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Um tempo de chances perdidas

Tanto a esquerda quanto a direita não entenderam o Brasil

Por Fernando Grostein Andrade
Atualizado em 6 dez 2019, 11h15 - Publicado em 6 dez 2019, 06h00

Não foi em nome da luta contra a corrupção. Ela continua, agora com rachadinhas e tudo o mais. Não foi para controlar o dólar, que não para de subir. Não foi para reverter o absurdo dos confusos discursos da presidente que propunha estocar vento e dobrar a meta. Hoje temos ministros ofendendo a primeira-dama da França e o palavrão de 5ª série virando política de governo. Não foi, enfim, para defender a democracia, ameaçada pelo projeto de poder do PT. Hoje o ministro da Economia fala em retomar as barbaridades do AI-5, decisão autoritária que, em 1968, cassou direitos e institucionalizou a tortura. Não foi para impedir o controle da mídia, que nos anos petistas esteve ameaçada de “regulação”. Hoje há a indecorosa ameaça do pre­sidente de boicotar anunciantes dos veículos que não estejam alinhados ao projeto do projeto de ditador.

Foi por dinheiro. A reviravolta que tomou conta do Brasil tem tudo a ver com dinheiro e nada tem a ver com direita (o liberalismo pressupõe liberdades individuais). Erram aqueles que consideram o dinheiro motivação ilegítima. Precisamos dele para existir, comer, estudar, empreender, trabalhar. É um erro tratar o tema como assunto menor. Há ataque à democracia quando o dinheiro público é maltratado — e ressalve-se que os ataques começaram faz tempo, com a possibilidade da reeleição. Basta ver como se deu a aceleração dos gastos públicos no fim do ciclo petista, com estádio de Copa do Mundo que virou estacionamento e ciclovia olímpica que desabou diante da imprevisibilidade da previsibilidade de uma onda.

Há ataque à democracia quando o dinheiro público é maltratado, acelerando-se despesas em nome da perpetuação no poder

Acelerar despesas para se perpetuar no poder é, sim, danoso para a democracia. Mas, sejamos justos, nada perto do que acontece hoje. Nunca os excluídos tomaram um cala-boca tão grande. E há saídas para ampliar as verbas públicas — saídas desdenhadas. Nos países desenvolvidos, o imposto de herança está na casa dos 40% e a maconha legalizada dá lucro ao governo, por exemplo. Há mais: muitas igrejas viraram negócios bilionários, sem pagar um tostão de imposto. Houve oportunidades perdidas pela esquerda e pela direita. A esquerda insistiu num discurso de diretório acadêmico que não se preocupou com o dinheiro para garantir direitos. A direita não entendeu que meritocracia só funciona com chances iguais. Ambas não entenderam que racionalidade econômica, inclusão e progresso econômico não são excludentes.

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Perderam a chance, perdeu o país. Um golpe de Estado evangélico está em curso. Escrever isso não é ser contra os evangélicos. Uma de minhas melhores amigas, evangélica, diz que a palavra de Cristo está sendo deturpada. Na série de televisão O Homem do Castelo Alto, um comandante nazista recebe a notícia de que seu filho tem uma doença congênita e precisa ser executado por não se enquadrar nos padrões. Nem assim sua ficha caiu. Fico pensando quando vai cair de fato a ficha para uma grande e poderosa turma do mercado financeiro que está sendo usada, sem perceber, por híbridos de fundamentalistas religiosos e estelionatários. Blinda-se o carro, blinda-­se a casa, blinda-se o coração, blinda-se até o presidente, mas a história não faz concessões. Amém.

Publicado em VEJA de 11 de dezembro de 2019, edição nº 2664

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