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A dança da cadeira

O Rio agora é um estado com dois governadores, um com plenos poderes e o outro enfraquecido pelo vendaval anticorrupção que desmantelou o MDB local

Por Luisa Bustamante Atualizado em 13 mar 2018, 17h43 - Publicado em 23 fev 2018, 06h00

A partir de agora, e pelo menos até o fim do ano, o governo do Rio de Janeiro tem dois endereços. No Comando Militar do Leste (CML), no centro da cidade, o general Walter Braga Netto dá as ordens em tudo o que se refere à segurança pública, às polícias e ao combate ao crime. No Palácio Guanabara, na Zona Sul, o governador em fim de mandato Luiz Fernando Pezão (MDB) cuida de todo o resto que funciona bem: saúde, educação, finanças.

É desnecessário ressaltar a dose de ironia da frase anterior, porque no Rio nada funciona bem. Pezão perdeu poder e não ganhou nada. Sim, livrou-se da banda ruim. O problema é que no Rio de hoje a banda “boa” é de lascar. Para todos os efeitos, os dois governadores dançam a mesma música. Na prática, é cada um por si, dançando ao redor de uma única cadeira, como na brincadeira infantil, mas sem nenhuma graça. E o general terá de dar alguma substância ao que nasceu como operação de marketing (veja a coluna de Roberto Pompeu de Toledo).

Segundo funcionários de alto escalão do Palácio Guanabara, a dupla que agora governa o Rio mantém contato constante. Mas o Comando Militar do Leste, que o general continua a chefiar, acumulando o cargo com o de interventor, informa que nenhum encontro consta da agenda de Braga Netto. Desde a intervenção, os dois só foram vistos no mesmo ambiente no sábado 17, quando o presidente Michel Temer anunciou no Rio a criação de um Ministério da Segurança, e não pareceram nada integrados: chegaram, sentaram-se e saíram separadamente. A bem da verdade, nem precisam trocar ideias. “Na segurança, o general é o governador”, esclarece o coronel Roberto Itamar, porta-voz do CML. O afastamento, no entanto, não deve ser entendido como conflito — comprar brigas não condiz com a personalidade do interventor.

Pezão e Braga Netto só foram vistos no mesmo ambiente uma vez. Não pareceram integrados: chegaram, sentaram-se e saíram separadamente

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No Exército desde 1975, Braga Netto, que fará 61 anos no dia 11, é descrito como um homem cordial, bom estrategista e hábil nas relações pessoais. Já ocupou cargos em pelo menos seis setores do Exército, é benquisto por superiores e subordinados e, a julgar pelo currículo e pelos comentários de quem o conhece, possui os requisitos necessários para manter a ordem no estado. Nascido em Belo Horizonte, passou boa parte da carreira no Rio, onde mora com a mulher e dois filhos, e conhece bem o funcionamento e o comando da segurança pública — atuou na coordenação do setor na Olimpíada de 2016 e tem voz ativa nas operações conjuntas de militares e policiais que vêm sendo realizadas no Rio. No plano pessoal, é bem-humorado, leitor de obras sobre história, estratégia e geopolítica, e atleta — vôlei em dupla é seu esporte favorito. Braga Netto recebe salário líquido de 22 696,48 reais e não terá gratificações extras.

Apesar de o controle operacional da segurança no Rio estar com um novo senhor, a movimentação de recursos continuará dependendo da caneta de Pezão. Qualquer verba que o governo federal venha a liberar (o Ministério da Fazenda acena com 1 bilhão de reais) também passará pelo Tesouro estadual antes de pousar na Secretaria de Segurança, nas polícias, no Corpo de Bombeiros ou no sistema prisional — os quatro domínios do interventor. Só que, neste caso, os recursos já vêm carimbados para destino específico, como aconteceu quando Brasília liberou uma ajuda de 2,9 bilhões de reais para a segurança dos Jogos Olímpicos, em 2016. Ou seja, Pezão recebe, mas não arbitra.

Feita com notável improviso, a intervenção pegou as autoridades fluminenses de surpresa. Roberto Sá, secretário da Segurança exonerado do cargo, soube pela imprensa. Os deputados estaduais, inclusive os do MDB, tinham conhecimento de que algo seria anunciado, mas pensavam ser uma troca de secretário. Nos bastidores, diz-se que o general Braga Netto, que estava de férias, aceitou o posto com desconforto. Durante uma palestra em agosto, ele afirmou que via com reservas o emprego das Forças Armadas em operações urbanas, pelo potencial de banalização da medida, danos psicológicos à tropa e insegurança jurídica. As reuniões de planejamento estão em andamento. Ninguém sabe ao certo como a intervenção vai caminhar. As primeiras movimentações — bloqueios de estrada, incursões em favelas — foram todas atribuídas à colaboração entre militares e policiais que já vinham se dando no estado, e não podem ser associadas ao novo cenário.

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Enquanto Braga Netto começa a pôr as mangas de fora, Pezão as encolhe cada vez mais. O governador é o último na ativa da tribo que até pouco tempo atrás tratava o então PMDB do Rio como território particular. Quase todos os caciques — Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, Jorge Picciani — estão na cadeia, condenados ou sob suspeita de ativíssima corrupção. Como se não bastasse (e em consequência da bandalheira reinante nos quase oito anos de governo Cabral, de quem era vice), Pezão governa um estado falido, com salários atrasados e crise aguda em todas as áreas. A aliados, ele deu a seguinte versão: ao chegar a Brasília no dia 15, Temer lhe apresentou três propostas para a segurança. “Pezão disse que a intervenção foi a que mais lhe agradou”, confidencia o deputado estadual André Lazaroni (MDB), sem informar quais eram as outras duas.

A proposta foi costurada pelo ministro Moreira Franco, que é do MDB e é do Rio, foi governador do estado de 1987 a 1991, nunca fez parte do grupo de Cabral e agora se movimenta para ocupar o comando da legenda despedaçada. Uma eventual intervenção no partido local chegou, inclusive, a ser discutida com o governador. O deputado Lazaroni desconversa: “Dão mais importância ao Moreira nessa história do que ele realmente tem”. No xadrez político que desencadeou a intervenção, o jogo está só começando. Ao vencedor, as batatas.

Publicado em VEJA de 28 de fevereiro de 2018, edição nº 2571

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