Perto de ir para o União Brasil, Pablo Marçal já faz planos para 2026
Surpresa eleitoral de 2024 monta estratégia para disputar o governo paulista ou até a Presidência — isso se a Justiça permitir
Nas eleições deste ano em São Paulo, a cidade com mais eleitores no país, Pablo Marçal trouxe o discurso dos coaches para o palanque. Baseada na teologia da prosperidade das igrejas neopentecostais, a narrativa messiânica do candidato do PRTB foi da fé na “mentalidade vencedora” à inovação disruptiva pregada em startups e arrebanhou 1,7 milhão de votos (28% do total válido). Sem tempo de TV, usou as redes sociais e os debates como campo de batalha e levou desconforto à direita e à esquerda. De um lado, tomou votos de Ricardo Nunes (MDB), apoiado por Jair Bolsonaro, e deixou no ar o questionamento sobre se o bolsonarismo tem o monopólio da direita. Do outro, quase tirou Guilherme Boulos (PSOL), candidato de Lula, do segundo turno e levou a esquerda ao divã ao mostrar como o eleitorado de baixa e média renda e da periferia foi seduzido pelo discurso do empreendedorismo e da presença menor do Estado na vida deles. O fenômeno eleitoral de 2024 se movimenta agora pensando em um salto para daqui a dois anos, quando pode disputar o governo paulista ou, como ele diz sonhar, a Presidência da República.
O primeiro grande passo está perto de ser dado: buscar uma casa maior. A sua filiação ao União Brasil, terceira maior bancada na Câmara, está na mesa do presidente do partido, Antonio Rueda, desde abril. A negociação esfriou durante o período eleitoral e foi retomada nos últimos meses. “As conversas estão em aberto, falta aparar algumas arestas”, disse Marçal a VEJA, sem especificar quais. Ele afirma que, “por enquanto”, não considera procurar outra legenda. Integrantes do partido afirmam que a filiação só deverá ocorrer em 2025. Um desafio para o coach será explicar ao seu eleitorado como o candidato antissistema foi parar em uma das grandes legendas do establishment político, herdeira do DEM (que, por sua vez, era herdeiro do PFL e da Arena).
A trajetória de embates de Marçal promete não acabar, porque a simples negociação de sua filiação já provoca desconforto no União. O partido já tem um candidato a presidente em 2026: o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, que prepara até o lançamento de sua pré-candidatura após o Carnaval, em Salvador, ao lado do prefeito Bruno Reis, um dos campeões de voto na última eleição, e do vice-presidente da sigla, ACM Neto. Marçal faz média: afirma que Caiado é o primeiro da lista e que o respeita pela experiência. “Quando eu estava nascendo, ele já batia com essa questão do conservadorismo”, diz. Nos bastidores, porém, aliados de Marçal avaliam que as pesquisas de intenção de voto é que definirão o candidato ao Planalto e apostam na popularidade de Marçal. Já o entorno de Caiado acha que o coach está usando a negociação para valorizá-lo no “mercado partidário”.
É notório que a atual legenda de Marçal, o PRTB, foi um entrave na campanha. O partido não tem representação na Câmara dos Deputados e, portanto, não possui tempo de TV e fundo eleitoral. Pior, em meio à eleição, um áudio em que o presidente da legenda, Leonardo Avalanche, reivindica a autoria das articulações que levaram à soltura do traficante André do Rap, do PCC, causou estrago ao candidato. Apesar disso, Avalanche conta com Marçal para alavancar plano de expansão da sigla. Ele quer que o coach viaje pelo país para atrair influenciadores de internet e artistas à legenda, que passará por “revolução digital”. Segundo Avalanche, o interesse do União Brasil, repleto de caciques, é “o famoso canto da sereia” e que, ao fim, sobraria a Marçal uma vaga de deputado federal. “No PRTB, Marçal joga como o principal atacante. Não ficará no banco de reservas”, acredita.
Em meio às negociações sobre o seu futuro partidário, Marçal retomou a atividade que o levou à notoriedade. Ele tem feito palestras e anunciado seu novo livro — Como Trabalhar Menos e Ganhar Mais. Nos eventos, aproveita para abordar o fim da jornada de seis dias de trabalho por semana, em voga no Congresso. O discurso voltado a “configurações mentais” cada vez mais se aproxima da política. Junto do coordenador da sua campanha, Filipe Sabará, ele está prestes a lançar um curso baseado na sua candidatura. “É um case de sucesso pelos votos. Um crescimento assombroso”, afirma o terceiro colocado no pleito paulistano.
O tom agressivo que adotou na campanha lhe rendeu processos, principalmente na Justiça Eleitoral, onde enfrenta três casos. O imbróglio mais próximo de ter sentença envolve uma denúncia do Ministério Público e do PSB por abuso de poder econômico ao pagar apoiadores para produzir e divulgar cortes de vídeos nas redes — o processo está pronto para decisão. Os outros dois são referentes a uma suspeita de lavagem de dinheiro na eleição de 2022 e à apresentação de um laudo falso de uso de drogas contra Boulos, às vésperas do primeiro turno. “Isso está na fase de inquérito e a chance de inelegibilidade é muito remota”, diz o advogado de Marçal, Paulo Hamilton Siqueira Junior, referindo-se ao atestado fajuto. Embora faça parte do papel da defesa mostrar-se otimista, não há como negar: antes de sonhar com voos mais altos, o coach tem um encontro marcado com os tribunais.
Publicado em VEJA de 29 de novembro de 2024, edição nº 2921