Assine VEJA por R$2,00/semana
Continua após publicidade

O fim de um personagem que enganou a si próprio

Demóstenes Torres fez fama como perseguidor implacável de criminosos. Era um personagem. De tão bom ator, passou a acreditar na própria farsa

Por Gabriel Castro
3 abr 2012, 12h38

O senador Demóstenes Torres (GO) deixou o DEM nesta terça-feira. Ameaçado por um processo de expulsão, ele fez com que a carta de desfiliação (leia a íntegra abaixo) fosse entregue por sua assessoria por volta das 12h30 desta terça-feira ao presidente da legenda, José Agripino Maia. É o primeiro passo concreto daquilo que deve ser a morte política do parlamentar, atingido por denúncias de ligação com o contraventor Carlinhos Cachoeira.

“Embora discordando frontalmente da afirmação de que eu tenha desviado reiteradamente do programa partidário, mas diante do pré-julgamento político que o partido fez, comunico a minha desfiliação do Democratas”, escreveu Demóstenes no terceiro parágrafo da carta. Na primeira parte do documento, o senador apenas informou que recebeu o comunicado de que o partido havia aberto o processo de expulsão, anunciado nesta segunda-feira pela cúpula do DEM.

Nesta segunda-feira, o partido abriria oficialmente o processo de expulsão de Demóstenes. O relator do caso já havia sido escolhido: o deputado federal Mendonça Prado (SE). José Agripino Maia negou, após ter recebido a carta, que a legenda tenha pré-julgado o senador goiano: “Em absoluto. Pelo contrário: nós demos clara oportunidade dele se defender”. Ainda segundo o presidente da legenda, a decisão do partido mostra que o DEM não é conivente com desvios éticos.

A opção do senador Demóstenes evita o constrangimento da expulsão, mas pode dar brechas para que o parlamentar perca o mandato. Há precedentes: então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda deixou o cargo, em 2009, por decisão da Justiça Eleitoral. A situação era idêntica. Por ora, o DEM não pretende cobrar na Justiça o posto de Demóstenes porque o senador não deixou a legenda para se filiar a outra sigla. Mas o Ministério Público também tem poder para pedir a perda do cargo do parlamentar, com base no entendimento de que o mandato pertence à legenda.

Continua após a publicidade

A saída do senador confirma o isolamento do parlamentar. A falta de sustentação partidária pode facilitar uma possível cassação de mandato, embora, com votação secreta, o resultado seja incerto. De qualquer forma, o escândalo envolvendo a ligação do senador com Carlinhos Cachoeira significa o ocaso do personagem que Demóstenes havia criado – e que funcionou muito bem até agora: parece ter enganado o próprio senador.

Hábil orador, Demóstenes passou de promotor de Justiça a secretário de Segurança Pública de Goiás, cargo que assumiu em 1999 e lhe conferiu a fama de combater com eficiência o crime. O salto seguinte, em 2002, foi para o Senado Federal. Em 2010, ele foi reeleito com folga: havia se tornado uma figura de destaque no único estado do país onde o governador e os três senadores são de oposição ao PT.

O criador e a criatura – Em algum momento da caminhada, Demóstenes parece ter passado a acreditar na personagem que encarnou: a do perseguidor implacável de bandidos. Pensando estar sob proteção por usarem aparelhos habilitados nos Estados Unidos, Demóstenes e o chefe de quadrilha Carlinhos Cachoeira não se preocupavam nem mesmo em escamotear o tema das conversas usando códigos, como normalmente fazem aqueles que têm algo a esconder. Nas conversas interceptadas pela operação Monte Carlo, apareceu o verdadeiro Demóstenes.

Continua após a publicidade

A fama de probo também acentou a queda do senador: todos os argumentos que o democrata havia usado contra corruptos se voltaram contra ele. Mas, em vez de se apressar e oferecer explicações céleres, ele preferiu o silêncio. O velho Demóstenes talvez considerasse isso uma confissão de culpa.

Dias antes, quando tudo o que havia contra o senador eram indícios de uma amizade incômoda mas dentro da lei, Demóstenes ainda jogou com a sorte: arriscou tudo ao subir na tribuna do Senado e garantir que foi pego de surpresa pela revelação das atividades criminosas do amigo. Disse que as quase 300 ligações telefônicas ocorreram por razões pessoais – sentimentais, até. Jurou inocência.

O efeito imediato foi positivo: mais de 40 senadores, muitos deles governistas, usaram os microfones do Senado para elogiar o discurso de Demóstenes. Mas a farsa não duraria muito. Assim que surgiram as primeiras revelações de que o senador, na melhor das hipóteses, traficava influência em favor de Cachoeira, já não restava defesa possível ao ex-inquisidor de corruptos. Sobrou o silêncio.

Continua após a publicidade

Demóstenes deixa no já combalido DEM um vácuo de figuras promissoras. Era ele, ainda que de forma incipiente, a maior aposta do partido para o possível projeto presidencial de 2014.

Acusações – O senador Demóstenes Torres foi atingido pela operação Monte Carlo, da Polícia Federal. As autoridades desmontaram uma extensa rede criminosa comandada por Carlinhos Cachoeira, empresário e controlador da máfia dos caça-níqueis no estado de Goiás. Foram presos policiais militares, civis e federais que tinham participação no esquema. Mas a maior surpresa veio de conversas entre Demóstenes Torres e Cachoeira, interceptadas pelos policiais. Além de ter recebido do criminoso um presente de casamento no valor de 30 000 dólares, o senador foi flagrado pedindo auxílio financeiro, fazendo lobby para o contraventor e negociando o uso de um jatinho de Cachoeira.

Conversas de Cachoeira reveladas pelo Jornal Nacional tornaram a situação do senador ainda mais complicada. O chefe da quadrilha aparece negociando recursos com comparsas e, em vários trechos, cita o nome do parlamentar. Carlinhos Cachoeira chega a falar em “um milhão do Demóstenes”. Na quinta-feira, o PSOL entregou ao Conselho de Ética do Senado um pedido de abertura de processo por quebra de decoro parlamentar. E o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a abertura de inquérito contra o parlamentar.

Continua após a publicidade

Leia a íntegra da carta de desfiliação de Demóstenes Torres:

A Sua Excelência o Senhor

Senador José Agripino Maia

Continua após a publicidade

Presidente Nacional do Democratas

Senhor Presidente,

Sirvo-me do presente para a cusar o recebimento do expediente a mim enviado por Vossa Excelência na noite de ontem (02/04/2012), dando-me conta de ter o Democratas decidido em relação a minha conduta que:

“Houve desvio reiterado do Programa Partidário, principalmente no que diz respeito à ética, na medida em que exsurge, do que veiculado, estreita relação de Vossa Excelência com o citado contraventor… É inevitável a instauração do pertinente processo ético disciplinar para o fim de promover a aplicação da sanção prevista no Estatuto, qual seja a expulsão do Partido.”

Assim, embora discordando frontalmente da afirmação de que eu tenha me desviado reiteradamente do Programa Partidário, mas diante do pré-julgamento público que o Partido fez, comunico a minha desfiliação do Democratas, nos termos traçados pelo artigo 1º, § 1º, inciso III, última figura da Resolução nº 22.610, de 25 de outubro de 2007.

Atenciosamente,

Senador Demóstenes Torres

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.