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A saga de ter um filho transgênero

O drama dos pais ao descobrir o conflito de identidade de gênero de suas crianças é um turbilhão emocional que só sereniza com tolerância e respeito

Por Giulia Vidale Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 13 out 2017, 06h00 - Publicado em 13 out 2017, 06h00

Com aguçada sensibilidade para perceber os humores da sociedade e levá-los para a televisão, a dramaturga Gloria Perez, que diz trabalhar com tintas de “jornalista e historiadora”, fez de um personagem transgênero um extraordinário sucesso. A Força do Querer, novela da Globo, com a atriz Carol Duarte na pele de Ivana, e depois Ivan, bateu com frequência os 40 pontos de ibope, o equivalente a 27,5 milhões de pessoas. A audiência disparou nos dias em que a moça comunicou sua decisão de assumir o novo gênero aos pais. Disparou de novo quando Ivan fez a barba pela primeira vez, após tomar hormônios. Na terça-feira 10, em capítulo exibido na madrugada, depois do jogo da seleção brasileira, o espancamento de Ivan fez a audiência explodir: 43 pontos. Desde as malandragens antiéticas da turma de Avenida Brasil, de 2012, liderada pela Carminha de Adriana Esteves, não se falava tanto de uma novela e de seu caldo de cultura. Na próxima sexta-feira, dia 20, A Força do Querer chega ao fim — termina a ficção, mas continua o assunto que ainda provoca um brutal estranhamento.

Os transgêneros fazem parte do cotidiano brasileiro, e já não se pode fingir que não existem sob o pretexto de que não combinam com o padrão tradicional. E são muitos — 0,5% da população. No Brasil, isso corresponde a cerca de 1 milhão de pessoas. No mundo, são 35 milhões, o que equivale à população de um país como o Canadá. A dificuldade de aceitação, que no passado recente significava condenação ao eterno preconceito, somente agora começa a ser diluída. A condição é tecnicamente definida como “disforia de gênero”. Trata-se do desconforto, do descompasso, permanente e completo, entre o sexo biológico e a identidade de gênero. Na idade adulta, pode resultar em isolamento social. Na infância, pode ser ainda mais dramático, se não for bem compreendido.

VEJA acompanhou durante um mês o cotidiano de famílias em que há meninas que não se sentem adequadas com o corpo feminino e meninos que não se reconhecem no corpo masculino — alguns são realmente pequenos, de apenas 6 anos. A reportagem da revista ouviu também pais de transgêneros já adultos. Da conversa com psicólogos, psiquiatras, endocrinologistas e educadores, brota um retrato que vai do medo inicial, do susto com a novidade até, nos casos felizes, ao respeito e carinho, numa estrada sinuosa de emoções infindáveis. Há mais cuidado hoje — e a novela é constatação desse avanço —, mas os problemas de relacionamento são imensos. “Por mais que o assunto esteja nas ruas, é ainda complicado para uma mãe e um pai aceitarem a situação de seus filhos na intimidade”, diz a psicanalista Edith Modesto, fundadora do GPH – Grupo de Pais de LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros e Intersexuais; os intersexuais são aqueles que nasceram com alguma variação de anatomia do aparelho reprodutor).

Claudete, avó de Yann, de 12 anos: “Hoje em dia ele tem a carteirinha com o nome masculino e ninguém mais o conhece como Yasmin” (Jonne Roriz/VEJA)

O apoio da família é o ponto crucial. No ano passado, o jornal Pedia­trics, publicação da Academia Americana de Pediatria, mostrou que crianças que fazem a transição de gênero com suporte familiar têm as mesmas taxas de depressão que crianças convencionais. Daí a importância do voto recente do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, no caso em que se pede a reparação por danos morais de um transgênero impedido de usar um banheiro feminino em um shopping de Florianópolis. O ministro escreveu: “Destratar uma pessoa por ser transexual — destratá-la por uma condição inata — é a mesma coisa que a discriminação de alguém por ser negro, judeu, mulher, índio ou gay; é simplesmente injusto, quando não manifestamente perverso”.

