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A rendição ao populismo

Por trás da improvisada decisão de intervir na segurança do Rio de Janeiro está um insólito projeto de poder do presidente Michel Temer e do MDB

Por Robson Bonin Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO , Daniel Pereira Atualizado em 30 jul 2020, 20h26 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00

Na maior inflexão de um governo na era democrática, o presidente Michel Temer espantou os meios políticos e econômicos na sexta-feira 16, ao dar uma guinada radical em sua agenda: abandonou sem vacilações o reformismo, tão impopular quanto necessário, e abraçou com entusiasmo o populismo, tão popular quanto desnecessário, ao decretar intervenção federal na área de segurança do Rio de Janeiro. Com isso, como mostra a Carta ao Leitor desta edição, começa um novo governo Temer — o terceiro em menos de dois anos. Em abril de 2016, duas semanas antes da abertura do processo de impeachment contra Dilma Rousseff , que o colocou no exercício interino da Presidência da República, Temer disse a VEJA: “Quero entrar para a história como o presidente reformista”. Deu passos decisivos nesse sentido ao conseguir aprovar o teto para os gastos públicos, a reforma trabalhista e a reforma no ensino médio. Mas a sua prioridade número 1, a reforma da Previdência, nunca saiu do papel, até que, na semana passada, o governo finalmente desistiu do projeto ao intervir no Rio e, para compensar, deu nova embalagem a um punhado de medidas econômicas que havia muito estavam na agenda (veja a reportagem).

A mudança de rumo deixou à mostra que o presidente Michel Temer, apesar de sua popularidade pedestre, nutre esperanças de ser influente na eleição presidencial ou, até mesmo, de ser ele próprio candidato à reeleição. Nesse projeto, a bandeira do combate à criminalidade é um empurrão e tanto, considerando que a sociedade brasileira, e não apenas a fluminense ou carioca, está exausta de tanta violência. Temer, naturalmente, nega intenções eleitorais e mandou seu porta-­voz, Alexandre Parola, dar o recado. “A agenda eleitoral não é, nem nunca o será, causa das ações do presidente”, disse o porta-voz. A desmoralizar a declaração está o tremendo improviso com que a intervenção no Rio foi decretada, sinal eloquente de que tudo foi feito às pressas, diante da iminente derrota na reforma da Previdência. Prevista na Constituição para situações extremas, a intervenção começou sem planejamento sério, sem plano para a atuação dos militares e sem previsão de recursos orçamentários para financiar a empreitada. Uma prova evidente do improviso é a ideia atabalhoada dos “mandados coletivos de busca”, uma autorização para buscas e apreensões indiscriminadas. O general Villas Bôas, comandante do Exército, por sua vez, defende a adoção de “medidas legais, em caráter excepcional, sempre respeitando as garantias constitucionais” (veja o artigo).

O mentor – Moreira Franco e sua alquimia eleitoral: se der errado, Temer não terá nada a perder (Pedro Ladeira/Folhapress)

Disse a VEJA um ministro, que pediu anonimato por não querer contrariar a versão oficial em público: “O governo percebeu que estava num beco sem saída. Por isso, mudou a agenda para o combate à violência, um tema com alto índice de apoio da sociedade”. A ideia da intervenção nasceu numa conversa entre os ministros da Secretaria-­Geral da Presidência, Moreira Franco, e da Defesa, Raul Jungmann, na terça-feira 13, o último dia de Carnaval. Os dois, ambos com ambições políticas no Rio, chegaram à conclusão de que as cenas de violência contra cidadãos e foliões mostradas pela TV facilitavam a adoção da medida, assim como o sumiço das autoridades estaduais no período. O prefeito Marcelo Crivella passou o Carnaval borboleteando no exterior e tentando convencer a plateia de que fora fazer algo de útil, enquanto o governador Luiz Fernando Pezão se recolheu à pequena Piraí, sua cidade natal, sem nem tentar convencer alguém de que fora fazer algo de útil.

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Com a ausência das autoridades mais simbólicas, os ministros vislumbraram a chance de construir a versão de que o descontrole no Rio chegara ao limite. A violência no Rio, como sabem todos os brasileiros, está em estágio inaceitável há tempos, com sucessivos governos incapazes de conter a escalada do crime. Mas, da semana passada para cá, não houve uma única novidade que justificasse uma intervenção estabanada. Nem o Rio é o estado mais violento do Brasil — Rio Grande do Norte, Pernambuco, Ceará e Alagoas, por exemplo, estão à sua frente no critério de mortes violentas por 100 000 habitantes, segundo dados do Instituto Igarapé —, nem o Carnaval de 2018 superou a violência de anos anteriores. Ao contrário, os crimes de agora caíram quase à metade do total registrado em 2015 e 2016 e ficaram pouco acima do registrado em 2017.

