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Vídeo: em reuniões no Peru, Dirceu falou de Lula e Petrobras

A brasileira Zaida Sisson, que recebeu 380.000 reais do petista, abriu as portas para o ex-ministro no país. Ela é suspeita de lavagem de dinheiro – e está na mira da Lava Jato

Por Felipe Frazão Atualizado em 10 jan 2018, 11h26 - Publicado em 5 ago 2015, 09h33

Vídeos obtidos pelo site de VEJA mostram a desenvoltura com que o ex-ministro José Dirceu circulava no alto escalão do governo peruano no segundo mandato do ex-presidente Lula – mesmo réu no processo do mensalão e defenestrado da Casa Civil em 2005. Em encontros com autoridades do país, o petista chega a se referir a estratégias comerciais do Planalto. E afirma que o Peru era uma das prioridades de Lula. Um dos encontros precede uma visita de Estado do ex-presidente ao país andino. Ao saber que o tema Petrobras seria tratado, Dirceu afirma: “Isso é importante”. As portas para Dirceu no Peru foram abertas por meio da parceria com a mulher de um ex-ministro peruano, que recebeu do petista 378.785 reais. Outros 180.000 dólares (cerca de 620.000 reais) foram desembolsados pela Galvão Engenharia a pedido de Dirceu. Com a ajuda da brasileira Zaida Sisson de Castro, de 63 anos, o ex-ministro “expandiu sua consultoria para atuar no Peru”, segundo a Polícia Federal – e passou a circular na cúpula do governo peruano.

Elo de Dirceu no país, a consultora Zaida era mulher do arquiteto peruano Rodolfo Luis Beltrán Bravo. Ele foi ministro da Presidência (1989-1990) no primeiro governo de Alan García, titular do Ministério do Comércio Exterior e diretor do Banco Central da Reserva, além de conselheiro comercial na embaixada peruana na Venezuela. Formado nos Estados Unidos e no Brasil, Rodolfo Beltrán já foi condecorado pelo governo brasileiro com a ordem Grã-Cruz da Medalha Cruzeiro do Sul.

Em 2 de novembro de 2009, Zaida levou Dirceu a uma reunião com o então primeiro-ministro do Peru, o político do Partido Aprista Peruano Javier Velásquez Quesquén, ex-presidente do Congresso Nacional. À época, ela prestava serviços à filial peruana da Galvão Engenharia – a empreiteira disse à Justiça que Dirceu esteve em uma reunião com Zaida e autoridades do governo do Peru, em defesa de interesses da empresa. No mesmo período, o marido de Zaida ocupava a diretoria do Agrorural, programa governamental de desenvolvimento produtivo agrário e rural do Ministério da Agricultura, no segundo governo do ex-presidente Alan García. Dirceu já estava com mandato cassado, réu no mensalão e longe do Palácio do Planalto, mas parecia falar em nome do governo brasileiro.

A reunião precedeu uma visita de Estado do ex-presidente Lula, no dia 11 de dezembro daquele ano. No fim do encontro, Dirceu perguntou a Velásquez se Lula não iria ao Peru em breve. Zaida interveio e respondeu que sim, e o premiê Velásquez acrescentou que conversariam sobre a Petrobras. Dirceu fez um sinal positivo com a mão e disse: “Isso é importante”.

Na reunião, Dirceu conversou em “portunhol” com o então presidente do Conselho de Ministros sobre o desenvolvimento do Brasil, defendeu a integração tecnológica e disse que o Peru seria a saída “preferencial” que o Brasil buscava para o Pacífico. Ele também afirmou que muitas empresas brasileiras estavam interessadas em investir no país. “Tem muitos empresários brasileiros que querem vir ao Peru”, afirmou Dirceu.

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“O Lula tem o Peru como prioridade na América do Sul. As relações com Paraguai e Bolívia são de outro tipo porque temos contencioso e temos que apoiar o desenvolvimento desses países. O Peru está em outro nível. E com a Argentina temos problemas e mais problemas porque é natural, são duas economias que competem”, diz Dirceu. “Estou à ordem. Basta me convocar que estou sempre à disposição do Peru”, despediu-se.

A audiência foi gravada em vídeo e publicada por Zaida em um canal de vídeos na internet. O registro da reunião foi apagado depois que o site de VEJA questionou Zaida sobre sua atuação profissional e seus elos com Dirceu. Ela não respondeu. Nesta quarta, ela enviou um comunicado em que nega irregularidades.

