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A cabeça de Bolsonaro

Quem é o economista com grande ascendência sobre o líder das pesquisas em questões econômicas

Por Ana Clara Costa e Luisa Bustamante
Atualizado em 20 ago 2018, 10h32 - Publicado em 17 ago 2018, 07h00

O primeiro encontro entre o capitão da reserva Jair Bolsonaro e o economista Paulo Guedes se deu em um hotel na Barra da Tijuca, no Rio, durou mais de cinco horas e terminou com uma espécie de declaração de amor do segundo para o primeiro. “Ele disse que havia sido sondado por todos os governos desde Delfim Netto, mas que só agora via a possibilidade de um casamento entre a ordem, representada por Bolsonaro, e o progresso, representado por ele mesmo”, conta Beatriz Kicis, presidente do Instituto Resgata Brasil e uma das intermediadoras do contato. O encontro ocorreu em 13 de novembro de 2017. Desde então, “ordem” e “progresso” conversam todos os dias e, em público, são só elogios um para o outro. Guedes diz que Bolsonaro é “um cara de princípios”. Bolsonaro, por sua vez, diz que Guedes é seu “Posto Ipiranga”, em alusão ao comercial de TV, à sua confessa ignorância sobre economia e à suposta irrestrita confiança que deposita no conselheiro. O fato de terem saído de ambientes tão díspares, porém, chama atenção — como fica claro nas já demonstradas e gritantes diferenças de ponto de vista entre o agora candidato à Presidência da República pelo PSL e seu agora principal assessor econômico e possível ministro da Economia em caso de vitória (veja a entrevista abaixo).

Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago, tradicional berçário de economistas ultraliberais, os chamados Chicago Boys, onde nasceram nomes como Milton Friedman e Thomas Sargent. Aos 68 anos, ele não é novato na política. Em 1989, assessorou o então candidato à Presidência Guilherme Afif Domingos, para quem montou um programa liberal que, segundo afirma, já previa o tripé de políticas monetária, cambial e fiscal para derrubar a hiperinflação. Guedes é um crítico ácido dos planos econômicos da época, inclusive o Real, que, conforme diz, demorou mais de cinco anos para ser concluído. Mas, em relação às próprias ideias, não economiza na vaidade: “Eu já afirmava lá atrás que não tinha como combater inflação sem política fiscal. Agora, trinta anos depois, o Chico Lopes (ex-presidente do Banco Central) me disse, no aniversário do Armínio Fraga, que eles me deviam uma desculpa e que eu estava trinta anos à frente”.

Chicago boy – Nos Estados Unidos, virou discípulo de Friedman. Não é dado a “grandes luxos”, mas gosta de esquiar em família. Com Bolsonaro, diverge sobre Previdência e privatizações (Oscar Cabral/Divulgação/Álbum de família/Arquivo Pessoal/Sergio Moraes/Reuters)

Guedes é um expoente discreto da geração de economistas cariocas que fez fortuna no ramo financeiro, embora sua gênese seja a academia. A carreira de professor universitário teve início com tripla jornada: na PUC-Rio, na Fundação Getulio Vargas e no Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). A vida acadêmica no Rio foi interrompida quando ele recebeu convite para lecionar na Universidade do Chile no momento em que o país vivia o auge da ditadura — Augusto Pinochet implantava lá a agenda econômica de Friedman. “O reitor me ligou oferecendo salário de 10 000 dólares. Eu ganhava o equivalente a 3 000 dólares dando aulas em três faculdades. Foi uma proposta irrecusável”, afirma. A experiência durou seis meses. Guedes se espantou quando, certo dia, a polícia política de Pinochet apareceu para uma inspeção em sua sala na universidade. “Mas a gota d’água para a volta foi um terremoto que assustou muito minha mulher.”

