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A não defesa de Temer

Denunciado por Rodrigo Janot pelo crime de corrupção passiva, o presidente tenta desqualificar a acusação e os acusadores, mas não contesta o principal

Por Ana Clara Costa
Atualizado em 6 jul 2017, 19h21 - Publicado em 6 jul 2017, 13h44

“O senhor ex-deputado Rodrigo Rocha Loures revelou-se indigno da minha confiança. Processá-lo-ei e tudo farei para que pague pelos crimes que cometeu com o uso vil e indevido do meu nome.” O fato de as frases fictícias acima jamais terem saído da boca do presidente Michel Te- mer chega a ser surpreendente. Constatar, afinal, que um amigo em quem se deposita “estrita confiança” foi flagrado usando seu nome para tramar o recebimento de propinas, mais tarde materializadas numa mala recheada com 500 000 reais, seria suficiente para indignar qualquer inocente. Mas Temer perdeu a chance de manifestar essa indignação em seu primeiro pronunciamento, feito logo após a delação do empresário-criminoso Joesley Batista vir a público, e a desperdiçou novamente na terça-feira passada, quando, prestigiado pela companhia do último escalão do Congresso, falou no Palácio do Planalto sobre a denúncia de corrupção passiva apresentada pela Procuradoria-Geral da República. A defender-se, Temer preferiu atacar o titular da instituição, Rodrigo Janot, insinuando que este recebeu dinheiro ilícito, e mostrar aos parlamentares do Congresso — sobretudo aqueles investigados — que, ao se unirem contra seu algoz, eles teriam todos aumentadas as chances de sobrevivência.

Ao trocar argumentos objetivos por adjetivos, Temer logrou um feito involuntário: robustecer, pela fragilidade de sua não defesa, a denúncia de Janot. O documento de 63 páginas elaborado pela PGR reúne transcrições de interceptações telefônicas, filmagens, fotografias e informações apresentadas pelos delatores da JBS. Com ele, Janot pretende provar que Temer orientou Rocha Loures, solto na sexta passada por habeas-corpus, a receber em seu nome os tais 500 000 reais. Em contrapartida, a JBS seria beneficiada pelo governo por meio de uma decisão do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), com mudanças legais que aumentariam seus lucros no ramo do comércio de gás natural. Ao alinhavar testemunhos, delações e elementos probatórios, a peça compõe um panorama impressionante e contundente da acusação — com uma fragilidade fundamental: não traz a bala de prata. Falta a prova cabal de que Temer seria o destinatário final do dinheiro.

Em seu pronunciamento, Temer cometeu ao menos dois deslizes graves para quem é especialista em direito. Primeiro, disse que o ex-procurador da Lava-Jato Marcello Miller não havia se submetido à devida quarentena antes de se associar ao escritório que prestou serviços à JBS até o início de 2017. Ocorre que nenhuma lei vigente obriga procuradores a cumprir quarentena antes de se associar a qualquer outra empresa. A segunda derrapada foi afirmar que a gravação feita por Joesley no Jaburu, por ser clandestina, era ilícita. Como deve saber o presidente, o termo clandestino não implica natureza ilegal. Significa apenas que a gravação se deu sem o aval de uma das partes da conversa. Até 2009, houve divergência entre ministros do Supremo sobre a aceitação de gravações realizadas nessas circunstâncias. O assunto, contudo, está pacificado. Há jurisprudência clara para o uso desse expediente no âmbito da própria Lava-Jato. O ex-­senador petista Delcídio do Amaral teve sua prisão decretada com base em gravações ambientais feitas por Bernardo Cerveró, filho do delator e ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró. Outro caso aceito pela Corte foi o do ex-­presidente da Transpetro Sérgio Machado, que, às escondidas, gravou conversas em que figuras notórias da política, como o ex-­presidente José Sarney e os senadores Renan Calheiros e Romero Jucá, tramavam contra a Lava-Jato.

JOESLEY BATISTA - O delator
JOESLEY BATISTA – O delator (DIDA SAMPAIO/Estadão Conteúdo)
(ARTE/VEJA)

A denúncia de Janot trouxe ainda ao menos dois fatos novos e relevantes que desmentiram alegações do presidente: a de que a gravação de sua conversa com Joesley Batista havia sido editada e a de que fora fortuito seu encontro no Palácio do Jaburu com o empresário-criminoso. A perícia da Polícia Federal foi categórica: não houve adulteração nos áudios. A perícia ainda aumentou o poder de fogo da denúncia contra Temer. Ao recuperar frases antes inaudíveis, deu nitidez a trechos fundamentais da conversa. Uma das frases recuperadas mostra que Temer orientou Joesley para que falasse com Rocha Loures sempre que quisesse fazer sua mensagem chegar ao Planalto. Outra, enigmática apenas para quem prefere encará-la assim, foi dita por Temer quando questionado por Joesley se Loures poderia ser seu interlocutor no Palácio. Disse o presidente: “Pode passar por meio dele, viu?”. Passar o quê?

