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Os interesses por trás da multiplicação de partidos no país

Além dos trinta partidos já em funcionamento no Brasil, 23 estão a caminho de obter o registro. Fundo partidário e poder de barganha atraem aventureiros

Por Gabriel Castro e Marcela Mattos, de Brasília
2 mar 2013, 12h36

O eleitor brasileiro pode nem saber, mas ajuda a sustentar, com o próprio bolso, a existência de 30 partidos políticos. E a proliferação de legendas, grande parte sem identidade ideológica clara, parece não ter fim. Hoje, 23 novas siglas já entregaram à Justiça Eleitoral parte das 500 000 assinaturas necessárias para obter o registro e poder disputar eleições. Há ainda um número indefinido de organizações que não chegaram a essa etapa, mas já se articulam para isso – o mais novo exemplo é a Rede da ex-senadora Marina Silva.

O caos partidário tem várias explicações. Uma dela é explícita: mesmo que seja insignificante eleitoralmente, todo partido tem direito a receber recursos do Fundo Partidário – abastecido por dinheiro público -, pode exibir gratuitamente pelo menos dez minutos anuais de propaganda na televisão, tem espaço garantido no horário eleitoral e ainda pode, graças às coligações, receber recursos de outros partidos durante o pleito. Tudo amparado pela lei. Além disso, há o poder de barganha para obter, em troca de apoio ao gestor da vez, cargos no poder executivo municipal, estadual e federal. Por isso, a criação de partidos nunca foi tão lucrativa.

No ano passado, o total distribuído pelo Fundo Partidário foi de 286,2 milhões de reais. Para 2013, a proposta orçamentária ainda não aprovada pelo Congresso estipula que o valor será de 232 milhões de reais, mas o relator do Orçamento, senador Romero Jucá (PMDB-RR), tenta incluir mais 100 milhões de reais a esse montante. De acordo com a Lei 9.096/05, que dispõe sobre os partidos políticos, 5% desses recursos são obrigatoriamente repartidos de forma equivalente entre todos as siglas, e o restante é partilhado proporcionalmente ao tamanho das bancadas eleitas por cada legenda para a Câmara dos Deputados. Caso novas legendas sejam formalizadas e autorizadas pela Justiça Eleitoral a receberem recursos do fundo, o valor destinado a cada partido – assim como o tempo de TV – terá ser recalculado. Em tese, como não elegeram deputados nas eleições de 2010, os novos partidos teriam direito à cota mínima – hoje, em média, essa cota é de 28 000 reais mensais. Essa conta, no entanto, pode sofrer algumas interferências: no ano passado, o novo PSD, do ex-prefeito Gilberto Kassab, conseguiu na Justiça o direito a uma fatia maior do fundo por ter filiado mais de 50 parlamentares, o que poderá ser usado futuramente como jurisprudência na Justiça.

A farra das legendas, entretanto, pode estar ameaçada. O Congresso discute uma mudança na regra de criação de partidos para tornar mais difícil o registro de novas legendas. Além disso, a reforma política, que pode ser votada pela Câmara em abril, prevê o fim das coligações em eleições proporcionais, o que tira o poder de barganha dos nanicos. Para os grandes partidos, a medida é interessante porque deixa mais baratas as campanhas eleitorais. A reforma também pode criar um modelo de cláusula de barreira, estipulando um percentual mínimo de votos a ser alcançado pelas legendas nas eleições. Siglas que não atingirem a meta determinada perderão os recursos do Fundo Partidário e o direito de participar de comissões no Congresso Nacional.

José Maria Eymael, presidente do Partido Social Democrático Cristão (PSDC) e figura carimbada em todas as eleições, diz que a cláusula de barreira seria “antidemocrática”. Para o pernambucano Luciano Bivar, presidente do PSL (Partido Social Liberal), o tamanho do partido não é tão importante quanto a força ideológica: “O que importa é você ter a sua ideologia. Se o partido vai crescer ou não, é outro problema”. Na última eleição presidencial, o presidente do PSDC obteve 0,09% dos votos – 89.350 votos. O comandante do PSL foi candidato à Presidência da República em 2006 e obteve menos ainda: 62.064 votos (0, 06% do total).

