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“A Igreja não é uma seita”, diz padre americano sobre tradicionalismo

Responsável por uma paróquia que oferece missas em latim e eminglês, o padre Robert Sirico avalia o avanço da ala mais conservadora do catolicismo

Por Maria Clara Vieira Atualizado em 8 nov 2019, 16h25 - Publicado em 8 nov 2019, 16h23

Padre de costas para os fieis, canto gregoriano, rito em latim. Pouca gente se lembra, mas até cinquenta anos atrás, as missas católicas eram celebradas exclusivamente desta forma. Foi o Concílio Vaticano II, encerrado em 1969, que abriu as portas para a “missa nova” que se conhece hoje em dia. A mudança angariou inimigos – liderados pelo bispo francês Marcel Lefebvre e pelo brasileiro Antônio de Castro Mayer – mas, de modo geral, foi bem aceita pelo público. As intempéries dos tempos modernos, contudo, trazem de volta os ventos do passado: atualmente, o número de igrejas que oferecem a missa tridentina (assim chamada por ter sido criada no Concílio de Trento, em 1563) cresce em todo o planeta. Reportagem de VEJA publicada nesta sexta-feira analisa o aumento exponencial da procura por estas celebrações no Brasil, principalmente entre os jovens. À frente do Instituto Acton para o Estudo da Religião e da Liberdade o padre Robert Sirico é um observador atento do fenômeno. Como pároco de uma igreja no estado americano de Michigan que oferece o rito tradicional e o moderno há 30 anos, ele avalia os prós e contras desta guinada ao passado e lembra que a Igreja sempre passou por transformações. A seguir, os principais trechos da conversa.

No Brasil, o número de igrejas que oferecem missas em latim aumentou em dez vezes na última década – com destaque para a crescente participação dos jovens. O que explica esse interesse? Estou à frente de uma paróquia que oferece a missa tridentina há mais de 30 anos, muito antes do decreto do Papa Bento XVI em 2007 que abriu as portas para este tipo de celebração. Sempre brinco que é a “missa da juventude”, dado que a quantidade de jovens presentes, em média, é maior do que nas outras. Muitos vieem como curiosos e alguns que agora participam regularmente – gosto de chamá-los de “hipsters-tridentinos”. Percebo que estas pessoas estão à procura da resposta para a difícil questão de como viver com propósito em um mundo confuso. Nesse sentido, a Tradição da Igreja, com todo o seu conjunto litúrgico, oferece clareza e consolo. O senso de mistério que a missa tradicional oferece é outra característica atraente para os jovens – ao menos, é o que eles me dizem.

Na sua avaliação, este apego ao passado pode trazer algum prejuízo para a Igreja? Costumo fazer algumas precauções àqueles atraídos pela Tradição. Um teólogo inglês, Monsenhor Ronal Knox, um convertido ao catolicismo, alertou contra o entusiasmo dos movimentos, de esquerda ou direita, que vão a extremos: os carismáticos, mais modernos, que esquecem que Cristo instituiu uma Igreja hierárquica; ou tradicionalistas, que esquecem que a Igreja sempre foi capaz de incorporar novas expressões de verdades antigas (o grande exemplo de São Francisco de Assis é o primeiro que me vem à mente). Outra precaução que tomo desde quando assumi a paróquia é sempre lembrar às pessoas que a Igreja não uma seita. Nós não nos separamos da cultura; nós a confrontamos e transformamos. Em uma das minhas primeiras homilias na missa tridentina, disse ao povo que eles não deveriam se considerar os “primos pobres” da paróquia, mas tampouco deveriam se enxergar como superiores aos outros que estavam honestamente procurando por Deus.

As linhas mais modernas da igreja têm algo a aprender dos tradicionalistas? Diria que os mais modernos precisam melhorar seu senso de reverência e música, por exemplo. As expressões mais populares do catolicismo fariam bem em prestar atenção ao que está acontecendo nos círculos tradicionais. Eu realmente acredito, pela minha própria experiência, no papa Bento XVI falou sobre “enriquecimento mútuo”. Minha paróquia, que esteve prestes a morrer, cresceu como uma comunidade unificada e robusta ao permitir uma interpenetração da Tradição com o melhor daquilo que o Concílio Vaticano II realmente ensinou.

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Os Estados Unidos são o país com o maior número de missas tridentinas do mundo – ainda maior que a França e o Brasil, onde dom Lefebvre e dom Antonio Mayer viveram. O que está por trás deste protagonismo? Não tenho certeza de que dom Lefebvre apreciaria minhas ideias, mas penso que a América sempre foi vista como uma sociedade religiosa – mesmo que majoritariamente protestante – e independente do apoio do Estado para endossar essas manifestações. Foi justamente esta liberdade que nos deu espaço até mesmo para manter viva a tradição. Além disso, os americanos são um povo conservador em muitos aspectos; de modo que atração à missa tradicional faz sentido.

Esta guinada ao conservadorismo católico é recente? Não. Durante as décadas de 1960 e 1970, quando o catolicismo progressista estava em ascensão, vimos nos Estados Unidos um envolvimento crescente dos católicos nos grupos carismático, por exemplo. Esse movimento teve vários defeitos e foi bastante rechaçado pelos tradicionalistas, mas, ainda assim, podemos considerar que essa também foi uma reação conservadora contra a teologia da libertação, que estava em alta. Funcionou como uma espécie de porto seguro para os católicos ortodoxos. Expressões carismáticas de espiritualidade forneceram uma maneira de levar emoção à fé de uma maneira que a justiça social ou as formas liberalistas do catolicismo falharam em fornecer. Hoje, observo que há um grande número de ex-católicos carismáticos que desenvolveram uma devoção à missa tridentina.

A Igreja Católica na América Latina vive um momento delicado. Por um lado, vemos a escalada dos evangélicos, que crescem no vácuo de líderes católicos nas periferias. Por outro, vemos esforços como o Sínodo da Amazônia, que busca flexibilizar a igreja e alcançar áreas remotas. Na sua avaliação, o que o catolicismo tem a aprender deste contexto? Não é surpreendente que o Sínodo da Amazônia não tenha dito quase nada sobre a atração pelas missas tridentinas e o avanço dos evangélicos? Para entender estes movimentos, basta olhar para o que está atraindo católicos aos grupos protestantes: eles estão oferecendo respostas. As formas de protestantismo que estão crescendo são justamente aquelas que desafiam as pessoas a viverem vidas sóbrias, com altos padrões morais. E eles são muito claros – embora algumas vezes simplistas – ao oferecer esses caminhos. A resposta mais eficaz que a Igreja pode dar, nesse sentido, é sua própria experiência moral, litúrgica e histórica que chega ao cerne do significado humano. Não devemos ter medo de fazer exigências às pessoas: essa é exatamente a razão pela qual elas vêm à Igreja. Devemos oferecer, justamente, o senso de transcendência expresso na tradição litúrgica da Igreja, que foi temperada ao longo dos séculos para evitar os extremos excessivos e superficialidade que vemos em algumas expressões protestantes do cristianismo.

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