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‘O PT apropriou-se do Estado’

Senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) ataca política externa do governo Dilma e diz que o Senado falhou durante a análise do nome de Luiz Edson Fachin

Por Gabriel Castro, de Brasília
25 Maio 2015, 16h03

Ricardo Ferraço (PMDB-ES) presidiu a Comissão de Relações Exteriores do Senado entre 2013 e 2014. Ainda hoje, ele continua sendo a principal referência da Casa sobre o tema. O peemedebista apresentou na última semana o relatório final do projeto que institui a Lei de Migração no país (PLS 288/2013), de autoria do senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP). O texto, que atualiza o antigo Estatuto do Estrangeiro, foi aprovado em primeira votação pela comissão. Em entrevista ao site de VEJA, Ferraço ataca o governo, diz que o ciclo do PT se esgotou e afirma que o PMDB se rendeu ao fisiologismo.

Era preciso atualizar a legislação para imigrantes? Nós estamos varrendo o entulho autoritário do Estatuto do Estrangeiro, que vem de um período absolutamente incompatível com a realidade dos nossos dias. Ele é anterior à Constituição de 1988. A Constituição determina que a nossa política externa deve ser regida, entre outros valores, pelos direitos humanos. E a lei atual é presidida pelos princípios relacionados à segurança nacional. Ela colocava um conjunto de dificuldades na política de imigração.

A lei que ainda está em vigor trata o imigrante como uma ameaça em potencial? Sim. Ao não considerar o imigrante um cidadão igual ao nacional, ela estabelecia que na prática o ele era um cidadão de segunda classe. Não compreendia as contribuições que a imigração deu à nossa própria história. Durante um período essa coisa ficou adormecida, e o problema da imigração volta com muita força não apenas na América do Sul, mas também na Ásia, no Mediterrâneo. Isso ocorre porque algumas regiões do mundo prosperaram e se transformaram em ilhas de riqueza rodeadas de pobreza. A nova lei coloca o país em linha com os tratados internacionais que relacionam os direitos humanos como premissa. Então se tira o foco da Lei de Segurança Nacional e se coloca o foco na valorização do ser humano, porque isso simplifica, desburocratiza e facilita uma série de coisas. Nós não tínhamos, por incrível que pareça na legislação, algo que relacionasse o chamado imigrante fronteiriço. O Brasil tem quase 17 000 quilômetros de fronteira, com 11 países. Muitas pessoas moram na Bolívia trabalham no Acre e vice-versa. Criamos uma tipificação para isso. A lei humaniza e cria condições para que o Estado brasileiro se estruture e se organize para essa realidade.

Uma regra mais tolerante não pode incentivar imigrações sem controle? Eu não diria que é um incentivo. Acho que a nova proposta interpreta os fatos da vida real. Nos últimos dois anos nós recebemos mais imigrantes no Brasil do que nos últimos quinze anos. Somente de haitianos foram 40 mil pessoas que migraram para cá recentemente em busca de novas oportunidades. Em lugar de discriminar e colocar a lei como quebra-mola para dificultar a imigração, é preciso constatar a realidade e preparar um texto que crie um ambiente para que o governo federal possa assumir essa política. É evidente que hoje o nosso país não está preparado legalmente e operacionalmente para que essas pessoas sejam acolhidas como seres humanos. É preciso compreender que essa força de trabalho pode contribuir com a economia brasileira como contribuiu ao longo da nossa história. A discriminação não faz nenhum sentido.

Então a premissa da nova lei é tratar a imigração constante como um fato? O texto legal não vai inibir ou intimidar. As pessoas vão chegar de qualquer maneira, como estão chegando. O que nós precisamos é constatar um fato da vida real e nos preparamos para a conivência com esse fato. O texto demorou dois anos para ser aprovado, porque nós não consideramos apenas os conceitos teóricos. Conversamos com o Ministério da Justiça, o Ministério das Relações Exteriores, a Polícia Federal, o Ministério do Trabalho. Procuramos produzir uma lei que tivesse simplicidade na aplicação.

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A ligação do senhor com a área de relações exteriores surgiu por acaso? Fui nominado para presidir a CRE, comecei a estudar o tema e comecei a me indignar com o conjunto da obra da política externa do governo Dilma. Não há nada que simbolize mais o retrocesso que estamos vivendo no país do que a politica externa do governo Dilma. Uma política externa que olha pelo retrovisor, que se alinha com o passado e não com o futuro e submete uma política de Estado a uma visão ideológica e partidária. Na última semana tivemos um fato histórico. Nós rejeitamos a indicação de um embaixador para a OEA. Não foi um ato pessoal contra o embaixador. O que nós fizemos ali foi rejeitar a polticia externa do governo da presidente DIlma em relação à América do Sul. É uma política que faz vista grossa, que age com dois pesos e duas medidas.