No mês seguinte, Lula faria mais um incentivo aos investimentos brasileiros no Peru, inclusive com crédito do BNDES. O ex-presidente palestrou a empresários peruanos e brasileiros, reuniu-se reservadamente com Alan García, e depois com o atual presidente, Ollanta Humala, do Partido Nacionalista Peruano. Lula ainda assinou onze acordos de cooperação com o país andino, na área de transporte aéreo, comércio e energia, como a construção de uma hidrelétrica na fronteira com o Acre. “Os empresários brasileiros, Alan – e tem muitos aqui que você conhece -, sabem que desde 2003 eu tenho feito uma pressão imensa para que eles façam investimento na América do Sul, porque a similaridade que existe entre nós permite extraordinárias oportunidades de investimentos do Peru no Brasil, do Brasil no Peru. Eu poderia pegar a Petrobras, que está aqui, que ainda está investindo pouco no Peru; poderia pegar a Vale do Rio Doce, que está aqui; e as coisas que eu mais discuto com eles é fazer investimento no Peru, produzir coisas no Peru, gerar empregos no Peru e exportar o excedente para o Brasil para que a gente possa equilibrar a balança comercial entre Brasil e Peru”, disse Lula.

Buscas – Zaida Sisson foi apontada pelo delator Milton Pascowitch como parceira de negócios de Dirceu no Peru e indicada pelo petista para “atuar na obtenção de contratos para a Engevix”. Eles se conheceram durante uma viagem ao país em 2008 com Dirceu, Gerson Almada e José Antonio Sobrinho. Na ocasião, também se reuniram com ministros das Águas, de Energia e com o presidente da Petroperu. O Ministério Público Federal (MPF) afirma que há indícios de lavagem ou ocultação de dinheiro por parte dela. Um endereço em nome de Zaida na Rua Amaral Gurgel, região central de São Paulo, foi alvo de buscas da Lava Jato na segunda-feira. O Ministério Público pediu o bloqueio de bens dela, na quantia de 364.398 reais, referentes a vinte transferências identificadas entre janeiro de 2009 a abril de 2010. “Há evidências de que os serviços contratados pelas empreiteiras da JD não foram realizados. Portanto, há elementos de prova de que Zaida tenha recebido recursos de propina dessas empreiteiras para atuar em favor das empresas no Peru”, afirma o MPF.

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Zaida recebeu de Dirceu pagamentos que somam ao todo 378.785 reais entre 2008 e 2011, segundo a Receita Federal. Os repasses aparecem em relatório do Fisco na movimentação declarada da JD Assessoria e Consultoria, empresa de Dirceu usada, segundo delatores e investigadores do petrolão, para movimentar propina. Zaida recebeu por meio da Blitz Trading, empresa que abriu em 2003 no Brasil. A empresa tem como principal objeto social a representação comercial, agenciamento de comércio de máquinas, equipamentos, embarcações e aeronaves. A sede é um apartamento em Porto Alegre (RS). Também é sócia da Blitz a filha da consultora, Carol Sisson, estudante de jornalismo e blogueira de moda em São Paulo. Zaida ainda é dona da SC Consultoría, registrada em Lima, capital do Peru.

Por indicação de Dirceu, Zaida foi contratada pela filial peruana da Galvão Engenharia por 5.000 dólares mensais para “analisar aspectos sociológicos e políticos do Peru”, prestar assessoria e divulgar o nome da empreiteira em eventos no país. O contrato foi firmado com a SC Consultoría e durou de três anos, segundo a informações da empreiteira, o que daria um pagamento de 180.000 dólares. Ela ajudou a Galvão Engenharia em um contrato com a estatal de águas e esgoto de Lima, Sedapal. A Galvão declarou à Justiça que Zaida “realizou reuniões periódicas com representantes da empresa e ministros da Agricultura [setor em que o marido atuava], com o presidente regional de Tumbes, prospectou projetos de interesse nas áreas de infraestrutura, saneamento e rodovias, sendo que em ao menos uma dessas reuniões José Dirceu esteve presente”.

Dilma – A consultora mora no exterior há cerca de quinze anos. Em 2002, ela foi delegada do PT no Peru durante as eleições presidenciais e fez campanha para o ex-presidente Lula. Zaida se apresenta na imprensa local como dirigente petista e militante do Partido Aprista Peruano (Apra). O nome dela aparece em um abaixo-assinado com objetivo de “denunciar” a violação de direitos humanos à Anistia Internacional por ocasião da condenação de Dirceu no mensalão. Nas eleições de 2010, ela deu entrevistas a rádios peruanas defendendo a eleição da presidente Dilma Rousseff. “Dilma é uma economista fantástica”, diz Zaida.