Atrasou - Guedes diz que deu a receita do tripé para corrigir a hiperinflação antes de FHC (ao lado, em 1994) implantá-lo e que o Plano Real demorou demais para ser concluído (Gustavo Miranda/Agência O Globo)

Em 1983, ao participar de uma reunião do FMI nos Estados Unidos, o banqueiro Luiz Cezar Fernandes o convidou para abrir a corretora (depois banco) Pactual. Passou quinze anos na instituição, trabalhando ao lado de André Esteves e nas operações de renda fixa, das quais, afirma, saíam 85% dos bons resultados do negócio. Guedes não administrava nem gostava de fazer contas — era a cabeça que pensava novas estratégias. A parceria se desfez em 1998. “Eu queria um banco de investimentos. O Luiz Cezar queria um banco comercial. Preferi sair”, diz Guedes. Divergências na estratégia também motivaram, em 2003, sua saída do ­Ibmec, órgão de pesquisa voltado para o mercado financeiro, que depois migrou para o ensino superior. Dessa vez, Guedes almejava uma expansão mais agressiva e seu sócio, Claudio Haddad, desejava que a instituição se mantivesse menor e filantrópica — ao menos para fins fiscais. Nos cinco anos seguintes, Guedes permaneceu no ramo, investindo na Abril Educação com Roberto e Giancarlo Civita, donos da Editora Abril, que publica VEJA. Em 2006, criou a BR Investimentos, que, em 2013, foi comprada pela Bozano Investimentos, com foco na área de saúde. Hoje, divide seu tempo entre a Bozano e, claro, a agenda de Bolsonaro. Guedes acredita que um deputado que construiu sua carreira como estatista tenha se transformado num liberal. Também não acha relevante que Bolsonaro se apresente como símbolo da ordem e da segurança, mesmo não tendo proposto um único projeto sobre o assunto em três décadas de vida pública. Considera ainda que, apesar de seus elogios à ditadura militar, Bolsonaro é um democrata. Diz que está com “Bolsonaro 100%” e já se movimenta em alguns momentos como se fosse ele próprio o candidato a presidente. Teve até conversas com o DEM para estabelecer um novo padrão de negociações políticas.

Ex-futuro candidato - Huck: receio de FHC (Rafael Campos/TV Globo)

Guedes é falante. Dizem os mais chegados que tem temperamento forte e defende seus argumentos com ênfase e palavrões. O estilo “motoniveladora” já podia ser percebido nas peladas que costumava disputar com amigos. Conta um deles que, quando o meio-campista e torcedor do Flamengo pegava na bola, era do tipo que “saía atropelando”. Uma certa truculência também pontua seus debates acadêmicos. Quando, por exemplo, em outubro de 2014, falou sobre desigualdade em um debate com o economista francês Thomas Piketty, sumidade no assunto e autor de O Capital no Século XXI, disse que destruiria “com argumentos franceses” a tese de que a distribuição de renda tem piorado no mundo. Atropelou, mas não destruiu.

Os mais próximos dizem que Guedes não é de “grandes luxos”. Gosta de ir a jantares, mas só de vez em quando toma um vinho, “por causa dos amigos”. É fã dos Beatles, aprecia ir a shows de música e prefere circular de Uber ou táxi a guiar o próprio carro. Ainda toca piano e lê três livros por semana ao mesmo tempo. Prefere temas científicos. “Não gosto de ficção. Gosto do que é real”, afirma. Admiradores o descrevem como “um estrategista brilhante”, críticos dizem que é teórico demais e não tem paciência para a gestão. Por enquanto, suas ideias o catapultaram ao posto de todo-poderoso de Bolsonaro, o economista que faz a cabeça do candidato. Seu temperamento pode ser empecilho para que permaneça no cargo em caso de vitória do ex-capitão? Essa nem o Posto Ipiranga sabe responder.

