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O que é corrupção passiva, o crime que pode tirar Temer do cargo

Delito ocorre quando funcionários públicos concedem ou prometem vantagem indevida em troca de pagamento ou ao menos de uma oferta de compensação

Por Guilherme Venaglia
Atualizado em 1 ago 2017, 14h57 - Publicado em 31 jul 2017, 21h15

Quase um ano após a sua posse definitiva na Presidência da República, em agosto de 2016, Michel Temer (PMDB) enfrenta uma pecha diferente da que gostaria: é o primeiro chefe de estado brasileiro a ser denunciado por crime comum. A acusação, apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) e que requer a autorização da Câmara dos Deputados para ser analisada pela Justiça, é a de corrupção passiva.

O crime é definido pelo artigo 317 do Código Penal, que prevê o seguinte: “solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem”. É um delito que só pode ser cometido por funcionários públicos e que fica caracterizado quando este oferece ou aceita um benefício em troca de um favorecimento indevido, que só seja possível pela função que ocupa.

No caso da acusação contra o Temer, o procurador-geral Rodrigo Janot afirma que o presidente e seu ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, funcionários públicos, promoveram vantagens irregulares para a JBS em troca de pagamentos em dinheiro por parte do grupo. Nesse caso, o empresário Joesley Batista, dono do grupo empresarial, estaria na outra ponta, com o delito de corrupção ativa, que é justamente prometer ou concretizar esses pagamentos aos agentes do poder público. O empresário, no entanto, não vai responder pelo crime – o acordo de colaboração premiada firmado com a Procuradoria prevê que ele não seja processado de nenhuma forma.

Uma das principais alegações de defesa do presidente, a de que ele não recebeu nem um real de Batista, não é suficiente para invalidar a acusação, explica Fernando Castelo Branco, especialista em direito penal econômico e professor do Instituto de Direito Público de São Paulo (IDP-SP). “Para a consumação do crime basta que a pessoa solicite a vantagem, mesmo que não a receba diretamente”, afirma.

Narrativa

Trata-se, portanto, de um enquadramento diferente da concussão, que prevê que o acusado exija o pagamento ou a vantagem. Castelo Branco, no entanto, ressalta que a PGR precisa apresentar “uma sequência lógica de fatos” para validar a denúncia dentro desta definição, esclarecendo o caminho pelo qual a vantagem foi oferecida pelos corruptores e aceita pelos corruptos. Na peça apresentada por Janot, a narrativa é a que segue:

Os fatos, segundo Janot

1. Em 06/03, Joesley Batista e Rodrigo Rocha Loures se reuniram em São Paulo e combinaram um encontro do empresário com o presidente Michel Temer.

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2. Em 07/03, Joesley Batista foi ao Palácio do Jaburu, em Brasília, ser recebido por Temer. Ele relatou diversos assuntos para os quais dependeria de ajuda, ao que o presidente indicou o próprio Rocha Loures como seu representante.

3. Em 13 e 16/03, Joesley Batista e Rocha Loures se encontraram duas vezes. No primeiro dia, Joesley informou Loures que Temer autorizou que ele intercedesse em seu favor. No segundo, relatou qual era o benefício de que necessitava: uma atuação junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que analisava uma questão de gás natural de interesse da JBS. No mesmo dia e com o telefone em viva voz, Loures telefona para Gilvandro Vasconcelos, presidente do Cade, que teria “entendido perfeitamente” o que deveria fazer – como não teria a influência necessária para tal, conclui Janot, Loures falou com o executivo em nome de Temer. E o empresário estabelece em 5% a comissão a ser paga, o que representaria entre 19 e 38 milhões de reais até dezembro.

4. Em 13/04, a Petrobras e a EPE Cuiabá – empresa do grupo JBS – firmaram um contrato de compra e venda de gás natural, que atendia aos interesses de Joesley Batista e de Ricardo Saud, executivo da JBS. Na sequência, a Petrobras pediu ao Cade que extinguisse o processo.

5. Em 24/04, Loures e Saud se encontram em uma cafeteria em São Paulo. Saud combina o valor da propina, que poderia ser de R$ 500 mil ou R$ 1 milhão por semana, dependendo do preço do gás.

6. Em 28/04, em uma pizzaria também de São Paulo, Loures recebeu de Saud, em ação controlada registrada pela PF R$ 500 mil em uma mala de dinheiro.

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A conclusão de Janot: Batista e Saud prometeram a Loures e Temer um pagamento em dinheiro. Em troca, Loures, em nome de Temer, prometeu vantagens ilícitas para a JBS, comprovadas pela interferência do ex-assessor no Cade e pelo contrato entre a Petrobras e a EPE Cuiabá. Para o procurador, já que Loures não tem poderes para dar ordens ao presidente do Cade ou a dirigentes da Petrobras, só pode ter agido com a autorização de Temer. Portanto, avalia, fica configurado o crime de corrupção passiva.

Na análise de uma denúncia de corrupção passiva, portanto, deve-se levar em conta se a sequência de fatos apresentada, entre o oferecimento de uma vantagem e o recebimento de uma contrapartida, é consistente e tem elementos suficientes para que seja aceita e julgada.

Afastamento e punições

Por se tratar de uma denúncia contra um presidente da República por atos ocorridos no decorrer do mandato, o trâmite é diferente do tradicional. Após a apresentação da peça pelo Ministério Público Federal (MPF), caberá ao Supremo Tribunal Federal (STF) dar a palavra final sobre a aceitação, ou não, do pedido. No entanto, o STF só pode aceitar a denúncia com a autorização da Câmara dos Deputados. Os deputados devem decidir sobre isso na quarta-feira.

O relatório que será votado, do deputado Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG), é contra a concessão de autorização para que Temer se torne réu. Se o parecer for rejeitado e a Câmara, portanto, der o aval, o caso vai para o Supremo. Se a Corte decidir receber a denúncia, o presidente é afastado do cargo por até 180 dias, período em que a Justiça deve julgá-lo. Se for considerado culpado, é cassado em definitivo e pode ser condenado a uma pena que varia entre dois e doze anos de prisão em regime fechado, o mesmo para Rocha Loures. No entanto, se a Câmara não autorizar o prosseguimento da denúncia ou o STF não aceitá-la, a acusação é arquivada.

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