Como a versão pode valer mais que os fatos, a escolha do Rio de Janeiro foi uma opção do marketing presidencial. O ministro da Justiça, Torquato Jardim, explicou a VEJA como funciona: “O Rio é o que chama mais atenção. Não é questão de estatística. É questão de mercado, repercussão social, repercussão na mídia. Os paulistas que me perdoem, mas o Brasil começa no Rio de Janeiro”. Como o Brasil começa no Rio de Janeiro, Moreira e Jungmann levaram a ideia da intervenção ao paulista Michel Temer. Ao presidente, Moreira Franco apresentou o plano nos seguintes termos: se der errado, Temer terá pouco a perder, porque já é recordista de impopularidade; se der certo, colherá apoio popular e poderá viabilizar a sua candidatura à reeleição. Temer, que tantas vezes disse que a popularidade não estava entre as suas preocupações, abraçou a ideia de pronto. Na manhã da Quarta-feira de Cinzas, desinformado da guinada iminente, o ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, reuniu-­se com o presidente para tratar da reforma da Previdência. Temer não atualizou o ministro, que deixou a audiência vendido, mas logo se recuperou e já defende a candidatura presidencial do chefe.

O estrategista – Elsinho Mouco e a prestidigitação do marketing: se der certo, Temer é candidato à reeleição (Renato S. Cerqueira/Futura Press/Folhapress)

No dia seguinte, quinta-feira 15, o presidente convocou o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e da Câmara, Rodrigo Maia. A pauta oficial previa um debate sobre a onda de refugiados venezuelanos em Roraima. Mas eles foram surpreendidos pelo anúncio da intervenção no Rio. Eunício e Maia apoiaram a medida, que já foi aprovada na Câmara e no Senado, mas ficaram contrariados com Temer. Desde 2017, os dois diziam que apostariam na pauta da segurança pública e teriam papéis de protagonistas nesse debate. Com a intervenção, Temer roubou-lhes o protagonismo. O contra-ataque foi rápido. Na semana passada, Eunício e Maia criticaram o governo por apresentar um pacote requentado de medidas econômicas.

O governador Pezão também soube da intervenção na própria quinta-feira e aceitou-a de bom grado — afinal, livrou-­se de um abacaxi. O Alto-Comando do Exército só se reuniu para tratar do caso na sexta-feira 16, dia do anúncio da iniciativa. Em reunião de cinco horas, capitaneada pelo general Villas Bôas, dezessete generais de quatro estrelas manifestaram preocupações e contrariedades à decisão de Temer. Entre elas, o temor de o Exército estar sendo usado em nome de objetivos meramente eleitorais. Um militar próximo aos membros do Alto-Comando fez um desabafo a VEJA, com a condição de ficar anônimo para não ser acusado de indisciplina: “Há pelo menos dez generais instalados no Planalto e ninguém foi capaz de impedir que a politicagem tomasse conta desse processo? A violência no Rio não começou agora. Os alertas vêm sendo dados há muito tempo. A solução não pode vir só dos militares”.

Na noite da sexta-feira 16, horas depois do anúncio da intervenção, o Ibope fez uma pesquisa telefônica com 600 eleitores, a pedido do governo. Perguntou o seguinte: “O governo federal decretou intervenção na segurança pública do Estado do Rio de Janeiro e com essa medida as Forças Armadas assumem a responsabilidade pelas polícias civil e militar. O senhor aprova ou desaprova a intervenção?”. Resultado: 83% aprovaram, 12% desaprovaram. “É interessante que toda vez que chegam as forças federais e as Forças Armadas há um aplauso da população. As pessoas anseiam por segurança”, disse Temer no sábado 17, numa reunião fechada na sede do governo do Rio.