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Com reportagem de Fernando Molica


“Não sou suicida nem idiota”

O senhor é um economista renomado, banqueiro, Ph.D. por uma das melhores universidades do mundo. Jair Bolsonaro é um candidato vindo de um círculo no qual o senhor nunca transitou. Como ocorreu esse encontro? Ele me chamou para conversar depois de ter lido um artigo em que eu dizia que o Ciro Gomes era o legítimo candidato da esquerda e ele, Bolsonaro, o legítimo representante da direita. Foi o Winston Ling (empresário e presidente do conselho de administração da Petropar) que comentou esse artigo com ele. E, de repente, quatro ou cinco pessoas me ligaram ao mesmo tempo pedindo que eu fosse conversar com Bolsonaro. Isso foi no fim de 2017, quando eu ainda estava auxiliando Luciano Huck. Avisei o Huck que iria falar com Bolsonaro, e ele não viu problema algum. E, quando falei com ele, saí da bolha.

O que significa sair da bolha? A bolha é São Paulo, Rio, Florianópolis. Somos nós, a Folha de S.Paulo, a Globo, a VEJA. A bolha diz assim: “Ah, esse cara é chato, disgusting (repugnante, em inglês), tosco”. A bolha pensa em direitos humanos, que são demandas legítimas, corretas e sofisticadas da sociedade. Só que o povo está lá fora gritando socorro porque não sabe se levará um tiro hoje ou amanhã. Então, quando falei com ele, tudo ficou muito claro para mim. O que ele representa? A ordem, que é a função básica de qualquer governo. É isso que as pessoas querem. E é isso que ele defende quando fala de segurança. O que Bolsonaro fala remete aos preceitos liberais mais genuínos, que são a preservação de vidas e de propriedades, e que nortearam todo o pensamento dos constitucionalistas britânicos do século XVII.

Como foi a sua transição de Luciano Huck para Jair Bolsonaro?  Procurei Luciano em 2016 e disse a ele que um tsunami aconteceria em sua vida. Ele tinha, então, mais de 40 milhões de seguidores nas redes sociais. Eu disse: “Você está ferrado porque vai ser presidente da República!”. Ele disse que não havia a menor possibilidade, que ele era “irmão” do Aécio (o senador tucano Aécio Neves era, então, o possível candidato do PSDB à Presidência) e que seria chamado de moleque pelo Fernando Henrique Cardoso caso entrasse para a política. Eu disse a ele que Aécio seria fulminado pela Lava-Jato por causa das denúncias envolvendo Furnas e que ele próprio pediria a Luciano que se candidatasse. Eu não tinha informação nenhuma, era um palpite. Essa conversa foi presenciada pelo Gilberto Sayão (banqueiro carioca). Seis meses depois, Luciano me liga dizendo que eu havia acertado todas as minhas previsões. Aécio o havia procurado oferecendo a vaga de vice. Ele sugeriu, só de sacanagem, ser ele mesmo o candidato à Presidência e Aécio ficar com a Vice. Chocado, Luciano me disse que Aécio tinha topado. Desde então, nós dois ficamos em contato. Depois da vitória de João Doria para a prefeitura de São Paulo, Fernando Henrique também visitou o Luciano e sugeriu que, se ele fosse pré-­candidato pelo PSDB, teria chances reais de concorrer, já que o partido estava então rachado entre Alckmin e Aécio e poderia se unir em torno de um novo nome. Fernando Henrique se tocou, bem depois de mim, que o Luciano era um outsider como Doria e que o brasileiro queria votar em outsiders. Luciano, então, me disse: “Paulo, esse cara ia me chamar de moleque um ano atrás. E ele não fala que precisa de mim por causa dos meus milhões de votos, e sim porque ‘pode me ajudar’. Ninguém foi honesto comigo como você. Mas, olha, agora estou mesmo na campanha. Vamos nessa”. Ele montou uma equipe, e eu me dispus a ajudá-lo. Sugeri que o Armínio Fraga ficasse com a parte econômica. Armínio me disse: “Como assim? O apresentador de TV? Mas eu estou com Aécio!”. Aí eu expliquei tudo e ele topou. Montaram plano, equipe, tudo. Armínio estava a fim de ir de qualquer jeito para o governo. Ele gosta. É um cara espetacular. Mas, no fim de novembro, Luciano desistiu da ideia. E, então, eu me senti apto a ajudar Bolsonaro, com quem já havia me encontrado uma vez.

