A luta política e as leis
Diante da iminente prisão de Lula, discute-se se a interpretação da lei feita em 2016 deve permanecer igual. O cidadão não sabe o que esperar dos tribunais
Em um estado democrático de direito, poucas coisas são mais nocivas que o hábito de alterar a interpretação da lei segundo as conveniências políticas da hora. Neste momento, diante da iminência da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vício está começando a superar a virtude: discute-se com fervor espantoso se a interpretação da lei feita em 2016 deve permanecer igual em 2018. Trocando em miúdos: a interpretação de 2016 permite que Lula seja preso assim que o Tribunal Regional Federal em Porto Alegre encerrar o julgamento dos recursos de sua defesa, o que deve acontecer no início de abril.
Na semana passada, uma turma do Superior Tribunal de Justiça julgou a questão e, com base na interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal em 2016, decidiu que Lula pode, sim, começar a cumprir sua pena de doze anos e um mês assim que o TRF terminar de apreciar os recursos. Ocorre que, com as mudanças de opinião e a nova composição do STF, é possível que o assunto, se submetido outra vez à Corte neste momento, acabe ganhando interpretação distinta da de 2016 — e Lula não possa ser preso de imediato.
As mudanças casuísticas da jurisprudência são causa óbvia de insegurança jurídica: o cidadão não sabe o que esperar dos tribunais. Com a relevância ímpar assumida pelos tribunais superiores na vida pública do país, sobretudo o Supremo Tribunal Federal, seria desejável que as interpretações não fossem embaladas pelo calor da hora e permitissem um mínimo de estabilidade jurídica. O STF, na condição de intérprete incontestável da Constituição, deve liderar pelo exemplo. No entanto, por motivos que escapam à compreensão dos mortais, há ministros que ignoram com desembaraço as orientações já emitidas pelo plenário.
Como um organismo vivo, a jurisprudência estabelecida por um tribunal não é, evidentemente, algo imutável pelos séculos — ainda que o tempo decorrido entre 2016 e 2018 seja apenas um segundo na vida de uma lei. Mas as variações modeladas pelas circunstâncias parecem mostrar que uma parcela dos magistrados brasileiros ainda encontra demasiada dificuldade em superar a longa e nefasta cultura da impunidade, em especial a impunidade com os crimes de colarinho-branco.
Publicado em VEJA de 14 de março de 2018, edição nº 2573