Quem assistiu à cena em que Rocha Loures se esgueira pela rua com o que parece ser uma mala em brasa nas mãos talvez queira arriscar uma interpretação para a frase — mas ainda será apenas uma interpretação. Outra nova informação trazida pela perícia foi o trecho em que Temer diz a Joesley que foi melhor ele ter ido ao Jaburu a horas avançadas, pelo fato de que “não tem imprensa”. A afirmação derruba a alegação inicial do presidente segundo a qual havia se encontrado com o empresário pelo motivo singelo de ser ele um dos maiores produtores de carne do Brasil, “talvez do mundo”. Para a PGR, a frase reforça a verdadeira explicação para as condições inusitadas em que se deu o encontro entre o empresário-criminoso e o presidente: o segundo não queria que o encontro fosse do conhecimento de jornalistas — “para não demonstrar sua ciência de que os assuntos a serem tratados seriam escusos”.

“DA MINHA ESTRITA CONFIANÇA” - Rocha Loures, o homem da mala: sobre ele, nenhuma palavra do presidente
“DA MINHA ESTRITA CONFIANÇA” – Rocha Loures, o homem da mala: sobre ele, nenhuma palavra do presidente (BRUNO SANTOS/Folhapress)

 

Temer acusou Janot de ter produzido um relatório de “ilações”. Sua denúncia seria uma “peça de ficção” pelo fato de não trazer provas materiais de que o dinheiro se destinava a ele — e tem razão no último ponto: Janot diz que Temer recebeu o dinheiro, chega a afirmar que não existe “ressaibo de dúvidas” quanto a isso, mas não há um fiapo de prova de que o dinheiro tenha, de fato, ido parar no bolso do presidente. No entanto, a existência de provas materiais não é pré-requisito para uma denúncia. O jurista Modesto Carvalhosa diz que, ainda que possa ser considerada frágil uma denúncia sem esse tipo de elemento, isso não é impeditivo para que ela seja aceita pela Justiça. “A produção de provas cabe também à fase probatória da ação penal, que ocorre depois que a denúncia é aceita, no momento em que são ouvidas as testemunhas”, afirma.

Além das provas que já estavam em posse da PGR, Janot embasou a denúncia no relatório da PF que apontava que o presidente cometeu crime de corrupção passiva. Outros dois relatórios foram produzidos pela polícia indicando crimes de obstrução da Justiça e organização criminosa, o que sinaliza a possibilidade de duas outras denúncias virem a ser feitas no decorrer das próximas semanas. Cada uma delas deve tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) antes de ser apresentada ao plenário, onde terá de ser aprovada por 342 dos 513 deputados para que o presidente se torne, de fato, réu. Se isso acontecer, Temer se afastará do cargo por até 180 dias e, a depender da investigação do STF, poderá não voltar mais. 


AÉCIO: DE VOLTA AO SENADO

Depois da hecatombe, Aécio Neves tem recebido boas notícias. Sua irmã Andrea Neves deixou a prisão preventiva para ficar em prisão domiciliar. Agora, ele próprio recuperou o exercício do mandato parlamentar — o que reduziu a possibilidade de que sua prisão venha a ser decretada. Na sexta-feira, o ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal, revogou o afastamento do tucano de suas atividades como senador, cancelando assim a decisão tomada em maio pelo ministro Edson Fachin. No mesmo despacho, Mello negou o pedido da Procuradoria-­Geral da República para prender o senador sob a justificativa de garantia da ordem pública. A decisão do ministro, contudo, não garante tranquilidade permanente a Aécio. A PGR deve entrar com recurso contestando as duas decisões. Nesse caso, caberá à Primeira Turma, da qual Marco Aurélio faz parte, decidir sobre o futuro do tucano. Também nesta semana, Aécio soube que dois dos cinco inquéritos da Lava-­Jato que resultaram de delações de executivos da Odebrecht terão relatoria de ministros próximos do PSDB. Gilmar Mendes, seu amigo e aliado até na hora de cabalar votos no Congresso, será relator de inquérito sobre doações ilegais da empreiteira a Aécio na eleição de 2014. Alexandre de Moraes, ex-ministro de Temer, vai relatar o inquérito sobre corrupção, cartel e fraude na construção do Centro Administrativo de Minas Gerais.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537

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