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Improviso – Os conselhos da República e da Defesa: primeiro a aprovação, depois a discussão sobre como fazer (Marcos Corrêa/PR)

O desânimo com a Previdência deu lugar à euforia com a intervenção. Marqueteiro de Temer, Elsinho Mouco disse ao presidente, no domingo 18, que o governo havia vencido a guerra na opinião pública. Entusiasta da campanha à reeleição do chefe, Mouco afirmou ainda que Temer, ao empunhar a bandeira do combate à criminalidade, tinha condições de disputar o voto dos mais pobres e dos eleitores que flertam com a candidatura de Jair Bolsonaro, o segundo colocado nas pesquisas, que acusou o golpe: “O Temer já roubou muita coisa aqui, mas o meu discurso ele não vai roubar, não. É uma intervenção política o que ele está fazendo. Se der certo, e eu vou torcer para que dê certo, glória dele. Se der errado, jogará a responsabilidade no colo das Forças Armadas”. Pode-se intuir que a torcida de Bolsonaro para “que dê certo” é de uma sinceridade vegetal.

Segundo o Datafolha, violência/segurança aparece em quinto lugar no ranking dos principais problemas do país, com 8% de citações, atrás de saúde (25%), desemprego (19%), corrupção (15%) e educação (9%). Parece pouco, mas não é. Metade dos brasileiros identifica a presença de facções criminosas nas vizinhanças de onde mora. Enfrentá-las pode reduzir a sensação de insegurança e ter um forte impacto no humor do eleitor. Diz o diretor-geral do Datafolha, Mauro Paulino: “Como as intervenções militares do ano passado foram amplamente aprovadas pelos cariocas e as Forças Armadas recebem altas taxas de credibilidade dos brasileiros, é possível supor que o presidente Temer terá feito, neste primeiro momento, uma boa aposta”.

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“É necessária a candidatura do presidente Temer”

Oportunismo – Carlos Marun: o resultado da intervenção será determinante para definir o cenário das eleições presidenciais (André Dusek/Estadão Conteúdo)

O ministro Carlos Marun, chefe da Secretaria de Governo, é conhecido pela língua afiada. Em entrevista a Hugo Marques e Daniel Pereira, de VEJA, ele faz jus à fama. Ao ser questionado sobre a possibilidade de o presidente disputar a reeleição em outubro, o ministro, um ex-integrante da tropa de choque do ex-deputado Eduardo Cunha, não desconversa.

Qual o melhor candidato para representar o governo na corrida presidencial? Acredito que os partidos da nossa base tenham de ter juízo suficiente para criar um único caminho nas próximas eleições: ou devem apoiar um nome da própria base ou um candidato de um partido de fora da base, mas que defenda a nossa pauta.

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O presidente Michel Temer é candidato à reeleição? Depois do que aconteceu ontem na Câmara (a aprovação do decreto de intervenção no Rio de Janeiro), é necessária a candidatura do presidente Michel Temer na próxima eleição. Ele continua a dizer que não quer, mas o fato é que, como não aprovamos a reforma da Previdência, o nosso trabalho ficou incompleto.

A intervenção na segurança pública pode fortalecer essa candidatura? O governo é medido pelo êxito de suas ações. Todas aquelas que tenham resultado positivo contribuem para o sucesso eleitoral no futuro. Não há dúvida de que o sucesso dessa guerra que estamos declarando contra o banditismo no Brasil será, sim, um fator determinante nas próximas eleições. A economia saiu de uma recessão. É natural que isso também tenha reflexos eleitorais positivos. Agora, na minha avaliação, a necessidade da candidatura à reeleição do presidente Temer também vem muito da impossibilidade de aprovação, neste momento, da reforma da Previdência.

Alguma chance de o governo tentar votá-la depois da eleição? Se o nosso projeto eleitoral for exitoso, podemos tentar votar, com esse mesmo Congresso, entre novembro e dezembro. O Brasil é inviável sem a reforma da Previdência. Hoje, só é contra ela quem tem motivos políticos, como a oposição, quem está desinformado ou quem cuida do próprio umbigo. No caso dos deputados da nossa base, muitos entenderam que o voto a favor da reforma poderia inviabilizar a reeleição, e isso foi determinante para que não conseguíssemos aprovar o projeto.

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A Procuradoria-Geral compara o MDB a uma quadrilha. Essa pecha é injusta? Injusta e absurda, porque faz uma generalização que deveria ser objeto de procedimento judicial, no sentido de que houvesse retratação. Houve lideranças nossas que realmente praticaram ilicitudes, elas têm de ser investigadas e, caso comprovadas as denúncias, merecem ser punidas. Existem filiados que devem desculpas e explicações à população brasileira e à Justiça, mas daí a generalizar vai uma diferença muito grande.

Quem deve desculpas ou merece punição? Não vou nominá-los.


Com reportagem de Marcela Mattos

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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