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Por que criar sua própria legenda é um bom negócio

A quantidade de votos não importa: mesmo que fracasse nas urnas, um partido nanico e recém-criado tem direito a benefícios:

  1. Fundo partidário:

    no mínimo 28 000 reais por mês

  2. Propaganda na TV e no rádio:

    para os sem-voto, são garantidos cinco minutos por semestre em rede nacional

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  3. Propaganda eleitoral:

    o tempo de TV durante a eleição depende da quantidade de candidatos. Mas, normalmente, os nanicos têm cerca de um minuto diário de propaganda

  4. Repasses de outros partidos:

    as coligações eleitorais justificam gordas transferências financeiras, chanceladas pela lei, dos grandes para os pequenos partidos

O PSL de Bivar, uma sigla autodenominada liberal, compõe atualmente a coalização de apoio ao PT no plano federal – ao lado do PCdoB (comunista), do PSB (socialista), do PP (a antiga Arena) e do PSC (cristão). Mas Bivar insiste que o apoio é programático: “Nós nunca nos coligamos em troca de alguma compensação. Não é a nossa prática”, diz ele. O dirigente alega ainda que a vida dos pequenos partidos não é fácil. Segundo ele, é difícil manter a coesão partidária porque, a cada eleição, os vencedores se tornam um pólo de atração de bons quadros.

Daniel Tourinho, presidente do PTC (Partido Trabalhista Cristão) – e aliado de Dilma -, é um bom exemplo de como os presidentes de algumas siglas se comportam como verdadeiros donos das legendas. Em 1987, ele deixou o PT para criar o Partido da Juventude. Dois anos depois, a sigla mudou de nome e passou a se chamar PRN (Partido da Reestruturação Nacional). A troca foi um pedido de Fernando Collor de Mello, que usou a legenda para se candidatar à Presidência – e venceu. Mas o projeto fracassou em 1992, com o impeachment. O PRN persistiu até que, em 2000, Tourinho acabou criando o Partido Trabalhista Cristão.

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O presidente do PTC é contra restrições ao funcionamento dos nanicos. E defende uma medida para aumentar a renovação: “Seria o caso de botar um limite na reeleição sistemática de parlamentares”, diz ele, que não vê problema em presidir seu partido desde a fundação: “É diferente, não sou pago com dinheiro público”.

Para um país que viveu o bipartidarismo imposto (Arena e MDB eram as únicas siglas permitidas durante a ditadura militar), a pluralidade de legendas é algo positivo. Errado é transformar representação política em meio de vida e substituir a defesa de bandeiras partidárias pela troca de favores.

“Não se vê nenhum desses partidos que tenha uma pequena conotação ideológica ou uma diferenciação. Do ponto de vista qualitativo, o ganho é zero. Mas, tratando-se do quantitativo, não se pode criticar. É algo inerente à democracia, previsto na Constituição”, diz o cientista político e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB) Antonio Flávio Testa.

Entre os partidos que estão em processo de criação, a coerência programática também costuma ser deixada em segundo plano. Para sair do papel, os partidos em formação devem cumprir as condições impostas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O primeiro passo é a coleta da assinatura de 101 fundadores, distribuídos em nove estados. Atingindo a meta, que leva ao registro provisório, a legenda tem de conseguir o apoio de pelo menos 0,5% dos votos dados na última eleição na Câmara dos Deputados, o que representa cerca de 500 mil assinaturas. Como não há prazo para entregar os documentos ao TSE, muitos partidos demoram anos até conseguir o registro. Mas a fila de interessados só aumenta.

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Pulverização O excesso de partidos repercute no Congresso. Vinte e três partidos têm vaga na Câmara dos Deputados. O preço é a pulverização das forças políticas, o que exige a formação de alianças heterodoxas. O PT, maior bancada da Câmara brasileira, possui 88 deputados – apenas 17% do Congresso.