Em sua trajetória parlamentar, Bolsonaro já demonstrou claramente que é um estatista e não tem simpatia por medidas de ajuste. O senhor acha que ele se tornou um liberal? É o que eu digo a ele: “Se você não gosta do que a esquerda fez, gosta de uma economia mais aberta, então você quer uma economia liberal de mercado”. E ele não gosta do que a esquerda fez. A reforma da Previdência, por exemplo, não é ponto pacífico ainda no nosso programa. Ele me diz: “Paulo, você quer atropelar o Congresso? Os caras não conseguem aprovar nada, e você quer matar no peito? Você quer pegar o dinheiro dos velhinhos? E os 9 bilhões que deram ao Joesley?”. Aí eu explico a ele que as coisas não são bem assim, sou enfático quando digo que precisa haver reforma e que o presidente precisa encaminhá-la. É uma conversa respeitosa que temos. Às vezes é mais tranquila, às vezes, antagônica, mas sempre franca, porque ele é um cara de princípios.

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Bolsonaro já demonstrou claramente sua admiração pela ditadura militar. O senhor também acha que ele se tornou um demo­cra­ta? Bolsonaro faz parte de um enredo que está sendo escrito pela sociedade. Passamos por trinta anos de social-democracia e agora o povo dá sinais de que quer mudar. E ele é o agente da mudança. Sobre a questão da ditadura, acredita que os militares foram chamados pela sociedade porque a esquerda queria dar um golpe. Bolsonaro vê os militares como defensores da ordem. Mas ele mesmo diz que é preciso virar a página sobre esse assunto. A verdade é que, em vez de ameaça à democracia, Bolsonaro pode ser o primeiro presidente a amputar os próprios poderes presidenciais, retirando dinheiro do governo central e transferindo-o a estados e municípios. Isso é precisamente o contrário do que ocorre em um regime antidemocrático, porque regimes totalitários tendem a concentrar o dinheiro e o poder no topo. Bolsonaro está disposto a fazer o contrário, a descentralização de recursos que os constituintes tanto pediam. E ele fala que não quer ser reeleito porque quer dar o exemplo de como se faz política. Quem, além dele, disse isso?

Bolsonaro não conseguiu reunir o apoio de outros partidos para sua candidatura, mesmo sendo líder nas pesquisas sem Lula. Se eleito, como teria uma base forte para aprovar as reformas que o senhor considera imprescindíveis? Já contabilizamos mais de 110 parlamentares que nos apoiam em questões temáticas. Nada de toma lá dá cá, nada de ministérios. Vamos ter de dez a quinze ministérios, menos da metade do que temos hoje. É um novo eixo que se forma. Porque, ainda que um dirigente par­tidário não entenda a mudança, ele vai ver que sua bancada vai aderir a alianças temáticas porque o próprio povo vai pressionar para isso.

Se os deputados votarão por princípios e com base em alianças temáticas, também o fariam num governo Alckmin, Marina, Ciro ou Haddad. Não votarão por princípios apenas no governo Bolsonaro, certo? Votarão por princípios em governos de candidatos que têm agendas temáticas. Esse é o caso de Bolsonaro e Marina, com sua agenda ambiental.

O fato de ter uma agenda temática não impediu Bolsonaro de negociar o apoio do PR, do notório Valdemar Costa Neto. Os evangélicos estão com Bolsonaro, e por isso ele queria o Magno Malta como vice. O PR não quis dar essa garantia, então Bolsonaro rejeitou. Não foi Valdemar Costa Neto que disse não. Foi Bolsonaro. E toda a imprensa criticou essa aproximação, mas aplaudiu quando o Centrão se alinhou ao Alckmin.

Se Bolsonaro ganhar, a Fazenda será um superministério e o senhor, um superministro? A decisão dele é ter apenas um interlocutor em cada área. Na defesa, por exemplo, é o general Augusto Heleno. Na economia, sou eu. Não se trata de superministro, mas de tornar a gestão mais eficiente.

