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Qual verdade?

Coluna publicada em VEJA de 14 de outubro de 2018, edição nº 2608

Por Roberto Pompeu de Toledo
Atualizado em 9 nov 2018, 07h00 - Publicado em 9 nov 2018, 07h00

“Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.” As palavras de Jesus no Evangelho de João, adotadas como mantra pelo candidato Jair Bolsonaro, atravessaram a campanha, entronizaram-se na abertura de seu Facebook e seu Twitter, e pousaram logo na primeira linha do discurso de vitória. Que, ou quem, é a verdade a que se refere com tanta insistência o presidente eleito? Numa intervenção na Câmara ainda nos tempos de deputado, recuperável no YouTube, Bolsonaro afirma que a verdade “é obviamente Jesus”, mas neste “nosso mundo dos mortais” ele a tem usado como “munição”, e com isso tem “incomodado muita gente”. Em outro vídeo, mostrado na propaganda eleitoral, ele diz que o versículo de João 8:32 “é uma bandeira em que ninguém mais acredita porque como regra no nosso mundo político a mentira está acima de tudo”.

Nada é muito claro. A verdade que incomoda tanta gente é Jesus? A verdade de Jesus tal qual encarnada pelo vitorioso candidato? Ou simplesmente suas convicções, em oposição às dos adversários? Bolsonaro jul­ga-se detentor de “uma missão”. Não se considera o mais capacitado para exercê-la, mas “Deus capacita os escolhidos”, disse, junto ao pastor Silas Malafaia. Estamos no mundo dos absolutos religiosos. Ele é o “escolhido”, palavra de tanto peso nas crônicas bíblicas. Como líder da direita, a maior mentira que enfrentou, su­põe-se, foi a esquerda, mas que esquerda? Soube-se na entrevista ao apresentador José Luiz Datena que ela vai bem além do PT. “Nós sabíamos que Fernando Henrique Cardoso é de esquerda. (…) Ele fazia aquele joguinho com o PT, como se um fosse oposição ao outro, e essa máscara caiu com a minha chegada como candidato, e agora como presidente eleito, mostrando que pertenciam ao mesmo time.”

“FHC fazia aquele joguinho com o PT, como se um fosse oposição ao outro”

A verdade de Bolsonaro varre virtualmente a totalidade da Nova República e vai aportar ao Brasil de cinquenta anos atrás, tempo da ditadura que não foi ditadura, e do golpe que não foi golpe. Sua verdade deleta os tanques do general Mourão (o primeiro, não o atual) acionados para fechar o cerco ao presidente João Goulart e o Ato Institucional nº 5, e inclui o argumento (exposto ao Jornal da Band) de que a censura, quando existiu, foi para interceptar mensagens cifradas endereçadas a movimentos armados. A verdade de Bolsonaro conduz a outro trecho bíblico, aquele em que Pilatos, aturdido pela algaravia no julgamento de Jesus, exclama: “Que é a verdade?” (João, 18:38).

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A oposição está dispensada, por ora. Bolsonaro cuida de ele mesmo formular as propostas de seu futuro governo e opor-se a elas. A transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém estava decidida e foi até confirmada pelo presidente eleito ao jornal israelense Hayon. Quando o Egito suspendeu uma visita ao Cairo do chanceler Aloysio Nunes Ferreira, porém, Bolsonaro contestou que a medida pudesse ser uma retaliação dos árabes: “O martelo nem foi batido ainda…”. O famoso martelo está custando a cair em outros assuntos. A fusão entre os ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente foi anunciada e desmentida repetidas vezes. E, sobretudo, o martelo mantém-se preguiçosamente suspenso na questão da Previdência. Na entrevista ao apresentador Datena, Bolsonaro opôs-se à proposta de mudança para o sistema de capitalização, esposada pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes. “Quem vai garantir que essa nova Previdência vai dar certo?” Feito presidente, Bolsonaro experimenta, como Pilatos, quanto é duro procurar a verdade.

O juiz Moro reforça a tendência de, dentro do futuro governo, opor-se a ele, ou corrigi-lo. Ele não concorda em classificar o MST como organização terrorista, como quer Bolsonaro. “Não é consistente.” Diminuir a maioridade penal acha aceitável, mas só para poucos crimes: homicídio, lesão grave e estupro. E proibir saídas da prisão, só em caso de membros de facções do tráfico. Essas e outras questões foram expostas em entrevista coletiva em que o juiz da La­va-Jato se apresentou tão claro e seguro quanto o presidente eleito se mostra reticente e desconfiado em semelhantes ocasiões. Bolsonaro nutre um sentimento de aversão aos principais órgãos da imprensa, Rede Globo inclusive e Folha de S.Paulo na primeira linha de tiro (“Por si só esse jornal acabou”). Moro foi só carinhos à imprensa, no fim de sua entrevista: “A coletiva foi a forma que reputei apropriada para prestar esclarecimentos necessários, mas também em homenagem ao trabalho que a imprensa realizou durante toda a Operação Lava-Jato”.

Publicado em VEJA de 14 de novembro de 2018, edição nº 2608

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