Os pais — o empresário Anderson de Almeida, de 43 anos, e a chef de cozinha Patrícia Navarro de Almeida, de 39 — sempre tiveram o temor de que a filha Carolina, de 6 anos, que nasceu menino (Murilo) e aos 4 assumiu o gênero feminino, fosse destratada, hostilizada, maltratada. Em seu relato, Anderson passa de um pronome a outro. Ora fala “ele”, ora fala “ela”, expondo na gramática todo um estranhamento recém-adquirido: “Passamos a notar um comportamento diferente no meu filho a partir de uns 2 anos. Ele tinha muito gosto por coisas femininas, queria brincar com as meninas, punha as fraldas de pano na cabeça e dizia que era seu cabelo. Pensei que fosse uma fase, que passaria. Mas não passou. Pelo contrário, foi se intensificando cada vez mais. No começo fiquei completamente atordoado, sem saber para que lado correr. Achamos que poderia ter relação com a depressão pós-parto da minha mulher, e essa seria uma forma de ele pedir atenção. Passamos por maus bocados. Ela era muito agressiva, cuspia nas pessoas, mordia. Batíamos nela e a deixávamos de castigo. Chegamos a evitar alguns eventos sociais, por medo do julgamento dos outros quando ele quisesse se vestir de menina. Até que isso foi ficando muito forte nele e não conseguíamos mais segurar. Aos 4 anos, já com apoio psiquiátrico, deixamos que se vestisse e agisse como quisesse em qualquer lugar. A mudança foi visível. Hoje nossa filha é dócil e feliz. Mas, até chegar a esse grau de evolução, foi muito sofrimento”.

Para frear o sofrimento, e para iluminar o assunto, a Sociedade Brasileira de Pediatria lançou recentemente um manual sobre atendimento e acompanhamento de crianças e adolescentes com sinais de transtorno de gênero. Os sinais podem ser a persistência em vestir-se com roupas do sexo oposto, o forte desgosto pela própria anatomia sexual, a preferência por brincar com pares do sexo oposto — atitudes como essas devem permanecer por pelo menos seis meses, de maneira a configurar uma alteração real, que precise ser investigada minuciosamente. Ao redor dos 2, 3 anos, uma criança já se identifica como menino ou menina de forma mais definida — e, no caso de transgêneros, a inquietação, a sensação de ser uma peça fora do lugar, pode brotar bem cedo, portanto. É doloroso para as crianças, evidentemente, mas também para os pais. Em maio, a Universidade Harvard, nos Estados Unidos, entrevistou 29 responsáveis por crianças e adolescentes trans de 7 a 18 anos para saber como lidaram com a condição do filho, sobretudo no início da descoberta. Há três revelações fundamentais:

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  • ceticismo, negação e luto são as primeiras reações dos pais ao identificar a condição do filho;
  • em seguida, tentam acordos com os filhos, sobre os lugares e os momentos em que eles podem se vestir ou se comportar segundo o novo gênero;
  • por fim, os pais procuram serviços de saúde especializados, como ajuda psiquiátrica e psicológica, não porque tenham dificuldade de aceitar seus filhos, mas porque temem discriminação nas ruas, como bullying e a violência física.

 

Rosângela e Rogério, pais de Ariel, de 23 anos: “Ele me confessou só aos 18 anos. Como não percebi antes?” (Jonne Roriz/VEJA)

A funcionária pública Claudete Maria Boehm, de 59 anos, é avó e responsável legal de Yann, de 12 anos, um menino que assumiu o novo gênero aos 10 anos. Antes, era Yasmin. O relato da avó: “Meu neto era uma pessoa triste, muito fechada. Ele tinha problemas na fila e nas atividades em que separam meninos e meninas. Inclusive, chegou a ficar um tempo sem o nome na parede no mês de aniversário, como era de praxe na sala de aula, porque a lista das meninas era feita em folha rosa e a dos meninos na azul. Diversas vezes eu precisei de atestado médico para que ele fosse dispensado da educação física, porque não podia ficar na turma dos meninos e não queria participar da das meninas. Mas logo depois que ele começou a ser atendido no Hospital das Clínicas, em São Paulo, a situação mudou. O centro médico tem um programa de acompanhamento escolar. O psiquiatra então sugeriu que a partir daquele momento ele fosse tratado como menino. Hoje em dia, o Yann tem carteirinha com o novo nome e ninguém mais o conhece pelo nome feminino. No início, foi sugerido que ele usasse o banheiro de família na escola, mas o Yann não aceitou. Então a psicóloga precisou conversar com os diretores e eles finalmente liberaram o banheiro masculino”.