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E como seria um programa Paulo Guedes de ajuste fiscal? Venho trabalhando nisso nos últimos trinta, quarenta anos. Não é algo que surgiu do nada. Mas tem algumas premissas. Começa com um programa de privatizações. Calculamos que temos cerca de 1 trilhão de reais em ativos a ser privatizados, incluindo as ações do Tesouro na Petrobras.

Privatizaria o quê? Bolsonaro já disse que não quer privatizar tudo. Que não quer privatizar Itaipu, Nuclebrás etc. Mas eu defendo privatizar tudo mesmo. O meu papel é sugerir tudo. Mas a decisão é dele. A história recente mostra que não há mais defesa para a manutenção dessa quantidade de estatais. Os grandes escândalos de corrupção aconteceram dentro delas. Petrobras, Caixa, Banco do Brasil. São empresas que perderam a capacidade de investimento, não conseguem se modernizar, competir. Por que os Correios são uma estatal? Não faz o menor sentido. Essa seria a primeira medida. Temos ainda mais de 700 000 imóveis da União que podem ser vendidos. Com isso, calculamos mais cerca de 800 bilhões a 1 trilhão de reais. Somadas essas duas medidas, já são 2 trilhões de reais que poderíamos usar para reduzir a dívida, que hoje é de 4 trilhões. Depois, fa­ría­mos concessões de tudo relacionado à infraestrutura.

Tudo? Qual seria o limite? Não há limites. A questão das concessões ainda está sendo estudada, e não conseguimos avaliar quanto arrecadaríamos, porque é incalculável. Há estradas, hidrovias, reservas para exploração do turismo. As possibilidades são enormes. Temos duas consultorias especializadas em infraestrutura e logística que estão montando um plano.

Um plano dessa magnitude exigiria a participação de investidores estrangeiros. É claro. China, Canadá, Estados Unidos. Todos querem investir. Os juros estão muito baixos no mundo todo e há uma enorme liquidez circulando. O Brasil perdeu grandes oportunidades de atrair o investidor privado nos últimos anos.

Bolsonaro já revelou ter restrições ao investimento chinês, sobretudo nos setores mineral e agrícola. O senhor concorda? Ele mantém seu ponto de vista. Mas eu digo sempre a ele que a força de um país hoje vem de sua capacidade tecnológica, de sua potência comercial e de suas Forças Armadas. Nada disso está associado à exploração de minério. Vamos trabalhar para destravar setores que têm limite de capital estrangeiro. Também precisamos discutir a desvinculação das receitas. E desvincular significa habilitar a classe política a fazer o que ela é paga para fazer: aprovar verba no lugar certo.

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Como assim? Em vez de haver um ministro do Planejamento dizendo para onde vai o dinheiro, os deputados terão de aprender a votar o direcionamento dos recursos para onde eles são necessários.

Mas isso implica mudança consti­tu­cional. Precisaríamos de uma emenda constitucional, sim, mas não logo de cara.

Os deputados seriam responsáveis por todos esses recursos? Os próprios constituintes defendiam a descentralização de recursos na esfera federal. Sempre que recursos foram centralizados, o Estado corrompeu a classe política. Todos os heróis da redemocratização foram aniquilados pelo Estado. Olhe onde o Lula está. O gasto público é o grande vilão. Foi esse sistema centralizado que permitiu que Lula mandasse fazer um estádio de futebol para o time dele, que desse dinheiro a ditadores simpáticos a seu governo, que comprasse apoio de governadores, como Sérgio Cabral. É esse poder absoluto, que chega a ponto de um grupo político desenhar os vencedores do setor privado, que mina a democracia. A democracia não delega tantos poderes a um indivíduo. É por isso que esse “Estado-máquina” precisa ser desmontado. Porque, quando você descentraliza o poder, você resolve. O mote do nosso programa é “mais Brasil, menos Brasília”. Vamos simplificar a estrutura tributária e injetar na veia de estados e municípios, para que as pessoas vejam o dinheiro irrigando o seu cotidiano.