Zaida e o ex-ministro Beltrán se conheceram em 1965 durante uma competição de natação no Rio Grande do Sul. Nos anos 2000 se reencontraram, reataram o romance e agora vivem em Lima. Eles se apresentam atualmente como consultores privados na América Latina com clientes na área de petróleo, gás e energia. Em um currículo online, Zaida afirma ter sido executiva de contas de consultoria governamental para a Petrobras e a PDVSA, estatal de petróleo venezuelana. Ela fez parte da diretoria da Capebras (Câmara Binacional de Comércio e Integração Peru-Brasil). A entidade tem como associadas subsidiárias peruanas de empreiteiras flagradas na Lava Jato, como Odebrecht, Queiroz Galvão, Camargo Correa, Andrade Gutierrez, Galvão Engenharia, além da Petrobras Perú, vendida pela estatal brasileira à chinesa CNPC.



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Leia a nota de Zaida Sisson de Castro:

Ante as informações aparecidas ontem e hoje nos meios do Brasil e Peru sobre uma suposta participação de minha pessoa em atividades

1) Minha pessoa desde o ano de 2001 vem prestando serviços de consultoria a empresas que se estabelecem no Peru e em alguns casos no Brasil.

2) Entre 2001 e 2003 fui designada vocal da Câmara de Comércio e Integração Peru Brasil, entidade que posteriormente segui apoiando Ad Honorem. Este favoreceu grandemente o comércio bilateral Peru e Brasil.

3) Com relação à consultoria que prestei à JD Consultoria de José Dirceu, no Peru, iniciei contato com a empresa no ano de 2006 e comecei um trabalho em conjunto no ano de 2008. Dado meu conhecimento com o mercado peruano, apresentei meus serviços para identificar possibilidades para empresas do Brasil no Peru, principalmente na área de infraestrutura. Esta consultoria com a JD Consultoria terminou em setembro de 2011.

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4) Meu trabalho consistia em apoiar as empresas em sua fase de instalação em um novo país, recomendações locais, legislação, normas legais, laborais, indicação de profissionais competentes, identificação de projetos pela via legal e transparente do setor público, a várias empresas que desejavam se estabelecer no Peru. Também de acompanhar aos diretores das empresas em reuniões solicitadas quando estivessem em Lima, assim como o Sr. José Dirceu.

5) Rechaço categoricamente haver recebido pelas consultorias neste período comissão ou pagamento com algum proposito ilícito. Meus honorários foram em torno de 15.000 reais durante 35 meses devidamente justificados e declarados ante as autoridades tributárias de ambos países incluindo viáticos e gastos de viagem entre Peru/Brasil.

6) Não é certo como mencionam alguns meios que fui o braço direito ou operadora do Sr. Dirceu no Peru. Meu rol foi sempre laboral e de orientação com o devido comprimento e ética.

7) Ademais assessorei outras empresas que serão informadas dentro do devido processo as autoridades brasileiras. Cabe mencionar que o percentual das empresas comprometidas com a denominada Operação Lava Jato, é mínimo em relação à totalidade das empresas consultadas pela minha pessoa desde 2001. Algumas não passaram de simples consultas e outras se concretizaram sempre com o devido contrato e declaração de impostos e sobre tudo justificadas com atividades lícitas e transparentes.

8) Todos meus ingressos estão devidamente justificados por faturas, contratos e recibos declarados de acordo com a lei perante os organismos fiscalizadores e tributários de Brasil e Peru.

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9) Todas as consultorias no Brasil e Peru se realizaram efetiva e transparentemente sempre seguindo os canais da administração pública de ambos países.

10) O arquiteto Rodolfo Beltrán é meu esposo com quem estou casada formalmente desde o ano 2008. Durante o período de 1989-1990, quando foi Ministro de Estado, eu não tinha nenhum vínculo com ele. No período de 2006 – 2011 o cargo de meu esposo no setor de Agricultura não influenciou em nenhuma decisão relacionada com minhas consultorias. Temos separação de bens e cada um tem seu campo de ação laboral bem definidos.

11) Minha filha Carolina Sisson é sócia da empresa Blitz Trading, mas não participou em nenhum trabalho ou ação realizada comercialmente.

12) Cabe ressaltar que os projetos que participei dentro de minhas consultorias no Brasil não foram concluídos, apesar do trabalho formalmente realizado. No caso da Construtora Galvão e Engevix não participei em nenhum projeto concluído ou em curso destas empresas.

13) Não é certo que minha casa no Brasil tenha sido vasculhada até o dia de hoje e retirado documentos comprometedores ou provas. O processo neste caso no Brasil se denomina “pedido de busca e apreensão”. Esta ordem até o momento não foi iniciada e me encontro à espera para colaborar com as autoridades.

14) Atualmente me encontro no Brasil justamente para esclarecer o que as autoridades creiam conveniente, com os quais estou prestando toda colaboração.

15) Muito agradecerei o encerramento das especulações em alguns meios que não sejam baseados em documentos ou declarações reais. Estimo se devem referir sempre a fontes oficiais e esperar o julgamento devido antes de pré-julgar.

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