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O retorno de quem nunca se foi

Entusiastas do regime militar voltam a ser atores políticos plenos

Por Alon Feuerwerker
Atualizado em 8 nov 2019, 09h44 - Publicado em 8 nov 2019, 06h00

A especulação do deputado Eduardo Bolsonaro sobre algum tipo de mecanismo jurídico nos moldes do AI-5 para enfrentar aqui uma rebelião de rua “chilena” teve um mérito. Mostrou que um pedaço a ser mensurado e provavelmente expressivo da sociedade brasileira está disposto a apoiar medidas ditatoriais, ainda que legais, para a defesa do poder constituído.

Foi o que revelaram, pelo menos, as redes sociais.

Mas prevaleceram a indignação e o desconforto. Isso tem explicação. De 1985 a 2018, enxergar aspectos positivos em ditaduras de direita era uma ideia alijada do espectro ideológico considerado legítimo. Era o tempo da hegemonia absoluta dos grupos que encerraram o ciclo dos generais-­presidentes e implantaram a Nova República.

Um tempo que agora acabou. Ainda que a consciência sobre essa realidade ande um pouco atrás da dita-cuja. Costuma acontecer.

Os últimos quase trinta anos não foram apenas um intervalo histórico de governos social-democratas, como gosta de repetir o ministro Paulo Guedes, mas um período de quase ocupação político-cultural no campo da direita. Anos em que o eleitor direitista de raiz era obrigado a votar no PSDB, a única opção para tentar derrotar o PT. E era também obrigado a engolir a raiva e a frustração quando alguém descrevia o regime dos generais como a pior coisa que tinha acontecido ao Brasil.

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Assim como em Portugal e Espanha, será bom buscar aqui o convívio democrático entre direita e esquerda

Essa etapa da nossa história teve seu ponto-final no dia em que Jair Bolsonaro conquistou nas urnas a Presidência da República. E o mal-estar latente desde então entre os derrotados, e entre alguns taticamente vitoriosos mas infelizes com o resultado do voto popular, reflete o desconforto com o visitante indesejado que na reta final deixou para trás não só o PT, mas também a turma que tinha derrubado Dilma Rousseff e já se via com a mão na taça.

É outro mundo. Ninguém no bolsonarismo duro condenou as declarações do hoje líder do PSL na Câmara. O presidente da República disse que reeditar o AI-5 era coisa de sonhadores, que melhor seria endurecer a legislação antiterror, aliás aprovada no governo Dilma. Outro roteiro para o mesmo fim. O general e ministro Augusto Heleno, em um momento de talvez excessiva sinceridade, apenas observou que seria necessário ver como fazer. Depois tentou corrigir-se.

Uma ideia tem dado muito errado no Brasil: o “nunca mais”. A única certeza sobre essa palavra de ordem é que algum dia ela será desmentida. Pois o “nunca mais” supõe a possibilidade de excluir para sempre alguém do jogo, da alternância de poder. E isso vale para todos os lados. Assim como Bolsonaro enterrou o “nunca mais” gritado contra a direita, um dia alguém fará o mesmo do outro lado, e virá o troco. É só esperar para ver quem, e quando.

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Os que desejam sinceramente a estabilização de algum tipo de democracia constitucional no Brasil deveriam estudar os casos de Portugal e Espanha. Ali construíram-se regimes políticos que permitem a convivência e a alternância entre saudosos do salazarismo e antissalazaristas ou entre admiradores do franquismo e antifranquistas.

Não se cobra de nenhum lado a renúncia a sua identidade, mas sim a aceitação estrita das regras democrático-­constitucionais.

Talvez seja um caminho.

Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660

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