A escola, naturalmente, é o palco de todas as tensões. Recentemente, os Estados Unidos, um dos poucos países com alguma norma de atenção aos transgêneros, deram um passo atrás. Em fevereiro, Donald Trump anulou uma norma assinada por Barack Obama segundo a qual as escolas públicas deveriam permitir ao aluno transgênero a escolha de banheiros e vestiários de acordo com sua identidade de gênero. O Brasil, a rigor, está até mais avançado. Algumas escolas no Rio de Janeiro e em São Paulo começam a alterar as próprias regras ao não separar mais brinquedos de meninos e meninas, deixando as crianças livres para brincar com o que preferirem. No Estado de São Paulo, há, desde 2014, uma determinação que permite aos estudantes da rede pública estadual utilizar o banheiro conforme seu gênero. A medida não tem força de lei. Recentemente, o Conselho Nacional de Educação, órgão ligado ao Ministério da Educação, aprovou por unanimidade um parecer que autoriza o uso do nome de acordo com o gênero escolhido para todos os estudantes trans de escolas de educação básica no país. Na prática, a decisão, que ainda deve passar pelo crivo do ministro da pasta, José Mendonça Filho, concede a todas as escolas públicas ou privadas brasileiras o direito de permitir que os alunos solicitem o uso do novo nome em qualquer momento do ano acadêmico.

Carmen, mãe de Victor, de 26 anos: “Ele não mudou a sua essência” (Jonne Roriz/VEJA)

A questão das intervenções de mudança de sexo é ainda mais complicada. De acordo com a legislação brasileira, o uso de hormônios do sexo oposto só é autorizado depois dos 18 anos. Antes dessa idade, permite-se apenas o bloqueio do hormônio natural do gênero, com o objetivo de evitar que a criança entre na puberdade e desenvolva características associadas ao sexo de nascimento, sempre com a autorização dos pais. Nas meninas, exemplos disso seriam a menstruação e o desenvolvimento das mamas. Nos homens, o surgimento de pelos, do pomo de adão e alterações na voz. Somente depois dos 21 anos são autorizadas a extração dos órgãos e a construção de genitais. Desde 2008 o Sistema Único de Saúde oferece cirurgias de mudança de sexo e terapia hormonal. De lá para cá foram realizados 400 procedimentos hospitalares, em cinco centros autorizados, e 1 241 procedimentos ambulatoriais.

Em 2012, o maior centro especializado em crianças e adolescentes transgêneros do país, o Ambulatório Transdisciplinar de Identidade de Gênero e Orientação Sexual, do Hospital das Clínicas, em São Paulo, inaugurou um serviço específico para os pais. Em encontros mensais com duração de uma hora, os pais de transgêneros relatam suas experiências. Diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, coordenador do trabalho: “O objetivo é sanar dúvidas mais práticas das famílias e orientá-las, mas o que acaba ganhando força é o fato de os pais perceberem que não estão isolados, que há inúmeras realidades muito parecidas, e que as certezas são poucas”.

Uma criança transgênero vai construindo sua identidade de gênero, mas não se trata de um processo abrupto. Nem mesmo irreversível. “É absolutamente tranquilo, normal e comum um menino querer passar batom ou uma menina querer se vestir de menino ou herói. O problema é querer solidificar uma identidade na criança antes da hora”, diz a psicóloga Rosely Sayão, colunista de VEJA. Cerca de 2% mudam de ideia e desejam voltar ao gênero de nascimento. A dúvida é mais comum na infância. Os médicos interrompem o bloqueio hormonal, se ele já estiver sendo praticado, e o organismo retoma as características iniciais. No entanto, no caso de o arrependimento aparecer na idade adulta, e a cirurgia de mudança de sexo já tiver ocorrido, dá-se um colossal impasse. Não há reversão saudável para a maioria das operações.

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A professora Rosângela Moraes da Rosa, de 63 anos, e o advogado Rogério Carvalho da Rosa, de 70 anos, são pais de Ariel, de 23. Rosângela tem lembranças emocionadas, e, por lembrar-se dos primórdios complicados do incômodo do filho, prefere nem mesmo dizer como ele se chamava antes de revelar-se transgênero. “O que mais me preocupou ao saber que minha filha era trans foi imaginá-la tomando hormônios masculinos para o resto da vida. Com a ajuda dos médicos, eu soube dos riscos, mas também que eram poucos, se tomados com orientação. Um dia o Ariel me confessou que desde muito pequenininho se sentia diferente. Eu nunca sofri tanto quanto naquele momento, quando ele fez a revelação: onde é que eu estava esse tempo todo? Ele me confessou só aos 18 anos. Foram dez anos sozinho. Imagino a dor e o isolamento na escola. Quando falo ou penso nisso me dá vontade de chorar. Como não percebi?”

