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A estrada para o Brasil moderno

Quatro medidas que fariam do país uma referência em empreendedorismo, especialmente na indústria da tecnologia. Mas é preciso ousadia para adotá-las

Por Julio Vasconcellos*
Atualizado em 17 ago 2018, 07h00 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00

“Um computador em toda mesa e em toda casa.” Essa foi a meta traçada por Bill Gates, e que levou a Microsoft a se tornar uma das maiores empresas do mundo. O ponto de partida para uma estratégia de inovação bem-sucedida é a articulação de uma visão clara e cativante para o futuro. Uma iniciativa que deve vir do líder da organização e ser capaz de inspirar e motivar pessoas ordinárias a feitos extraordinários.

Esse não é, porém, um papel apenas de líderes do setor privado. Em 1961, a proclamação do presidente americano John Kennedy de que os Estados Unidos colocariam um homem na Lua até o fim daquela década catapultou os cientistas da Nasa a uma nova fronteira no espaço. Poucos anos antes, a visão do nosso JK, Juscelino Kubitschek, havia levado o país a erguer a capital Brasília, redefinindo os limites do interior brasileiro.

Nosso próximo presidente terá de traçar uma reta para o futuro abraçando a computação ubíqua e aplicada. Caso ele não saiba o que é isso, representará pontos a menos na corrida pela inovação.

A incerteza e o pessimismo de hoje nos paralisam. No entanto, podemos adotar uma postura mais esperançosa. Ao longo da última década, apostei em mais de cinquenta empresas de tecnologia no país, individualmente ou por meio do fundo de investimentos ao qual pertenço, o Canary. A evolução do empreendedor brasileiro é visível: cada vez mais formandos de nossas principais faculdades estão deixando bancos e consultorias de lado para fundar startups e trabalhar nelas. Essa energia e atenção dos talentos nacionais constituem o principal motor por trás do avanço do ecossistema brasileiro de inovação. Caberia ao governo, então, abrir espaço, remover barreiras e gerar incentivos para esse motor.

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Embora com realidade distinta, o exemplo da China pode servir como modelo para o Brasil. O forte crescimento econômico chinês nos últimos trinta anos viabilizou um gigantesco avanço tecnológico. A China é um país autocrático no qual o Partido Comunista controla todos os aspectos da economia. Seu sucesso, porém, vem em parte da habilidade de introduzir diversos procedimentos capitalistas e liberais. Hoje, a China está no rumo da liderança mundial em áreas-chave, como a inteligência artificial (IA).

No caso brasileiro, devemos traçar uma abordagem condizente com nossos valores democráticos, levando em conta a capacidade econômica atual e a competitividade global no ramo da tecnologia. O país precisa adotar a cartilha da inovação tecnológica quanto antes — uma atitude que deve começar, imprescindivelmente, pelo modo como nosso próximo presidente tratará o assunto. Essa postura deve se juntar às iniciativas de baixo e moderado risco, assim como àquelas de enorme potencial transformador, mesmo que com maior possibilidade de falha.

É o que chamo de portfólio de inovação. Para o Brasil, eu proporia um com base em quatro pilares: a ampliação da base técnica; a adoção em massa das tecnologias da IA; a reimaginação da mobilidade urbana; e a digitalização e a descentralização de grandes elementos burocráticos da economia e da sociedade como um todo.

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“Cada vez mais formandos de nossas faculdades estão deixando consultorias de lado para fundar startups e trabalhar nelas”

É de suma importância ampliar a base técnica por meio de investimento de longo prazo — só assim elevaremos o país a um novo patamar. Comecemos por expor alunos à programação e à ciência da computação desde o jardim de infância. Tratemos linguagens de programação da mesma forma que ensinamos língua portuguesa. Diversos estudos mostram que essa tática faz aumentar o interesse dos estudantes por essas disciplinas. É preciso, ainda, incluir meninas e grupos sub-representados nessas áreas. Como? Removendo barreiras culturais e socioambientais que desencorajam esses cidadãos a abraçar as ciências. O resultado será o cultivo de uma sociedade competitiva, justa e muito mais inclusiva.

Tudo isso leva tempo. Até lá, devemos criar parcerias entre o setor público e o privado para viabilizar uma rede de escolas e cursos técnicos focados em capacitar adultos com as competências necessárias para preencher vagas na área. Oportunidades surgirão com a rápida adoção das novas tecnologias.

