministra. Então, tenho a expectativa de que esse precedente não vai ser alterado”.

Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber foi indicada ao Supremo por Dilma Rousseff, que acolheu uma sugestão apresentada por sua filha, a procuradora do trabalho Paula Araújo, e por seu ex-marido, o advogado trabalhista Carlos Araújo, que faleceu em 2017. A filha e o ex-marido conheciam Rosa de círculos jurídicos do Rio Grande do Sul e, diante da exigência de Dilma de nomear uma mulher para o STF, ofereceram o nome da ministra. Assim que chegou ao tribunal, Rosa dedicou-se a estudar direito penal e recrutou o paranaense Sergio Moro como juiz auxiliar para ajudá-­la no julgamento dos réus do escândalo do mensalão, que ocorreria dali a poucos meses. Em seus votos, Rosa absolveu José Dirceu, José Genoino e Marcos Valério do crime de formação de quadrilha, mas condenou os três pelo crime de corrupção.

No auge do petrolão, Lula foi flagrado em um grampo afirmando que a ministra deveria ser procurada por petistas. Na época, Rosa era relatora de um pedido para suspender as investigações dos casos do tríplex e do sítio de Atibaia e retirá-los das mãos da Justiça de Curitiba. “Se homem não tem saco, quem sabe uma mulher corajosa possa fazer o que os homens não fizeram”, disse Lula numa conversa telefônica com o então ministro Jaques Wagner. Alvo do desabafo, Rosa mostrou-se de fato corajosa. Apesar da pressão, rejeitou o recurso do ex-presidente, que acabou condenado no caso do tríplex e agora está a uma canetada da cadeia. Lula, na época, disse que o Supremo era uma instituição acovardada.

Publicado em VEJA de 4 de abril de 2018, edição nº 2576

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