A percepção não nasce sozinha, mas integra um contexto. Até o início dos anos 2000, a transgeneridade era tratada como doença pela maioria dos profissionais. Apenas em 2013 a Sociedade Americana de Psiquiatria passou a considerá-la uma condição, e não mais uma patologia. A Organização Mundial da Saúde (OMS) já estuda tirar a transgeneridade da lista de Classificação Internacional de Doenças (CID), também dando um passo decisivo para que o tema deixe de ser conceituado como uma patologia.

A analista de sistemas Carmen Lúcia dos Santos Namur, de 54 anos, é mãe de Victor, 26 anos, menina (a mãe, também por recordações, prefere não se referir ao nome de nascimento) que assumiu o novo gênero aos 25 anos: “Meu filho entrou recentemente com o processo para mudar a documentação. Isso me tranquiliza, porque pode ajudá-lo a sofrer menos constrangimentos ao longo da vida. O fato de ele ser diferente, gostar de roupa e ter usado sempre brinquedos diferentes não foi e não é um problema. Sou uma pessoa bastante racional e acho isso natural. Agora, não gostar do próprio corpo? Ele ou ela, não mudou a essência. Não mudou a pessoa. Não mudou o coração, não mesmo.”

Cerezo e Rosa, pais de Lea T., de 36 anos (no círculo, em registro da infância, e na foto ao lado): “Para pais cascudos como eu, ainda é muito difícil” (Sergio Berezovsky e Edu Bravin/)

Um em cada 15 000 meninos faz a transição para menina. Uma em cada 40 000 meninas agora é menino. Acompanhamentos psicológicos indicam ser mais fácil para os pais aceitar a transição do feminino para o masculino. “Os pais tendem a ficar mais incomodados quando percebem um comportamento tido como feminino, como maior sensibilidade, trejeitos, preferência por coisas culturalmente mais ligadas ao universo feminino, nos meninos”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, do Hospital das Clínicas. Isso explica por que os pais dos meninos percebem antes os sinais de seus filhos do que os pais das meninas.

A ciência ainda busca entender o mecanismo que encaminha o desencontro entre mente e corpo. A explicação fisiológica mais aceita envolve alterações cerebrais e hormonais. Haveria um descompasso na produção de hormônios masculinos que circulam no corpo da mãe entre a décima semana de gestação, quando se formam os órgãos genitais, e a vigésima, quando se desenvolve a região cerebral responsável pela identidade de gênero. “Isso abriria brecha para a formação de um cérebro masculino em um corpo feminino, e vice-versa”, diz Saadeh.

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Tas entre o filho Luc, de 28 anos (à esq.), e o genro Nicholas, também trans: “A informação é fundamental para acabar com o preconceito” (//Arquivo pessoal)

O apoio dos pais nessa gangorra será sempre fundamental. O grau de sofrimento é inversamente proporcional à aceitação e à tolerância. Diz o endocrinologista Magnus da Silva, coordenador do Núcleo de Assistência Multiprofissional à Pessoa Trans da Universidade Federal de São Paulo: “Nove entre dez pessoas que fazem a transição sem o apoio de sua família, e convivem com brigas e rejeição, acabam usando drogas”.

Um levantamento conduzido pela Fundação Americana de Prevenção do Suicídio mostrou que a taxa de tentativas de suicídio entre os trans é de 40%, contra apenas 4,6% na população em geral. Tal realidade pode ser revertida, segundo estudo da Universidade de Western Ontario, no Canadá: jovens trans que contam com a família para dividir seus desafios, angústias e conquistas correm risco 82% menor de atentar contra a própria vida em comparação com seus pares abandonados ao preconceito. Pais mais velhos, e que já atravessaram décadas nessa experiência desconcertante, têm muito a ensinar. VEJA conversou com os dois mais conhecidos, o ex-jogador de futebol Toninho Cerezo, inteligente e sensível dentro e fora de campo, e o apresentador Marcelo Tas, que lida com o humor e a seriedade em doses elegantemente iguais.