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O segundo elemento do portfólio de inovação é a adoção da IA. Sundar Pichai, CEO do Google, descreveu essa inovação como “uma das coisas mais importantes que a humanidade está desenvolvendo, mais do que a eletricidade ou o fogo”. Precisamos acelerar a chegada dessa tecnologia, principalmente quando ela é aplicada para solucionar grandes problemas brasileiros. Para isso, é necessário que a nação derrube obstáculos à entrada de empresas estrangeiras nessa área e crie incentivos para seu desenvolvimento em solo nacional.

Líderes do Oriente Médio (em especial, de Dubai) e da Ásia (destaco Singapura) já transformaram seus países em grandes consumidores dessas tecnologias. Se o Brasil seguir esse caminho, surgirão melhorias significativas. Em 2017, por exemplo, em menos de seis meses a empresa nacional Letrus aperfeiçoou a escrita de alunos de escola pública, de forma inédita, usando IA aplicada à linguística e à educação. Devemos buscar resultados semelhantes em saúde, urbanização e segurança.

No setor de mobilidade urbana, nota-se a forte oposição política tanto a gigantes internacionais, como a Uber, quanto a inovadores nacionais, como a Buser. Os primeiros lutam contra o lobby dos taxistas para gerar uma grande quantidade de empregos no transporte urbano, enquanto os últimos se opõem à máfia dos ônibus em prol da democratização do acesso ao transporte desse tipo. O primeiro passo nessa área é, portanto, eliminar empecilhos.

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IA - O robô chinês aprovado no exame que qualifica médicos: avanço (//Divulgação)

Temos de ir além e também nos abrir para transformações como a proporcionada pelos veículos autônomos, que já pularam das páginas de ficção científica para a realidade. Esses carros, ônibus e caminhões que dirigem a si mesmos vão diminuir, de maneira drástica, o tempo gasto e os acidentes nas estradas, aumentando a produtividade de todos. A grande redução de veículos em circulação tornará as cidades menos poluídas e mais acessíveis. Para viabilizar esse cenário, será necessário amplo investimento em infraestrutura. Contudo, os ganhos serão enormes. Estimo que quem passa hoje duas horas no trânsito para ir ao trabalho, em São Paulo, no futuro verá esse tempo ser cortado à metade. Para que isso ocorra, precisa-se de uma política progressiva voltada para esse setor.

Por fim, chegamos ao quarto, e mais ousado, pilar do portfólio de inovação: tratar da digitalização e da descentralização da economia. É uma mudança viável, graças ao avanço, na área da criptografia, da tecnologia blockchain — que constrói registros públicos e distribuídos que captam informações de transações financeiras, com segurança e sem a interferência de intermediadores, como os bancos. É algo que pode remodelar o mercado, abrindo espaço para a atuação de pessoas de baixa renda. Representaria, em acréscimo, o fim dos cartórios, um dos mais vergonhosos componentes do custo Brasil. Já há start­ups nacionais, como a Hashdex, que querem servir de referência para essa onda de transformação.

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Num futuro próximo, chegará o ponto em que qualquer governo deverá até avaliar a viabilidade da digitalização da moeda nacional (com base na bitcoin ou em inúmeras outras opções virtuais). Até porque um registro público de transações traria tamanha transparência aos negócios que seria quase impossível atingir o patamar de corrupção com que os brasileiros estão acostumados hoje.

A estratégia que proponho atrairia a inovação de ponta para o país. Uma onda que traria tecnologias capazes de resolver os principais problemas da economia. Além disso, viabilizaria apostas dormentes do setor privado, alimentando a ambição de empreendedores. Nesse cenário, o governo teria como função remover barreiras e gerar incentivos. Depois disso, deveria sair da frente e deixar que as forças de mercado trabalhassem em paz.

* Julio Vasconcellos, brasileiro radicado na Califórnia, foi o primeiro representante nacional do Facebook. Em 2010 fundou o Peixe Urbano,  o maior site e aplicativo de descontos do país, vendido em 2014 ao gigante chinês Baidu. Hoje é CEO da Prefer (plataforma de recomendação de profissionais) e investidor

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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