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Presidente da OAB vai interpelar Bolsonaro no STF por fala sobre seu pai

Objetivo é obrigar mandatário a revelar informações que disse ter sobre o desaparecimento do militante Fernando Santa Cruz, considerado morto pela ditadura

Por Fernando Molica, Leonardo Lellis e André Siqueira
Atualizado em 29 jul 2019, 20h21 - Publicado em 29 jul 2019, 20h10

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, decidiu interpelar judicialmente o presidente Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF) para que ele esclareça as informações que diz ter sobre a morte de seu pai, Fernando Santa Cruz, militante de esquerda que foi preso pela ditadura militar em 1974 e desapareceu.

Mais cedo, Bolsonaro havia afirmado: “Um dia, se o presidente da OAB quiser saber como é que o pai dele desapareceu no período militar, eu conto pra ele. Ele não vai querer ouvir a verdade”, disse Bolsonaro.

Após repercussão negativa, o presidente, no final da tarde, fez uma transmissão ao vivo no Facebook – enquanto cortava seu cabelo – na qual disse que Fernando Santa Cruz foi morto pelos próprios militantes de esquerda.

“O pai do Santa Cruz integrava a AP (Ação Popular de Pernambuco), era o grupo terrorista mais sanguinário que tinha. Esse pessoal tinha umas ramificações pelo Brasil, e uma delas, grande, no Rio de Janeiro. O pai dele, bastante jovem ainda, veio para o Rio de Janeiro. De onde eu obtive essas informações? Com quem eu conversei na época, oras bolas”, disse.

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Segundo Bolsonaro, “o pessoal da AP do Rio de Janeiro ficou estupefato” com a vinda de Fernando Santa Cruz para o Rio de Janeiro, porque a ação poderia comprometer a segurança do grupo. “Eles resolveram sumir com o pai do Santa Cruz, essa é a informação que eu tive na época sobre esse episódio”, disse. “Não foram os militares que mataram ele, não, tá? É muito fácil culpar os militares por tudo o que acontece”, acrescentou

Em nota, a OAB afirmou que Fernando Santa Cruz foi reconhecido oficialmente como desaparecido político e que “as circunstâncias do seu desaparecimento nunca foram esclarecidas pelo Estado”.

A coluna Radar revelou que a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, um colegiado do Estado, vai emitir um atestado de óbito que reconhece que Fernando Santa Cruz  morreu vítima da ditadura.

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A comissão vai expedir no fim de agosto o documento com o reconhecimento do Estado pela sua morte, as circunstâncias em que se deram e também o pedido oficial de desculpas aos familiares. De outros casos também. Essa cerimônia já estava prevista desde maio. O atestado segue para o cartório que emitirá a nova certidão de óbito, contendo essas informações.

O atestado vai dizer que Fernando foi morto provavelmente em 23 de fevereiro de 1974, no Rio: “Morreu de morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985” – diz o documento oficial da comissão, ao qual Radar teve acesso.

Abaixo, o atestado de óbito que será entregue à família de Fernando Santa Cruz:

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Presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, a procuradora Eugênia Gonzaga criticou a fala de Bolsonaro. “Como qualquer presidente, ele tem o dever de revelar esses fatos. É constrangedor usar um débito tão grande como esse tema para de algum modo difamar e prolongar sofrimento de familiares”, disse.

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Omissão

VEJA também revelou que, ao declarar que Fernando Santa Cruz foi morto por integrantes de sua própria organização, Bolsonaro omitiu que um outro militante, Eduardo Collier Filho, que também era ligado à Ação Popular Marxista-Leninista, foi preso na mesma ocasião. Collier Filho e Santa Cruz são considerados desaparecidos políticos.

Relatório da Comissão Estadual da Verdade de Pernambuco (estado natal dos dois) cita que ambos foram presos em um sábado de Carnaval. Irmão de Fernando, o advogado Marcelo Santa Cruz Oliveira relatou à comissão que, na época, as duas famílias fizeram contato com a Anistia Internacional e com autoridades brasileiras em busca do paradeiro dos dois jovens.

No dia 14 de março, parentes dos dois militantes estiveram no DOI (Destacamento de Operações de Informação) do então II Exército, em São Paulo, em busca de notícias. Receberam de um carcereiro então a informação de que Santa Cruz e Collier Filho estavam presos lá, e que poderiam ser visitados no domingo seguinte.Os parentes chegaram a deixar roupas e objetos pessoais para os dois. No domingo, ao retornarem, um certo “Dr. Homero” disse que houvera um equívoco e nenhum dos dois esteve lá.

No livro Memórias de uma Guerra Suja, o delegado aposentado Cláudio Guerra disse que Santa Cruz e Collier Filho foram assassinados pelas forças de repressão e tiveram seus corpos incinerados numa usina de cana localizada em Campos dos Goytacazes RJ).


Podcast

O jornalista Thomas Traumann analisa a frase de Bolsonaro sobre o pai do presidente da OAB e outras declarações polêmicas que o presidente da República deu recentemente.

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