Na Câmara baixa da França, seis partidos são representados. Na Austrália, oito. No Chile, dez. Na Inglaterra, a Casa dos Comuns tem onze partidos – mas, na prática, três siglas têm poder: conservadores, trabalhistas e liberais-democratas reúnem 95% das cadeiras.

Nos Estados Unidos, o Congresso se divide entre democratas e republicanos. Não que a existência de outros partidos seja vetada: são incontáveis as siglas políticas em território americano, especialmente no plano estadual. Mas apenas democratas e republicanos costumam conquistar assentos no parlamento. A explicação é simples: lá, os partidos não têm benesses do governo. Mesmo a propaganda na televisão é paga. Nesse sistema, as legendas artificiais não sobrevivem.

Muito dinheiro, pouca mudança – Quando bem-sucedida, a dura tarefa de coletar meio milhão de assinaturas tem um retorno rápido: ao conseguirem a oficialização, todos os partidos entram no rateio do Fundo Partidário. Por mês, independentemente da quantidade de votos ou do trabalho no poder, a menor das legendas arrecadará cerca de 30 mil reais (o PT, o maior beneficiário, tem direito a mais de 3 milhões mensais). É dinheiro fácil. Mas os representantes das novas siglas, claro, negam ter qualquer pretensão com o benefício. “Se for dividir os gastos para manter uma sede em Brasília, pagar aluguel, telefone e todas as demais despesas, no final da história nós vamos ter de tirar do bolso”, afirma Wesley Rodrigues Silva, presidente do embrionário Partido Cristão Nacional (PCN). “Só faz quem realmente tem muito idealismo no coração.”

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Mas, ao mesmo tempo em que o proveito próprio da “bolsa” mensal é descartado, o discurso de mudança por meio da política não sai do papel. Na prática, o que se percebe é a repetição do método em vigor. Ideologias batidas e propostas genéricas, tais como melhorias na saúde e na educação e o combate à corrupção, são apresentadas como argumento para a conquista das assinaturas e de um possível voto no futuro.

“As propostas não são tão diferentes do que é pregado pelos outros partidos”, reconhece Nilson Domingues, presidente nacional do Partido dos Servidores Públicos do Brasil (PSPB), ainda em formação. “Mas a diferença é que todas as legendas atuais são geridas por empresários, latifundiários e políticos que só visam o lucro próprio”, prossegue, ao argumentar que o partido é diferente porque conta com integrantes oriundos do serviço público.

Algumas legendas tentam angariar apoio com propostas peculiares. Formada no ano passado, a Aliança Renovadora Nacional tenta resgatar a legenda que sustentou a ditadura militar. A nova sigla jura lealdade à democracia e à liberdade de expressão e busca a retomada de valores da velha Arena, como o conservadorismo e o anticomunismo. Além disso, o estatuto do partido prevê a aprovação da maioria penal aos 16 anos e a abolição de qualquer sistema de cota.

Dentre os 23 partidos em formação, as siglas bem-intencionadas e com algum bom senso existem: é o caso do Partido Federalista e do Partido Novo. Mas a maioria apela a propostas descabidas ou mal elaboradas. Os temas são diversos: o Partido Cristão prega o “dízimo” do filiado (20% dos rendimentos brutos), o Partido Republicano da Ordem Social (PROS) proíbe doações financeiras por parte de entidades estrangeiras ou sindicais. O Partido Progressista Cristão (PPC) promete enfrentar os governantes “ateístas, comunistas e satanistas”. Já o Partido da Justiça Social (PJS) se preocupa com um novo currículo escolar. Se a sigla chegar ao poder, estarão no currículo matérias de educação para o trânsito e de saúde bucal. Asfixiado pela multiplicação de partidos inócuos sustentados pelo dinheiro público, o eleitor é que não vê tantas razões para sorrir.

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