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A Colômbia em seu labirinto

Acordo com as Farc reduziu o número de sequestros, assassinatos e extorsões. Mesmo assim, colombianos estão desanimados com o presidente que ganhou o Nobel

Por Duda Teixeira Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 6 jul 2017, 19h23 - Publicado em 6 jul 2017, 13h46

No livro O General em Seu Labirinto, o romancista colombiano Gabriel García Márquez narra a trajetória do general Simón Bolívar, que, tendo suas ambições políticas rejeitadas pelo povo da Colômbia, tentou deixar o país rumo ao exílio, mas morreu antes de alcançar seu objetivo. “O resto era escuridão. Carajos… Como posso sair deste labirinto!”, exclama o personagem. A amargura e a melancolia da narrativa lembram um pouco os dilemas enfrentados pelo atual presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos. Em dezembro do ano passado, ele recebeu em Oslo, na Noruega, o Nobel da Paz. Sua façanha foi conseguir um acordo de paz com as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), narcoguerrilha que inferniza o país há décadas. Na semana passada, seus integrantes entregaram 7 132 armas a uma missão da ONU. Mas os colombianos receberam a notícia com desânimo. O governo de Santos, que comandou a cerimônia de entrega com o líder das Farc, Rodrigo Londoño, é aprovado por apenas um quarto da população.

Iniciadas em 2012, as negociações com as Farc conseguiram acelerar uma tendência, que já vinha de anos anteriores, de queda na violência. O ano de 2016 foi o que registrou a menor quantidade de assassinatos em quatro décadas. A taxa de homicídios hoje é menor que a do Brasil (24,4 contra 28,9 para cada 100 000 habitantes). Os sequestros, que já alcançaram um pico de 3 500 em 2000, chegaram a apenas 205 no ano passado.

A narrativa e a sensação da população, porém, não correspondem a esses números. Para 86% dos colombianos, a segurança está piorando. “Não há otimismo porque, apesar de todos os avanços, o sentimento de insegurança surpreendentemente continua alto”, diz o economista Martín Oroz­co, presidente do instituto de pesquisas de opinião Invamer, em Medellín. Segundo dados da empresa, 15% dos colombianos declaram que foram vítimas de violência no último ano. É a mesma taxa de outros anos, só que a natureza dos crimes mudou muito. Se antes os relatos mais representativos eram de delitos atrozes como sequestros e assassinatos, atualmente o passo lento da economia, que neste ano deve crescer 2%, faz com que a maior parte seja de furtos de celular e carteira. São atos bem menos graves, mas geram uma avaliação negativa do governo do mesmo jeito.

(Arte/VEJA)

Outro ponto que atrapalha Santos são os diabos escondidos nos detalhes do acordo de paz. “Para a maior parte dos colombianos, o acordo não foi obra de Santos, e sim uma decisão das Farc”, diz o cientista político e antropólogo Eduardo Álvarez, da Pontifícia Universidade Javeriana, em Bogotá, e pesquisador da Fundação Ideias para a Paz. As maiores críticas são dirigidas aos termos da anistia aos terroristas, que, apesar dos crimes graves, não serão mandados para a prisão. “A ideia geral é que eles ganharam muito dinheiro e poderão aproveitar a vida em liberdade”, diz o colombiano Carlos Lemoine, presidente da consultoria CNC, que realiza pesquisas de opinião. Entre as diversas fontes de financiamento usadas pelas Farc estavam a mineração ilegal, o narcotráfico e a extorsão de pessoas e de empresas. Uma delas era a brasileira Odebrecht, que, segundo revelou VEJA, pagou durante vinte anos um pedágio mensal para poder operar no país. Por essas questões, quase metade da população gostaria que o acordo fosse renegociado em outros termos.

Os nós e os parágrafos obscuros do acordo não teriam tanta relevância se não fossem bem explorados pela oposição. O principal rival de Santos é seu antigo chefe, o ex-presidente Álvaro Uribe, de quem foi ministro da Defesa. Em seu mandato, Uribe esmagou as Farc. Foi esse enfraquecimento que mais tarde levou o grupo a não ver outro caminho a não ser se submeter a uma negociação de paz. Desde que deixou a Presidência, Uribe tem atacado sem descanso toda aproximação com os terroristas. Suas palavras reverberam principalmente nos que vivem em áreas rurais e estão mais sujeitos à violência de outros grupos armados, como o Exército de Libertação Nacional (ELN), o marxista-leninista Exército Popular de Libertação (EPL), o Clã do Golfo, sem ideologia, e os dissidentes das Farc. Eles não têm condições de amea­çar o Estado colombiano, como as Farc fizeram no passado. Somados, são menos numerosos: 4 000 membros contra 7 000 das Farc. Ao continuarem na ativa, porém, fazem parecer que todo o esforço foi em vão.

Publicado em VEJA de 5 de julho de 2017, edição nº 2537

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