Diz Cerezo, de 62 anos, pai da modelo Lea T., de 36, um menino (Leandro de nascimento) que assumiu o novo gênero aos 23 anos: “No início fiquei preocupado com a violência e o preconceito, porque a gente sabe como o mundo é. Quando eu vi que ela estava segura do que desejava, que já tinha procurado um psiquiatra e fazia terapia havia muito tempo, fiquei mais tranquilo. Acho que a Rosa, a mãe dela, ficou um pouco mais agitada. A Rosa sempre foi o pilar da casa. Depois que minha filha viu que a família toda estava de braços abertos, ela se tornou uma pessoa muito confiante e seguiu o caminho que queria. Quando ela veio com a ideia de fazer a cirurgia, eu e a mãe dela ficamos muito preocupados com sua saúde porque era um mundo muito novo para a gente. Fomos procurar informações, falar com médicos, e ficamos mais tranquilos. Hoje não me preocupo. Mas, claro, para pais mais cascudos como eu, vindo do machismo no futebol e de uma época em que o preconceito era maior, ainda é difícil. De algum modo aprendi e cresci. Acho que nossa postura, a da Rosa e a minha, pode ajudar as pessoas a ter mais compreensão”.

Diz Marcelo Tas, de 57 anos, pai de Luc Athayde-Rizzaro, de 28, menina (Luiza) que assumiu o novo gênero aos 22 anos: “Meu filho me contou que se identificava com o gênero masculino e que estava namorando um homem que também é trans, com quem hoje ele é casado. Foram muitas novidades em uma notícia só. Mas, para o pai que se relaciona realmente de uma maneira próxima do filho, não existe uma ruptura. Existe um caminhar constante, em que você está acompanhando a vida do filho, afetiva, profissional. Claro que foi uma surpresa. Mas aí fui atrás de informações para tentar entender que transformação era aquela. Procurei ajuda, conversei com psiquiatras, estudei. Digo sempre que o diálogo é importante, mas a informação é essencial para acabar com a ignorância que gera medo, violência e preconceito”.

Dada a novidade — não a da existência dos transgêneros, mas sim a de sua visibilidade —, há ainda uma longa estrada. Nas palavras da psicóloga americana Kristina Olson, diretora do TransYouth Project, da Universidade de Washington, em entrevista a VEJA: “Tememos aquilo que não conhecemos bem; conforme formos conhecendo pessoas transgênero, nós nos tornaremos mais tolerantes com a diversidade que existe no mundo”.

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O banheiro e a cirurgia

A segurança jurídica é uma das bandeiras mais recorrentes dos transgêneros. Há no Supremo Tribunal Federal (STF) duas ações que envolvem os direitos de quem porta essa condição.

Uma delas nasceu do caso de uma mulher trans que exige reparação por danos morais depois de ter sido proibida de usar o banheiro feminino de um shopping em Florianópolis, Santa Catarina. Ela teria sido retirada à força do local por um agente de segurança sob o argumento de que sua presença causaria constrangimentos. “Não respeitar essas pessoas é não respeitar a natureza”, disse o ministro Luís Roberto Barroso, relator do caso no STF. O julgamento, no entanto, está parado desde novembro de 2015, quando o ministro Luiz Fux pediu mais tempo para analisar o tema. Na decisão inicial, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina entendeu que não houvera dano moral, mas “mero dissabor”.

CURITIBA, PR, 13.06.2017: Na semana passada, Gisele Alessandra Shimidt e Silva foi a primeira advogada transexual a fazer uma sustentação oral no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal), ao defender o direito de transexuais mudarem o nome e o sexo no registro civil sem a necessidade de realizar uma cirurgia de â??transgenitalizaçãoâ?. (Foto: Brunno Covello/Folhapress)
Gisele Shimidt – A primeira advogada trans no plenário do Supremo (Brunno Covello/Folhapress)

O outro processo no STF discute a possibilidade de alteração de gênero no registro civil mesmo sem a realização da cirurgia de mudança de sexo. No recurso, um homem trans questiona a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que permitiu a alteração de seu nome, mas não a mudança do sexo feminino para o masculino no registro civil. O tribunal entendeu que ele não havia realizado a cirurgia de adequação sexual. O julgamento da ação, iniciado em 2014, foi interrompido em abril deste ano. Foi retomado em junho. Quem defende o homem trans no caso é Gisele Alessandra Schmidt, da ONG Dignidade, a primeira advogada trans a subir à tribuna no plenário do STF. “Muitas pessoas não querem fazer a cirurgia de readequação genital, por ser invasiva”, diz Gisele. “É inadmissível atrelar a mudança de gênero a uma operação.”


Publicado em VEJA de 18 de outubro de 2017, edição nº 2552

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