O senhor considera que irrigar estados e municípios e garantir apoio de alianças temáticas seria suficiente para assegurar governabilidade, em caso de vitória? Tenho feito alguns movimentos para me antecipar. Eu tive, há cerca de dois meses, uma conversa com o DEM, em que falamos justamente sobre uma reforma política para que as alianças sejam em torno de programas partidários a partir do ano que vem. Por exemplo: se um partido fecha questão para apoiar a reforma que descentraliza recursos, quem votar contra está expulso. O próprio DEM deu a isso o nome de “fidelidade programática”, e eu achei lindo. Quando o partido foi criado, deixando de ser PFL, suas lideranças me pediram que redigisse um programa liberal para o partido. Ou seja, ainda que elas não estejam com Bolsonaro, eu acredito que defendam ideias de centro-direita, como nós. O PSD de Guilherme Afif Domingos também. O Afif é um liberal, desenhei o programa dele quando ele concorreu à Presidência, em 1989. Ou seja, é um parceiro natural que pode trazer organicamente um PSD limpo para essa aliança de centro-direita. O que prevemos, para governar, é uma aliança de centro-direita conservadora nos costumes e liberal na economia. E repito: Bolsonaro já disse que, se eleito, não governará mirando reeleição. Ele mesmo diz: “Eu quero um mandato só para dar o exemplo, porque a reeleição faz mal ao país”. O FHC errou lá atrás ao usar isso porque, a partir de então, todos os presidentes passaram a governar para se perpetuar no poder.

O senhor tem todo um governo na cabeça. Bolsonaro, não. Se o senhor sai do governo, acaba o governo Bolsonaro? Não acho. Ele tem sido muito generoso ao dizer que não tem plano B. Ele fala isso para me prestigiar. Agora, se ele quiser um governo liberal, é só levantar a mão que muita gente vem para ajudar. Affonso Celso Pastore, Carlos Langoni, Gustavo Franco. Tem uma porção de gente que se atrai pela economia de mercado. Para a bolha, eu posso ser importante. Mas 99% de quem vota em Bolsonaro não está nem aí para mim. Querem ordem. Eu não me atribuo grande importância porque ele já existia quando eu cheguei.

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O senhor precisa explicar as coisas de modo muito didático para Bolsonaro? Eu acho que a bolha trata Bolsonaro com muito desrespeito, como se fosse um cachorro vadio. Lula era melhor do que ele do ponto de vista intelectual? Não era, era um operário malandro. Ah, mas sabia negociar política, né? Agora, esse tipo de negociação nos levou aonde estamos hoje. Não acho que a inabilidade do Bolsonaro em pensar nesse tipo de acordo o descredencia para se tornar um presidente.

O que o faria não estar num possível governo Bolsonaro? Eu acredito num cenário de um sujeito chegando para acabar com a velha política, que foi condenada à morte pela Lava-Jato. Esse sujeito representa a ordem. Então, eu não vou me negar a dar a ele o progresso das ideias liberais para ajudar esse governo a acontecer. Estou com ele 100%. Agora, se a mídia detonar o cara, nenhum partido der governabilidade e ele mesmo não quiser fazer as reformas, o que eu vou fazer? Não sou suicida nem idiota. Estou lutando por uma grande visão. Se ninguém entender, como já aconteceu antes, paciência. No Plano Cruzado, quando eu dizia que tudo ia dar errado, me chamavam de Beato Salu (referência ao místico personagem da novela Roque Santeiro). Eu estou seguro da história que vislumbro. Tive a visão do Luciano ­Huck muito antes de Fernando Henrique, que chegou atrasado. Saí da bolha e vi o Bolsonaro subindo. Acho que estou no caminho certo. O Bolsonaro não está fazendo nada de errado. São os políticos que têm de se reinventar. Escutei algo parecido do Eduar­do Campos pouco antes de sua morte. Perguntei por que ele não estava com Lula, como sempre esteve. Ele me disse: “Não sou santo, fiz política do jeito que todo mundo sempre fez. Só que não dá mais, isso vai acabar mal”. O cara era sagaz. Morreu.

 

Publicado em VEJA de 22 de agosto de 2018, edição nº 2596

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