A política externa do governo petista é ultrapassada? Há um problema de origem. O PT apropriou-se do Estado brasileiro como se o Estado fosse seu. A política externa não pode ser política de governo. Tem de ser política de Estado, porque nas relações externas não se altera posições de maneira muito radical. A política externa do atual governo é um verdadeiro desastre. É um absoluto desastre. Veja o caso do Mercosul, por exemplo.É natural que o Brasil tenha uma convivência harmônica, compatível com os valores culturais, econômicos e sociais dos nossos amigos da América do Sul. Mas insistir nesse modelo do Mercosul é não olhar para a realidade como ela é, é olhar para a realidade como se gostaria que ela fosse. É assim que o PT faz. Está evidente que o Mercosul deveria passar por revisões. Os equívocos do governo são muito visíveis: a convivência com a violação aos direitos humanos, à democracia, à liberdade de expressão. Nós temos auxiliado países como Argentina, Bolívia e Venezuela. Estamos perdendo tempo para discutir coisas que o mundo não discute mais. Na economia, por exemplo, esses países tentam fazer chover de baixo para cima. E o desastre é absoluto porque nada derrota mais o interesse da população do que a mentira e o populismo. Esses são os valores que esses países têm cultuado. O resultado está explicito na crise estrutural da economia da Argentina e da Venezuela. Em lugar de liderar na direção de um futuro próspero, o Brasil apoia valores e conceitos primitivos, que o mundo não discute mais.

O caso do diplomata Eduardo Saboia, que foi punido por ajudar a fuga do senador boliviano Roger Molina, é resultado dessa política equivocada? O tratamento concedido ao ministro-conselheiro Eduardo Saboia, que agora é assessor da Comissão de Relações Exteriores do Senado, é o símbolo da submissão ao governo Morales. Ele deveria ser homenageado porque o ato dele foi um ato de solidariedade. Eduardo Saboia assistiu um ser humano que padecia de profunda crise de depressão. Quem falhou foi o governo, não o Saboia. A decisão de conceder o asilo ao senador Molina foi da presidente Dilma. E quando um governo concede asilo político a uma pessoa, cabe ao outro país conceder o salvo conduto. O Brasil não fez absolutamente nada para que a Bolívia desse o salvo conduto ao ex-senador molina. O que queriam que Eduardo Saboia fizesse? Que visse a pessoa falecer e fosse depois responsabilizado por omissão? Esse caso é o símbolo dessa deterioração a que nós estamos estamos assistindo no Itamaraty.

O Senado falhou ao não agir de forma mais incisiva durante a análise da indicação de Luiz Edson Fachin? O Senado falha porque o que nós temos observado nos últimos anos é um presidencialismo de coalizão que evoluiu para um presidencialismo de cooptação. O que existe na prática é o Senado abrindo mão das suas prerrogativas em função da cooptação, dos interesses mais imediatos e partidários. Quando o Senado é convocado a decidir sobre uma indicação para o STF, cresce muito a sua responsabilidade. E o que eu procurei fazer foi o meu trabalho. O que nós levantamos foram questões objetivas. Foi o povo do Paraná por meio, do seu constituinte, que decidiu que um procurador não poderia ser advogado ao mesmo tempo. Durante dezesseis anos, o professor Fachin foi. E, sinceramente, suas explicações não me convenceram. Mas não apenas isso: as contradições de toda a militância acadêmica intelectual do professor Fachin entraram em profunda contradição com a sabatina. Percebi que o que moveu a sabatina foi efetivamente a ética da conveniência. E eu não me senti seguro em exercer esse voto pelas questões objetivas que mencionei. A CCJ e o Senado não fizeram seu dever de casa. O governo se envolveu pesadamente para que a aprovação do professor Fachin passasse pelo Senado. Mas estou dormindo com a minha consciência tranquila de que fiz o meu trabalho.

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O senhor não vê contradição entre integrar o partido do vice-presidente da República e criticar diretamente o governo? Eu sou absolutamente coerente. Fui à convenção do PMDB e votei não à manutenção da aliança com o PT. Depois eu não fiz campanha para o projeto político liderado pela presidente Dilma. Continuo agindo em linha com o que eu vinha fazendo. Esse modelo está fatigado, esgotado. Aliás, tem senador do PT que está achando isso também

O futuro do PMDB está longe do PT? Acho que o futuro do PMDB está ameaçado à medida que o partido não tem bandeiras nem projeto. O projeto do PMDB é ser subordinado, é ser força auxiliar do PT. Falta ao PMDB, pelo tamanho e pela história, ter bandeiras. Fazer uma discussão que interesse à sociedade e não aos políticos. Com o tempo, infelizmente, nosso partido se transformou num partido fisiológico, clientelista, assistencialista e subordinado à lógica do aparelhamento.

Incomoda ao partido ter dois nomes de destaque, Renan Calheiros e Eduardo Cunha, investigados na Operação Lava Jato? Tanto um quanto outro tem o direito de se defender. Mas, mesmo reconhecendo o devido processo legal, é evidente que isso é muito ruim para o partido para o Congresso também. Só o fato de estar submetido a essa suspeição já é muito ruim.

O momento do PT passou? A meu juízo o projeto do PT é um projeto esgotado. Mas eu também preciso reconhecer que a política brasileira precisa repensar seus valores e sua forma de agir. De uma certa forma, o PT ampliou a promiscuidade e tornou a promiscuidade na política uma coisa banalizada, mas eu acho que os políticos precisam colocar a barba de molho. Esse não é um movimento apenas contra o PT. É contra a incapacidade de a política produzir resultados para a sociedade. A sociedade está cansada.

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